Saturday, December 22, 2007


MÔNICA DE AQUINO



mencionada por:Sérgio Alcides
Lígia Dabul
Ana Elisa Ribeiro

menciona a:
Flávia Rocha
Micheliny Verunsck
Adriano Menezes
Valéria Tarelho
Leonardo Martinelli


poemas:

Ser mínima.

Cortar cabelo
unha pele
mas sem o cálculo da cutícula.

Despir-me de tudo
o que não dói.

Ultrapassar toda a carne
e roer osso –
canina –
roer o rabo.

Roer, ainda,
os próprios dentes
agudos
rentes







A noite
liberta sombras
e seu passeio invisível.

Estrelas adormecidas
cintilam um desfile
lasso.

A lua
irônica ri
com seu escalpo roubado.

A noite é dela
o céu é dela
sua luz falsa
brilha
e arde.








A um átimo
do amo-te
temo-te.

A um istmo
do íntimo
mente.

De cor, somente
o silêncio
(continente).

E a linguagem,
cortejo
(périplo).

Mas o amor:
arquipélago.






Mônica de Aquino nasceu em Belo Horizonte, em 1979.
Sístole, seu primeiro livro, foi lançado em junho de 2005 pela editora carioca Bem-te-vi, e faz parte da coleção Canto do Bem-te-vi. No mesmo ano, foi convidada para integrar a antologia O Achamento de Portugal, organizada pelo poeta Wilmar Silva e publicada pela Anome em parceria com a Fundação Camões. Participou, também, da antologia catalã Panamericana, poetas americanas nascidas a partir de 1976, organizada pelo poeta espanhol Joan Navarro e publicada na revista eletrônica sèrieAlfa em 2006.
Já teve poemas publicados em páginas eletrônicas do Brasil e do exterior e em periódicos como o Suplemento Literário de Minas Gerais e a revista Poesia Sempre, da Biblioteca Nacional.
Mônica de Aquino participou de vários eventos apresentando seus poemas, dentre eles o Terças Poéticas, realizado pela Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais, a Primavera dos Livros em São Paulo e a Feira do Livro de Porto Alegre.




Poética

A poesia nasce de um olhar inaugural que se adensa e pulsa na linguagem. É o processo alquímico de comunhão com os nossos espantos. Este encantamento é tecido por ritmos e imagens, por metáforas que revelam e transformam as experiências, metamorfoseando os sentidos, que trocam de pele ao desvelar sua natureza primitiva e múltipla.
Cito Octavio Paz, retomando uma frase de Valéry: “Em algum lugar Valéry disse que o poema é o desenvolvimento de uma exclamação. Entre desenvolvimento e exclamação há uma tensão contraditória; eu acrescentaria que essa tensão é o poema”.

Saturday, December 15, 2007

FLÁVIA NASCIMENTO FALLEIROS



mencionada por:Marcos Siscar

menciona a:Marcos Siscar
Marília Garcia
Carlito Azevedo



poemas:



BREVE POÉTICA

Todo e qualquer know how poético é absolutamente intransferível. Captar realidades dormentes, mas em conformidade com as reverberações que emanam de um abismo indescritível – ponto em que nos sabemos ser a confluência de pelo menos dois: um Eu mais Outro. Estes não raro se caleidoscopizam no momento poema. Não há momentos poéticos. Há poemas e há momentos que os são. A matéria infinita concentra-se sobretudo no amargor de um cadinho que destila quase todo o terror do mundo: solidão suprema, conselho do silêncio. Quem todo este terror ama – amargo poema solidão caleidoscópica poesia – tem também medos, mas outros. Assemelham-se à sensação que todos temos de querer eternizar certos instantes e nos sabermos impotentes. Assemelham-se ao desejo de fazer com que a pequena morte não tenha mais duração, que rompa o tempo permanecendo enfim, suprimindo a noção duração. Medo de morte porque a única coisa que se sabe eterna é a própria. Morte dos corpos, morte dos poemas, morte das cidades, morte das canções: a morte é eterna, portal supremo, por tal razão é que se a quer quem quer poemas, quem quer de breves fazer infinitos, quem quer olhos retesados diante de quadros tão efêmeros e os tem e os fixa brevemente na eternidade para depois nela morrer.








ENGARRAFAMENTO
Com nós na garganta vejo a fila desses carros parados, antigos amigos me ligam, cobram poemas e sonhos, mal sabem que velhas canções cafonas soam no meu FM. Com o tempo fui ficando piegas. Eles me contam antigos amores, antigas cantilenas, antigos amores. O órgão coração me dói. Velhas cidades me sufocam, não avisto a linha do horizonte como na América do sul, as novas, de lá, jamais permaneceriam em mim. Resta um jorro incrédulo através de minhas pupilas vítreas, por sobre a cidade, cemitério ancião contemporâneo.











POEMA DÚBIO


Misturar latim com futebol – eis onde reside a verdadeira dificuldade. Misturar dúvidas com dívidas, metafísica com baby-beefs Rubayat – eis aí o meu calcanhar de Aquiles. Viver neste mundo como vivo e viver em outro mundo o meu espírito onde a matéria mais etérea impera. Eu aqui – eu e meu outro lobo. Metafísica com futebol, latim com dívidas, dúvidas com beefs. Nesta tempestuosa noite oceânica o único farol de sentinela é o brilho dos olhos do lobo indomável – este habitante da planície Alma que traga os ventos que sopram os mares que trazem as chuvas que fecundam as terras em que germinam as sementes feitas plantas enquanto os homens matam sua sede de homosapienscianimalidade. No princípio era o Caos, inaudível desordem que cedeu lugar à afinação dos instrumentos cósmicos: os decibéis fizeram-se ouvir, os decibéis da orquestra humana aumentaram desencadeando explosões genocidas. Depois um fechar de olhos. Silêncio. Afinal, funde-se tudo no todo do abismo mais profundo – o abismo que eu perscruto enquanto navego neste oceano que existir é.





POEMETO

Sonetos de Camões às voltas com seus fogos, artifícios de amar às soltas. Do corpo sai dirigida a energia perdida que se extravia na chuva noctívaga incorrigível a secar as chamas que não se vêem, a sepultar extensamente a distância que ilha cada um. Não se vêem tais labaredas. Somente ilhéus. Rochedos. Cadeiras vazias.


(Publicados na Revista Inimigo Rumor n° 17, RJ/Portugal. 2005.)





Dados biográficos:

Flávia Nascimento Falleiros é pesquisadora em Ciências da literatura, e publicou vários ensaios sobre as literaturas francesa, portuguesa e brasileira. Também é tradutora literária. Publicou ainda poemas e prosas nas revistas: Inimigo Rumor (n° 17), Germina, Escritoras Suicidas e Cronópios (essas três últimas, eletrônicas). É doutora em Literatura francesa pela Universidade de Paris X (defendeu uma tese de doutorado sobre o mito literário de Paris: Paris dans la littérature française des années vingt. Contribution à l’histoire de la représentation, Lille, ANRT, 1998, 483 p.). Prepara atualmente um ensaio sobre o escritor francês Julien Gracq.






Uma possível poética:


Tentativa (muito pessoal) de um caminho do meio : entre os atos do intelecto e o suposto encanto arcaico, misterioso e oculto da língua.
Não serve pra nada. E nem acho que deva.





Friday, December 07, 2007

ANGELA MELIM



mencionada por:Laura Erber
Adolfo Montejo Navas
Italo Moriconi

menciona a:Elisabeth Veiga
Leonardo Fróes
Cecília Meireles
Manuel Bandeira
Carlos Drummond
João Cabral






Três poemas:


FLORES
Colho olhos fixos
de novo
boca seca
aberta
- o não completo me suspende
entre parênteses invisíveis e impotentes
no ar parado -
de passeio neste campo imperceptível
minado
que a pasma semântica do absurdo
colore de avesso e espanto,
flores que explodem ao contrário.

1999



CLOWNS
Será triste a passagem
para a Terra Sem Sentimentos
do capital total.
Um por um
pelo desfiladeiro
como os mocinhos do cinema.
Fardos, jegues.
Camelos?
Também, vindos de outros filmes.
Turbantes, sarongues, sáris.
Irmão, primo.
Pai.
Até mãe pelo despenhadeiro.
Nada sobrará.
Amor, sorriso.
Pedra sobre pedra.
Só frieza e névoa.
Não, não será triste.
É Sem Sentimentos a Terra
do capital fatal.
Ovelha irreal
simulacro de gemido
inteligência transgênica.
Clowns, clones - será gente
o que desce da garganta
do outro lado da montanha
da transmutação global?

15 de setembro de 2000






Meu pai nos abandonou.
Minha mãe casou e mudou.
Vovó morreu.
Os irmãos sumiram no mundo
ou submundo.
Sem explicação
Yvonne nunca mais falou comigo
e, para Ronaldo,
sou fantasma do passado.
Vejo meus filhos já voando.
Nem um pássaro na mão.

2 de outubro de 2000


Do livro Possibilidades, Rio de Janeiro, agosto de 2006






Biobibliografia
Angela Melim nasceu em Porto Alegre em 1952 e mora no Rio de Janeiro, onde é escritora e trabalha como redatora, tradutora e intérprete de conferências. Publicou diversos livros, tendo sido premiada pela Fundação Vitae e UBE – União Brasileira de Escritores. Escreveu para diversas revistas e jornais, tomou parte em debates, programas de TV, filmes e mesas redondas sobre poesia e literatura. Coordenou núcleos de Cultura para o Partido dos Trabalhadores, participou dos sindicatos dos Tradutores e Escritores, da UBE e da CUT (Central Única dos Trabalhadores).

Livros publicados:
- O vidro o nome (1974) poemas
- Das tripas coração (1978) poemas
- As mulheres gostam muito (1979) prosa poética
- Vale o escrito (1981) poemas
- Os caminhos do Conhecer (1981) poemas
- O outro retrato (1982) prosa poética – manuscrito circulante
- Poemas (1987)
- Mais dia menos dia (1996) obra reunida
- Possibilidades (2006) poemas

Inéditos:- Ainda ontem - contos, Prêmio Eneida da UBE-RJ, 1991
- O personagem - em elaboração (Bolsa Vitae, 2005)
- O elefante triste infantil (no prelo)
- O pinheirinho de Natal infantil (no prelo)
- Monstrinho infantil (no prelo)
- Aniversário infantil (no prelo)







Uma poética


COISAS ASSIM PARDAS

Para Eduardo


Canário-da-terra, marreco, chinfrim
coisas assim, nomes – Rita
coisas assim pardas, mestiças
de pequeno porte
coisas de fibra
embora os jeitos desvalidos
coisas pardas vivas
pulsantes
um poema assim.


Do livro Das tripas coração, Florianópolis, 1978

GUILHERME ZARVOS



mencionado por:Michel Melamed
Italo Moriconi
Camila do Valle

menciona a:Ericson Pires
Flávio Amoreira
Márcio-André
Botika
Laurent Gabriel
Rod Bitto



poemas:




Verde
Se eu morrer amanhã que se salve a poesia ou que me salve a poesia e não estarei morto amanhã. Minha voz e as letras - como é preciso o encaixe das palavras – que dão sentido e, na busca, o encontro do que é estético ético do que é sintonia. Não vaguei neste mundo besta à toa, se bem que é bom vadiar. Vadiei. Se na volta da mesa toalha de cânhamo e vaso deixei vagar pensamentos e cheiro e sabor: como gosto de você. E procurei ajudar outros vadios, em precisão maior que a minha, pois há retorno na camaradagem. Sou de um grupo de semente vândala, de esparramante coração. Assumido vagabundo. Sinto falta de você. E lá se vão anos e gente de todas as vidas. Vi venderem a peso de ouro copeques sem valor. Fui passado para trás com um sorriso vago. Era vantagem. Vendo o sorriso vago de quem vendia. Não sou vítima. E cada disso com sentido: eu amo ser humano que se aventura...contudo vem agora canseira do vago, ventrílocos, vociferação. Já sinto sono no meio da volta. Este teatro eu vi ontem. E não que valha apenas o versado. Mas vai chegando a velhice e devagar cedo ao vigor do vento. Continuo amando o que é verde...ver-te vou indo ver.








Henrique
Ele era branco. A camada de tinta
sobre a tela. A primeira segunda cama-
das de tinta brancas sobre a tela. intacta.
Ele era branco. O rosto pretensiosamente
masculino. Francês pernas finas com mús-
culos de corrida. O short e a camisa brancos.
Olhei me olhou. Tantas vezes. O número
que supera desculpe-me, ou você está me
olhando porquê. Ele era francês perdido no
vagão do metrô. Eu sou do Rio. Cada um
media a liberdade e o espaço. Foram poucas
palavras. Não era de palavras. Sem retórica. Eu
não falo francês. Seu olhar pretensioso aborrecia-me.
O corpo muito belo. Quase todos os machos sabem
que os rapazes atraem certos homens. Poucos
são inocentes. As mães nunca são inocentes. Os
pais raramente são inocentes. Os adultos poucas
vezes não sabem que rapazes atraem muitos
homens. Isso é repugnante! Os homens riem dos
homens que deixam transparecer atração por rapazes.
O francês era belo. O buço do francês era belo.
Os poucos pelos da coxa do francês de pernas finas
e musculosas eram belos. Ele me olhava. Olhava para ele.



Deitou na minha cama sem palavras. Seu
corpo era magro e musculoso. Entumecido o
membro era pequeno. aparentava fragilidade. En-
volto em pelos finos como seu cabelo seus ombros
seus músculos. Branco foi a imagem que
restou. O ventre branco espargido de esperma
que escorria ou gotejava aqui acolá - o quadro
final: o silêncio do branco e o cheiro de homem
que enjoa ou agrada a muitos homens - quadro
insólito. O francês vestiu a camiseta e o calção
brancos e apertou minha mão. Saiu em silêncio e
o cheiro que impregnava foi pela janela. Como são
brancas as nuvens!











Brasília

Voando ver sobre as asas de
Lúcio seguindo sua coluna vertebral
Tocando teclas nódulos e assistindo
Para além das asas as irmãs Guará e
Tabatinga. Vô vi vi Brasília brincando
De amar. Há tantos: o lutador gentil como
Um pequeno urso acariciado pela mãe
Protegendo e protegido seu amigo
Parelha o desavergonhado Fashion
Vô vi ver Fashion a estátua do belo
Magérrimo levantando seu braço
Raio Flach Gordon apontando estrela
E seu corpo manequim e seu braço
Manequim e seu dedo manequim
Esticando-se pois mais que estrelas
Apontava o limite do corpo heróico
Já que alguém o afrontava e seu corpo
Impinado desafiava como a solidez
De obra do Oscar ou de uma pena de
Ema todos seres do cerrado
Vô e na sala de aula modernosa USP
Ou PUC tanto faz fala-se do
Moderno Autoritário de Brasília
Vô a Brasília de Jucelino de Oscar
De Lúcio e de Darcy vô pelas Super
Quadras no entardecer de um inverno
E me sento com o Denílson na UNB e
O pequeno urso o inseparável Faschion
E seus mais sete ou nove amigoas
Que andam soltos flor do cerrado
Porém não tão soltos que possam soltar o
Celular de cada progenitora e vejo a igreja e
Vejo os santos e os vitrais, tudo flutua e
Sigo para outro caminho
Da procura que o dedo determina.




bio / biblio:
Guilherme Zarvos nasceu em São Paulo em 1957 e vive desde os dois anos no Rio de Janeiro. Formou-se em Economia PUC-1980, fez mestrado em Ciências Sociais IFCS-UFRJ -1989 e é doutorando em Letra, PUC-RJ. De 83-87 trabalhou com Darcy Ribeiro no Programa Especial de Educação. Foi viajante mochileiro por dezenas de países.

Em 1990, fundou com outros poetas o CEP 20.000 – Centro de Experimentação Poética do Rio de Janeiro, sendo ainda hoje, 2007, um dos organizadores.

Escritor, professor, editor, diretor de teatro e participante de grupos de poesia falada, produtor cultural, publicou seis livros, de 1990 até agora, passando pela poesia e prosa. Zombar, 2004, é seu livro mais novo.




poetica:

Poesia- Mais do que gênero a forma de ver e ouvir e a história e a descoberta e o deixar chegar.Unté, Já vou let ar.


Saturday, December 01, 2007

ADALBERTO MÜLLER



mencionado por:Ricardo Pedrosa Alves
Marcos Siscar

menciona a:(5 bons poetas que não achei na lista)
Fernando Paixão
Maria Lúcia dal Farra
Mário Domingues
Ricardo S. Carvalho
Carlos Loria



poemas:



ENQUANTO VELO TEU SONO



Perception of an object costs
Precise de object’s loss.
Emily Dickinson


I
No silêncio da noite
em vigília de insônia
velo teu corpo
e o admiro
como ao copo translúcido
ao lado de tua cabeça.


II
Teu corpo deitado na cama
tem a mesma inquietude do copo,
a inquietude da água desse copo
pronta a derramar-se
como teus cabelos sobre o lençol;
a mesma inquietude
pela sede que evoca.


III
Um copo translúcido e calmo
que perturba o cristalino.
Um corpo de água
todo espraiado
entre os lençóis de água
de que é feito o branco da cama
a derramar em dobras dentro
dos limites do leito.




IV
Um corpo cheio até a boca
entre lençóis de água.


V
A cama
toda se alagando
entra por meus olhos cheios
do líquido que derramam
teus cabelos.








O VINHO DE LETHES




Pousa uma vez mais
em tuas mãos


a taça


é tempo, é tempo
de beber
o vinho do esquecimento


recolhe as rosas
murchas no vaso
e as pétalas
que amarelam sobre a toalha de renda
solta os cavalos
no carrossel da memória.


é tempo, é tempo
de lançar ao mar
as cinzas
de estancar com lenço
da seda mais alva
as primeiras gotas da tempestade.












NAVEGAÇÃO


Bombordo
aroma
de rosas
azuis


Estibordo
o corpo
suspira
espiral


Acima
o lume
do teu olho
em mar escuro
o leme
do teu olho


astro-
lábios.
















Trecho de uma resposta a uma enquete da Revista Eletrônica Zunái (É possível conciliar experimentação formal e lirismo na criação poética?)

...Mas felizmente tivemos também um Manuel Bandeira, em cuja poesia o lirismo ressurge no que ele tem de primordial, de grego, mesmo: a associação entre o canto e o mundo dos afetos. Não nos esqueçamos que a origem do lirismo é grega, e tem a ver com o fato de Orfeu ter feito uma lira com suas tripas, para resgatar sua amada Eurídice do inferno. Estamos marcados por esse gesto, ainda que seja um mito. É verdade, porém, que, entre os jovens poetas, os temas tipicamente líricos não estejam muito na ordem do dia. Aos jovens poetas, interessa mais a anotação das sensações, mais que dos sentimentos. E mesmo os sentimentos, no mundo pós-moderno, se modificaram, sobretudo com a diversificação sexual. De minha parte, acredito que lidar com temas líricos como o amor (e suas adjacências), não significa abrir mão da experimentação. Meu mentor, nesse caso, é o poeta que, a meu ver, melhor soube conciliar os temas clássicos do lirismo com a experimentação estética mais ousada da poesia moderna: E.E.Cummings. Gosto de escrever sobre temas que deveriam ser expressos em elegias, odes ou epitalâmios, mas submentendo-os a uma nova configuração verbal e gráfica. Em suma, acredito que os grandes temas líricos, na mesmo medida em que ganham novas formas de expressão, vão também influenciando a formação de novas experiências e experimentações. Pois o amor, que é a base e o fundamento do gesto órfico da poesia, não é uma experimentação – e o que é mais – estética?




Adalberto Müller nasceu em Ponta Porã (MT/MS) em 1966. Publicou Ex Officio (Paris, 1995) e Enquanto velo teu sono (7 Letras, 2003), além de traduções de Francis Ponge (O partido das coisas – Iluminuras – A mimosa – Ed. UnB), Paul Celan (revistas Zunái, Oroboro)e de E.E.cummings (O Tigre de Veludo - Editora UnB, coleção Poetas do Mundo). Organizou o livro de ensaios de Benedito Nunes João Cabral: A máquina do poema (Ed. da UnB, 2007). Organizou e coordenou, com Graça Ramos, o Festival de Poesia de Goyaz, em 2006. É professor de literatura e cinema na UnB, e dirigiu (com Ricardo Carvalho) o curta-metragem (35mm) Wenceslau e a árvore do gramofone, baseado em textos de Manoel de Barros (em finalização).

blog: www.cordeldigital.blogspot.com