ANNITA COSTA MALUFE
mencionada por:
Valeska de Aguirre
Fabricio Corsaletti
Heitor Ferraz
Sergio Nazar David
Daniela Ramos
menciona a:
Afonso Henriques Neto
Chantal Castelli
Fábio Weintraub
Roberto Piva
Ruy Proença
poemas
(1)
os livros o carpete a pilha de livros no chão a estante abarrotada de livros
o espaço sem lugar para respiro
o pó dos livros
eu me fazia lúcida em meio à fumaça de cigarro que se misturava com a poeira
a poluição do centro da cidade ao meio dia
a longa espera
e eu olhava para o teu rosto com uma pergunta insolúvel
que mal sabia formular
os teus olhos perdidos na neblina
(não sei se eram teus olhos que eu buscava
tampouco sei se era você)
teus olhos estavam voltados para dentro em uma acrobacia nunca vista
havia também os óculos e o suor havia os rasgos do teu rosto as rugas alguma ferida
havia alguma ferida mal cicatrizada
essas marcas o pó a brisa acinzentada que tingia os vidros o mofo nas páginas dos livros
tanta coisa preenchia o espaço entre a minha pele e a tua
(e eu nem sabia se eram teus olhos ou algo que estava por trás deles
por trás da acrobacia que teus olhos faziam)
tanta coisa prendia nossa respiração
que eu devia me fazer lúcida e aguardar
um banco a vontade de ir ao banheiro o café morno da garrafa
o cenário de uma vida em que os livros envelhecem antes dos corpos
eu não podia lamentar minha presença nem a dos papéis craft enrolados a coleção de papéis com as pontas amassadas
os arquivos de metal
era preciso ter algo por onde passear os olhos os meus olhos
(não sei se eram os teus que eu buscava
ou se buscava fugir)
passear os olhos no cartaz de uma peça da década de setenta o pôster de uma tourada espanhola o cardápio de um restaurante italiano em um vilarejo medieval
como fugir destes monumentos mínimos de uma vida
qual seria esta espera
teus olhos voltados para trás da cabeça e a minha pergunta reverberando entre as paredes entre o mofo das paredes
a minha pergunta grudada na umidade quente e abafada de um meio dia no centro da cidade
a minha pergunta que não chegava até você que não chegava em teus olhos voltados para dentro que não alcançava a acrobacia dos teus olhos e ficava pregada na fuligem dos ônibus nos ruídos que se misturavam com as palavras com as nossas palavras
nossas vozes que eram só fumaça e confusão algum pequeno fio que nos mantivesse ali que nos prendesse mesmo que momentaneamente entre aquelas estantes abarrotadas de livros caixas papelões objetos de acrílico de madeira jogos que já nem se fabricam mais
(e eu nem sei se era você que estava ali
por trás da minha respiração)
(2)
a imagem no aparador é mera alucinação
um meio nariz mal delineado a quarta parte de um olho
o queixo um pedaço de gola
a sombra de um tronco infantil
seria uma lembrança não fosse o fato
de não me reconhecer nestas unhas que saem de dedos compridos
no modo de cruzar as pernas
curvar o corpo inclinar o pescoço para a esquerda
para a direita
piscar nervosamente a quarta parte de um olho negro
cravado numa pele transparente
seria mera alucinação?
uma das mãos se mantém fechada
enquanto seguro o guarda-chuva e procuro
dentre os pedaços dispersos
o outro braço que alcançaria a maçaneta da porta a meu lado
(3)
dos fios desta separação, abre-se uma porta discreta, pequena
quase imperceptível
economizar uma ou outra palavra não faz diferença
são fios longos
um emaranhado de ondas e feixes de luz
não faz grande diferença a geografia das frases
falamos articulando tons e gestos apenas
nada transcorre de fato nas frases
nada nas palavras ou no entre-sílabas
mas fios
um emaranhado que às vezes transparece
às vezes some
um calar de expressões e olhares
a boca entreaberta
um fechar de pálpebras
ao alcance das mãos a maçaneta a porta
uma pequena porta que às vezes transparece
às vezes some
nesse longo emaranhado
de fios
em que se buscam e se perdem
nossas vozes nossos vãos
fios
e uma longa separação
a porta entreaberta
já não posso me conter
as curvas transparecem em meus dedos
a curvatura da maçaneta e a porta
tão pequena, ao fundo
a porta que se abre
a porta e a passagem para fora
(mini-currículo)
Annita Costa Malufe (1975) é autora do livro de poemas Fundos para dias de chuva (7Letras, 2004) e do ensaio Territórios dispersos: a poética de Ana Cristina Cesar (Annablume, 2006). Atualmente conclui o doutorado na Unicamp sobre poesia contemporânea brasileira.
(poética)
“Sem algo que force a pensar, sem algo que violente o pensamento, este nada significa. Mais importante do que o pensamento é o que ‘dá a pensar’; mais importante do que o filósofo é o poeta”. Minha poética é uma mistura da constatação de que “o essencial está fora do pensamento, naquilo que força a pensar” (roubando as palavras de Deleuze) e da idéia do Roberto Piva: Tudo o que chamo de literatura é meu esforço em fugir da civilização de vocês.
ELI CASTRO
mencionado por:
Julio Lira
menciona a:
Ivaldo Ribeiro Filho
Thiago Fonseca Veras
Cândido Rolim
Rodrigo Magalhães
poemas
Paciência
a essa altura
teu cansaço
parece bem maior e,
com muita sorte - minha -,
você diz, educada, que tudo
anda em ordem
apesar dos machucados
de o mundo...
a pesar.
já fora do restaurante
imagino teu silêncio
dividido entre
guarnições &
talheres frios
o mundo mastigado ~ amargo
sem criatividade
no jogo de temperos
cruzo a rua;
o ônibus bufa
num duro arquejo de trégua :
tudo está em ordem,
eu digo.
um próximo cigarro
urgente.
Vin
a montanha do tai shan domina
a planície do rio amarelo
[ e, por isso, aqui estamos
onde nenhuma montanha nos espera
pacíficos, caminhando enquanto - teu e meu -
pensamentos esbarram
num jogo de pouco amor,
como bruxos movidos por tolas adivinhas
a linha do equador é invisível porque
o equinócio a derreteu
[ tanta coisa você me explica
numa paciente precisão
de gestos plúvios - incansáveis -
até o último minuto
e todas as mortes são bem-vindas
[por pouco capricho de meias palavras
e parco brilho emaranhado do corpo - já gasto -,
só há o que dizer
esta imagem plantada e crescida,
viciada em tintas
que teus cabelos se nutrem numa
renovação de sóis (oxigênio)
por mera vergonha em deixar
que se dispam alvos, a começar pelas raízes
mas tal tempo
não desmantela o
convicto-amor-cansado-nobre-amor
a montanha do tai shan domina
a planície
[ caminhamos devagar, sossegados,
longe de qualquer sono
Na Serra
/chove/
gotas
simulam estrelas
no vidro da
janela ,
borrão de paisagem.
lareira
cobertor
toda
a paciência do mundo
esgotada num
maço
de cigarros.
não há noite
mais fria
que
esta
bio/biblio
Eli Castro nasceu em Fortaleza, 1979. O autor é inédito em livro e, por enquanto, pretende perpetuar essa teimosa dignidade de escrever e não-publicar (se assim for possível entender). Além de lecionar, Eli Castro fotografa de vez em quando e, quase sempre, vai ao estádio torcer pelo time do coração, o Leão (é claro!). Desde 2004 vive com a Mel e o João, uma tarefa árdua, contudo, prazerosa.
poética
Procuro, quando escrevo, o melhor de minha humanidade. É como se me fosse dada a oportunidade de enxergar-me pelo avesso, pelo meu inédito, por aquilo que me faz página em branco; ou seja: um terreno onde se possa macular idéias e adulterar óbvios; no intuito, simples, de dignidade particular, sem vaidades ou falsas modéstias. Muitas vezes, desejo esse contato sempre, mas, como foi dito, tudo é uma questão de oportunidade, de relance, de átimo. E, por isso, inédito, disperso e, por que não, profano.
KLEBER MANTOVANI
mencionado por:
Tarso de Melo
MENCIONA A:
EDUARDO STERZI
TARSO DE MELO
HEITOR FERRAZ
HELIO NERI
CARLITO AZEVEDO
DONIZETE GALVÃO
RUY PROENÇA
PAULO FERRAZ
QUADROSPORSEGUNDO
quadro 1 : tácita
pensei tê-la ouvido
chamar
(brusco movimento
de braço)
meu nome
instante que leva o copo
da mesa
ao
chão
recolho e guardo
um a um os ca-
cos,
palavra
tácita
estilhaços
quadro 2 : vinco
afônica
a boca aberta
seca como
folha de papel
quase virgem
branca que traz
num canto
um vinco
(parede de ar
entre a boca
e o ouvido)
a mão alisa
a folha a ponta
e preme o dedo
a fibra que
não se refaz
o vinco é a
memória
da folha
como um
grito que
poderia ser
mas não sai
quadro 3 : busca
busca
no fragmento
da palavra
na sílaba
calada um
ruído, silvo ou cicio
que sirva aos
sentidos
suspensas no
quadro-negro
apagado,
escritas a giz,
palavras
vício do ouvido
cicatriz
quadro 4 : substância
líquido
num copo
escultura
moldada
pelo espaço
de um corpo
como uma certeza,
o nome escrito,
não como um livro
mas a frágil
existência de um corpo
suspenso no abismo
*
no baque
do piso
estala
vítrea
palavra de
um idioma
desconhecido
quadro 5 : separados
fio da lâmina
cinde
silenciosamente
a pele
carícia de aço
afago da despedida
separados
tecidos
lancinante
o nunca mais
(uma cicatriz)
como
único asilo
quadro 6 : bilhetes
calça lavada
contra a pele
perfume de água
(nunca ter
visto esta
árvore
renova a paisagem
e os sentidos)
papéis
macerados
encontrados
no bolso
bilhetes
a ninguém
recados
ilegíveis
(alamedas
passos ao acaso
num bairro
desconhecido)
quadro 7 : esquina
foi neste banco
ou naquele
este
verde está
mais frio
escuro
perdeu-se na memória
copa de uma
árvore
o que foi aquele gesto
um pássaro
pardo entre
galhos
o que sobrou
ficou de
tudo
dos anos
meses
do rosto
um oco
um vulto
que dobrou
a esquina
(Estes poemas foram anteriormente publicados na revista Cacto, com exceção de quadro 7 : esquina.
Recentemente foram reunidos em edição caseira)
BIO/BIBLIO
Nascido em Mauá (SP) em 1970, reside em Santo André. É autor do livro de poesia Sombras em Relevo (Alpharrabio, 1998). Atualmente trabalha no serviço público. Mas isso não o possibilita escrever como Drummond. Foi poeta exclusivo da revista Cacto. Pensa que é o Mano Brown.
POÉTICA
Para avisar a finta enfim
Quando não é
Sim
No contrapé
(O futebol - Chico Burque)
Sempre pensei a poesia como um drible em nossa expectativa.
MAURICIO MATOS
mencionado por:
Maurício Chamarelli Gutierrez
Izabela Leal
Luís Maffei
menciona a:
Érico Braga Barbosa Lima
Eucanaã Ferraz
Floriano Martins
Izabela Leal
Luís Maffei
Maurício Chamarelli Gutierrez
3 poemas
1. de cabula - primeira parte
Acorrentado ao tronco do sistema, revivo senzalas inteiras entre as paredes brancas desta casa grande. Com as costas já em carne viva, e moscas à minha volta, entre uma e outra chibatada todavia, me aprofundo alforriado, pensamento a dentro, à zona do baixo meretrício, na rua sotero dos reis. E como o cristo de joãozinho trinta, coberto por sacos de lixo: latino americano me apresento. Laroiê.
2. o claudicante
eu sou a parte de alguém que caminha
as pernas tortas de pensarem tanto e tanto
são pernas minhas sobre as quais eu me levanto
que eu sou a via, toda via minha
eu sou o rastro de mim mesmo, triste
o claudicante que caminha e nunca dorme
os pés cansados como os pés de quem persiste
o microcosmo de um pedestre enorme
eu sou o todo esfacelado em muita gente
e todo o mundo em mim refigurado
é claudicante e o meu olhar, meio doente
passei as horas desta tarde ensimesmado
e meio triste e meio indiferente
fiz de propósito um soneto todo errado
3. reflexões sobre aline
filha de iemanjá
no regresso do inferno-de-mim
eu sou o cavalo-dos-dias
virado em caboclos-de-agora
regresso do inferno-de-mim
e ao toque do queto
segundo as pancadas do hun
entre atabaques varo inteira a madrugada
a compreender a inexistência da manhã
se for terra de chuva: saluba, nanã[!]
buruquê
e antre mim mesmo e mim, onde a barra é pesada
suposto filho d’obaluaiê
sou alguém que as imagens perscruta
e o corpo deseja
de uma filha, tatuada e prostituta,
por quem iemanjá lacrimeja
In: MATOS, Mauricio. Aquém das retinas. Rio de Janeiro: 7Letras, 2006.
breve nota bio/bibliográfica
Mauricio Matos (Rio de Janeiro, 1973) é Doutor em Letras / Literatura Portuguesa (PUC-Rio). Foi Professor Substituto de Literatura Portuguesa da Faculdade de Letras da UFRJ (2004-2005). Publicou o conto “Lençol em curva” na antologia Donos da bola (org. Eduardo Coelho). Rio de Janeiro: Língua Geral, 2006 e o livro de poemas Aquém das retinas. Rio de Janeiro: 7Letras, 2006. É pesquisador de Pós-Doutorado na UFRJ, pelo CNPq (2006-2007).
poética:
Lamento informar, mas o leitor está morto.
VALESKA DE AGUIRRE
mencionada por:
Heitor Ferraz
Marília Garcia
menciona a:
Annita Costa Malufe
Gabriela Marcondes
Lucas Haas Cordeiro
Bruna Beber
Maria Helena Latini
poemas
Assobio você
Caixa preta
furo preto
parecia experiência de colégio
algo como “a lâmpada acende
se amarrar os fios” ou “o feijão
nasce no algodão” parei
ao escutar a vibração
das experiências sonoras
contidas em oito
caixotes de dois metros
de alto-falantes
em círculo claustrofóbico
convidando a mexer
as partes do corpo
que melhor estalam
e continuam a estalar
cada vez mais baixo no infinito pretume
ruído
ruído
a mandíbula
a língua
o dente
a garganta
a glote
a direção do vento
o lábio superior e inferior
assobio você
do corredor o círculo
preto de dois metros falantes
ocupam seu espaço ao chão
octogonal corrompem a visão
o corpo estica-se ao encontro
gigante postura em vale árido
duas caixas se distanciam de acordo
sugerindo passagem ao corpo
o alongamento de vértebras
conversam.
Ao som do vinil
“Não acredito que te perdi”
cochichou perdendo a faixa
da música que deveria colocar
para as pessoas não escutarem
o que gritava tentando cochichar
ao ouvido da garota que se despedia
e que pensou escutar
“não acredito que te perdi”
mas não pediu para ele repetir
pois já tinha ouvido o ruído da faixa
terminando e ele afastando-se
para posicionar a agulha em qualquer
outro círculo e assim ninguém
reparar na garota que ali permanecia
na tentativa de ir embora.
NESTE DIA REPLETO DE GIRINOS e dez minutos de ócio penso no que sou e o que serei em cinco anos não há vácuo nos intervalos da história mas a continuidade é incompleta olho o muro de pedras o futuro é ali e perfura meus gestos conto as histórias no espelho e aguardo as manhãs lentas o vagar dos dedos na xícara de qualquer coisa quente ou nos cabelos dos meninos.
Valeska de Aguirre é carioca e nasceu em 1973. Publicou o mini-livro Ela disse, Ele disse, pela Moby Dick.
poética:
E pra beber?
A menor das traições.