Leandro Sarmatz
menciona a:
(Só poetas que ainda não foram citados aqui)
Veronica Stigger (escolha mais afectiva, impossível...)
Leandro Sarmatz
Jean de Oliveira Ferreira
Age de Carvalho
poemas
Jogo
depois do primeiro chute
é fácil alguém pergunta
pra que tanta violência
aos poucos vai até
serenando como se
entranhasse a contragosto
a lâmina do sono
suja do próprio sangue
do sangue de outro
aos poucos vai até
afogando no sono
que desce pela garganta
vem dos ouvidos
só pensa
proteger os olhos
proteger a nuca
proteger a têmpora
parece que sorri
à espera do último
que não vem
à espera do próximo
é fácil é só
esquecer
que aquela é
a sua
(só) a sua cabeça
Vapor e cimento
Enquanto deslizo – serpente
metálica – ao longo do arroio,
a proa rasgando o
asfalto, temente apenas
a radares e outros
roedores,
meus olhos se despregam
do fluxo apático
e, de repente,
descobrem, ao fundo,
formações efêmeras
de algodão e
reboco, vapor e
cimento – o assim
chamado «horizonte» –
morrendo em rosa e
cinzento;
poderia ser o fim do mundo,
mas aqueles óculos
mudaram a percepção
de tudo, e ela pôde,
ao meu lado, mesmo
assustada, sorrir,
embora sua fala,
no rapto do instante,
cessasse abrupta, à espera
de alguém – tigre ou
anjo – que, munido
de ferramentas apropriadas,
nos arrancasse
do cerrado cipoal
das ferragens;
poderia ser o fim
do mundo, mas,
hóspede perpétuo
da mais ímpia
masmorra
(onde o chão
morde o teto)
do palácio
gasoso
das lembranças,
fantasio-me liberto,
preso apenas a
um que outro
relâmpago: o prego,
áspero de cimento,
cravado no pé esquerdo;
o primeiro golpe
da adaga (a vítima
sobre a pia,
ao lado de uma
privada); o lustre
de inúteis tentáculos
rebentando no ventre
da sala; tua última
palavra.
Porto Alegre, 31 dezembro 2002
Manhã carvão, manhã
carnívora:
medo
que a sombra
morda, olhos
abstratos
por sobre o ombro
esquerdo
[Os três poemas integram o livro inédito Aleijão. «Jogo» foi publicado na revista eletrônica Trópico; «Vapor e cimento», na Cacto n. 2. «Manhã carvão» é apresentado aqui pela primeira vez.]
bio/biblio
Nasci em Porto Alegre, em 1973; desde 2001, moro em São Paulo. Meu primeiro (e até hoje único) livro de poesia – Prosa – saiu em 2001. Organizei um livro de ensaios sobre Augusto de Campos, Do céu do futuro, que saiu este ano pela editora Marco. Escrevi também uma dissertação de mestrado sobre Murilo Mendes e uma tese de doutorado sobre Dante e a origem da lírica moderna.
poética
A imagem certamente não é minha (mas, como não sei de quem é, fica sendo minha): escrever poesia, hoje, me parece semelhante a arremessar dardos contra um alvo inexistente, o qual, no entanto, vai começando a existir à medida que os dardos o alcançam. O poema, então, aparece como algo paradoxal, inexistente-existente, perfurado/ferido.
menciona a:
(Só poetas que ainda não foram citados aqui)
Veronica Stigger (escolha mais afectiva, impossível...)
Leandro Sarmatz
Jean de Oliveira Ferreira
Age de Carvalho
poemas
Jogo
depois do primeiro chute
é fácil alguém pergunta
pra que tanta violência
aos poucos vai até
serenando como se
entranhasse a contragosto
a lâmina do sono
suja do próprio sangue
do sangue de outro
aos poucos vai até
afogando no sono
que desce pela garganta
vem dos ouvidos
só pensa
proteger os olhos
proteger a nuca
proteger a têmpora
parece que sorri
à espera do último
que não vem
à espera do próximo
é fácil é só
esquecer
que aquela é
a sua
(só) a sua cabeça
Vapor e cimento
Enquanto deslizo – serpente
metálica – ao longo do arroio,
a proa rasgando o
asfalto, temente apenas
a radares e outros
roedores,
meus olhos se despregam
do fluxo apático
e, de repente,
descobrem, ao fundo,
formações efêmeras
de algodão e
reboco, vapor e
cimento – o assim
chamado «horizonte» –
morrendo em rosa e
cinzento;
poderia ser o fim do mundo,
mas aqueles óculos
mudaram a percepção
de tudo, e ela pôde,
ao meu lado, mesmo
assustada, sorrir,
embora sua fala,
no rapto do instante,
cessasse abrupta, à espera
de alguém – tigre ou
anjo – que, munido
de ferramentas apropriadas,
nos arrancasse
do cerrado cipoal
das ferragens;
poderia ser o fim
do mundo, mas,
hóspede perpétuo
da mais ímpia
masmorra
(onde o chão
morde o teto)
do palácio
gasoso
das lembranças,
fantasio-me liberto,
preso apenas a
um que outro
relâmpago: o prego,
áspero de cimento,
cravado no pé esquerdo;
o primeiro golpe
da adaga (a vítima
sobre a pia,
ao lado de uma
privada); o lustre
de inúteis tentáculos
rebentando no ventre
da sala; tua última
palavra.
Porto Alegre, 31 dezembro 2002
Manhã carvão, manhã
carnívora:
medo
que a sombra
morda, olhos
abstratos
por sobre o ombro
esquerdo
[Os três poemas integram o livro inédito Aleijão. «Jogo» foi publicado na revista eletrônica Trópico; «Vapor e cimento», na Cacto n. 2. «Manhã carvão» é apresentado aqui pela primeira vez.]
bio/biblio
Nasci em Porto Alegre, em 1973; desde 2001, moro em São Paulo. Meu primeiro (e até hoje único) livro de poesia – Prosa – saiu em 2001. Organizei um livro de ensaios sobre Augusto de Campos, Do céu do futuro, que saiu este ano pela editora Marco. Escrevi também uma dissertação de mestrado sobre Murilo Mendes e uma tese de doutorado sobre Dante e a origem da lírica moderna.
poética
A imagem certamente não é minha (mas, como não sei de quem é, fica sendo minha): escrever poesia, hoje, me parece semelhante a arremessar dardos contra um alvo inexistente, o qual, no entanto, vai começando a existir à medida que os dardos o alcançam. O poema, então, aparece como algo paradoxal, inexistente-existente, perfurado/ferido.
3 comments:
Belo!
Gostei especialmente da argamassa onírica desse teu "Vapor e Cimento". Poesia que me interessa -e não é só por gosto (muito do que gosto não me interessa, e vice-versa). Quando vem o livro? Abraço, Leo M.
Eduardo: "soube" de você, primeira vez, por João Alexandre ainda; e me dizia que você era promessa se cumprindo. E agora, tendo que mediar a mesa no Itaú, semana que vem, o que devo dizer de você? fico fascinado por alguns versos seus, meu poeta-dobraça entre a boa sombra da tradição e a invenção desabusada.E seus versos me satisfazem mais que me surpreendem. Abração fraterno. Lourival Holanda.
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