Mencionado por:
Érica Zíngano
Menciona a:
Ana Rüsche
Duda Machado
Fabio Weintraub
Laura Liuzzi
Mônica Rodrigues da Costa
Paulo Ferraz
POEMAS
AS COISAS CLARAS
O arquiteto: o
que abre para o homem
(tudo se
sanearia desde casas abertas)
portas
por-onde, jamais portas-contra;
por onde,
livres: ar luz razão certa.
(João Cabral de Melo Neto)
Suponha um copo d’água
e uma sala repleta de luz.
Sobre o tampo d’uma mesa
o copo translúcido atua
suando tranquilo
sua mancha na madeira teca
opaca. Os bichos ciscando
lá fora. Janelas enormes
que ocupam quase
toda a extensão das
paredes da sala. O sol
emanando seus raios
ao pulmão de vidro
em que estou contido.
Escrevo à prova de balas.
*
O mar Egeu não se ergue
(nunca depois navegado)
sob o abismo desta manhã.
Escrevo. Mastigo alguns
nacos de fruta
(suponha ser manga ou caju).
Poema: os bichos ciscando.
A engenharia é o mal
necessário a quem
pensa o poema e se
esgota ao pensar(-se),
máquina d’emocionar.
O copo d’água, as frutas,
a madeira teca, o iMac, o .doc:
todas as coisas bem claras.
SEM TÍTULO (II)
janeiro é um mês vermelhíssimo
tônico,
auroral
(tempo de amor e miragem)
embora não seja
o início (o início
mesmo é em março: o mal
que, no norte,
resulta no enterro dos mortos)
ciclicamente é um
istmo
de coalizão solar
*
queria viver em pleno janeiro
suado,
quente
(o coração sem cardeais)
sempre pronto para
a próxima (a próxima
talvez seja a última: ela passa
e onde estou?
na capital do século vinte-e-um?)
incisivamente explosiva
visão
de suas pernas pro ar
SOL, SLOGAN
Que
symbolo fecundo
Vem
na aurora anciosa?
(Fernando Pessoa)
gostaria de comprar
uma Coca para
o mundo. primeiro
estranha-se mas é
isso aí, uma
Coca-cola como
phármakos: uma pausa
que refresca a mera
metade de nada que
chamamos vida.
over-doce, urso polar,
santa claus, cherry
coke. depois
entranha-se mais e
essa é a real,
Coca-cola como
phármakos: viva o que
é bom, poeta só
porrada, o sol doura
sem literatura.
BIO/BIBLIOGRAFIA
Renan Nuernberger
nasceu em São Paulo, SP, em 1986. Poeta. Mestrando em Teoria Literária na
Universidade de São Paulo com dissertação sobre a poesia brasileira dos anos 1970.
Publicou Mesmo poemas (Selo Sebastião
Grifo, 2010) com apoio do ProAC e organizou a antologia Armando Freitas Filho por Renan Nuernberger (EdUERJ, 2011) para a
coleção Ciranda da Poesia.
POÉTICA
“Um poema é difícil.
Adão, Sísifo, Orfeu” (D. Pignatari)
Difícil definir uma
poética no momento. Em trânsito – quer dizer, no meio do caminho – não sei
exatamente para onde. Um verso brota às 11:38h da manhã, quase na hora do
almoço. Anoto e depois descubro que o verso já existia e que eu o havia lido meses
antes naquele outro livro. Ou sonho um poema – de arquitetura ideal – que se
desmancha enquanto me espreguiço. Ligo a tv, google. Tudo parece aquém, tudo
parece além das exigências comezinhas e/ou das pretensões etéreas. Escrever é
falta – uma falta planificada para quem se aventura no escuro, quase um
esquadro com que risco o ar. Um poema é arisco.