Thursday, August 31, 2006

Flávia Nascimento

menciona a
Aníbal Cristobo
Ricardo Domeneck
Valeska de Aguirre
Carlito Azevedo
Simone Brantes
Marcos Siscar
Paula Glenadel
Manoel Ricardo de Lima


poemas:

Svetlana

na véspera de sua partida para
ny, emmanuel hocquard datilografa
um poema de george oppen
em sua máquina de escrever
underwood n. 3. é como svetlana querendo voltar
para barcelona
aqui não fico
mais nem um dia
dizia no café
com nome grego que
lhe fazia falta ver as coisas
invisíveis daquela cidade e seu marido
na contramão carregando
no braço o menino sem língua,
tentando alcançar o que
aparecia do outro lado do mar
se alguém ainda viria
para ajudá-los
nesta época
do ano a tormenta não costuma
demorar (o poema era em inglês)
e tinham medo de se perder,
ela dizia, por isso a distância,
ritmo de degrau seguindo
cortado, por isso
o modo de andar e
o ziguezague do avião sempre que saíam juntos.
tinham medo e todos os dias fazia
algo para evitar. depois queria
encontrá-lo na rua,
perdido, como um acidente:
cruza uma esquina e vê. desligou
a chamada na hora
precisa, a voz cortada outra
vez antes de seguir
pelas ramblas.



Le pays n’est pas la carte,

pensa bem mas
se tivesse as ruas quadradas
teria ido a outro café, teria dito tudo de
outro modo e visto de
cima a cidade em vez de se
perder toda vez
na saída do metrô.
não é desagradável
estar aqui, é apenas
demasiado real
diz com cílios erguidos
procurando um mapa

II.não é o avião em rasante sobre
a água e nem o corpo
na janela semi-aberta
vendo o desenho
dos carros embaixo — não comenta nada
porque prefere armar planos
em silêncio
(estaria sonhando
com colinas?)
IIIde lá manda longas
cartas descrevendo o país,
os terremotos e a forma da cidade.
pode me dizer que nunca se
espanta mas não percebe que
caminha perguntando:
é de plástico a cabine? é sua voz
na gravação? é um navio no
horizonte? pode ser apenas
uma margem de erro mas
não pensa nisso
com freqüência

(pode ser apenas a janela
aberta que carrega os papéis)


Classificação da securaIagora já é quase amanhã mas queria
dizer apenas que é muito
tarde: acrescentar quatro horas ao relógio
indica que já é depois. lá é sempre
depois. parecia um nome
italiano com aquele som ecoando e a
resposta em outra língua mostrava
a cor das linhas no mapa,“é lilás”, para
não dizer algo preciso
para não terminar:
com ela
saio cedo todos os dias. fico de
vez em quando escondido
no porto. tomarei
o transmediterrâneo e comerei
calçots,
até chegar o instante antes
do instante
, momento em que olha para o relógio
e diz: não. já conhece todos os erros
do sistema e a retina derretendo
sempre que levanta
para sair dali.
(precisão é o retângulo do degrau
inferior.)
II.alguém que não consegue se mover
e uma semana de vozes cortadas, deve
se acostumar aos movimentos em câmera
lenta, à descida pela escada em
espiral: recorta os sons
de cada quarto e apaga as
perguntas que mais detesta
responder. como aquela noite
no ônibus, ruídos do rádio e
pedaços de frases atiradas,
sempre girando as horas.
ver a paisagem
sem ela e precisar o tamanho da ausência
com poucos dados. sabe que as baleares ficam
do outro lado do mar, e custa muito chegar
anos depois e dizer. ergue os olhos para
fixar o que tem ali e não perder
de vista a secura.



bio/biblio
Marília Garcia nasceu no Rio de Janeiro em 29 de novembro de 1979. Publicou o mini-livro encontro às cegas, pelo selo Moby Dick (2001).


poética
Not exactly a mark, not exactly a trace.
More like a segment of recording tape.
(Michael Palmer)

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