Wednesday, August 30, 2006

CARLITO AZEVEDO



mencionado por:
Eucanaã Ferraz
Manoel Ricardo de Lima

Fabiano Calixto
Marília Garcia

Heitor Ferraz
Eduardo Jorge
Walter Gam
Simone Brantes
Caetano Gotardo
Francisco Alvim

Kleber Mantovani
Felipe Nepomuceno
Mavi Massei
Masé Lemos
Flávia Nascimento Falleiros


menciona a:
(Só vou citar quem ainda não foi citado ou foi citado e ainda
não mandou poemas... pra ver se eles se animam...)

Marcos Siscar
Walter Gam
Daniela Storto
Arnaldo Antunes
Simone Brantes
Julianna Krapp
Marília Garcia
Angélica Freitas
Francisco Alvim
Augusto Massi
Aníbal Cristobo
Régis Bonvicino
Heitor Ferraz
Zuca Sardan
Fabiano Calixto
Felipe Nepomuceno





poemas:




POR TRÁS DOS ÓCULOS ABAULADOS
P/ Walter Gam


....E acordei me debatendo no carpete
do hotel miserabilizado
ao som do mantra televisivo, convulsionado.

Um gole de café ajudou a dissipar
a aura ferruginosa do pesadelo.

Era isso o que eu sempre quis dizer
quando falei em fundo do coração.

Toda a noite me obcecaram em sonho
aqueles peixes fluorescentes: fluxo cínico que eu acompanhava
da janelinha do avião; ou que justamente
me seguia? assustadoramente
me seguia?

Contra tal gratuidade e incompletude, qual antídoto?

O sorriso do efebo, talvez, retirando dos jeans surrados
fotografias de afeto e destruição,
todo ele, aliás, afeto e destruição, como
me escreveu depois
num guardanapo de papel
com encantadores desenhinhos?

Uns olhos que faziam tudo valer a pena? Os da
garota-esquimó, fã de Darwin, a quem
eu desejaria dedicar um poema chamado
"Galápagos" por ter dito
que eu agora tinha um lugar
para dormir.

A busca de meu próprio rosto no alfabeto
azul-ozônio que subia, livre, tatuado,
braço acima e céu acima, até a praia de flamingos
de um colo nu, órbita de
miçangas lunares, sublunares.

Não há resposta, camponês, nunca houve
em céu algum, vida alguma, isso de respostas
na veemência de uns espelhos.

E assim, enquanto avançavam as horas no Relógio de Júlio de Abreu
e ficavam para trás todos os sorrisos ("e esquilos brincavam
nesses sorrisos como se sobre ramas", sussurrava
uma voz volátil),
dentro do táxi,
no fundo do coração, disparado,
seguia comigo
o rosto de Marília.


(Do livro inédito: Margens)


***********


MARGENS

1
Nem procurar, nem achar: só perder.
Como o tremulante cachecol florido de Andi
a flutuar no céu por alguns segundos
antes de desaparecer completamente na
noite escura da Marina da Glória, onde,
por causa da névoa, os barcos ancorados,
com nomes como Estrela-Guia e Celacanto,
também pareciam querer fugir de si mesmos.

2
"De modo que a lanterna deste aqui por um instante
deixa de brilhar para como que reaparecer mais adiante,
mais fulgurante, na popa daquele outro
ali. Olhe ao redor, estamos no Rio de Janeiro
ou fomos lançados na paisagem complexa
de um conto tradicional chinês?"

3
(O cachecol, ainda)
Ele rodopiou
no ar e desenhou com uma das extremidades
vários círculos dourados, uma espécie de hélice.
Parecia seguir para o mar, mas uma lufada o
lançou para o outro lado: uma seta acesa e
maleável sobre o canteiro de gerânios, na
direção das pistas de alta velocidade
do Aterro do Flamengo. Batemos uma foto
e prometemos voltar amanhã. Não à Marina,
mas ao Museu de Arte Moderna, e ver a
"Biblioteca sem nome", o Monumento
do Holocausto da Judenplatz,
de Rachel Whiteread.

4
Por isso esse poema não começa com um menino,
com um menino cantor sobre uma barca,
com uma barca cortando a água e o nevoeiro,
com um nevoeiro adensado por árias do folclore polonês
e refrões militares prussianos na voz de uma menino cantor.

5
"Quando chegamos ao nosso acampamento,
comemos alguma coisa, e nossas garotas logo
foram se deitar. Nós ainda nos demoramos um pouco
vendo tevê, fumando, e pela janela não cessávamos
de ver o fantástico fundo de chamas
de todas as cores imagináveis:
vermelho, amarelo, verde, violeta,
e de repente..."

6
Vai ficar mais difícil estacionar carros
aqui na Judenplatz e não é um monumento bonito
e eu teria preferido que tivessem por fim se decidido
a utilizar aquela solução anti-spray pois ninguém também
vai gostar de ver suásticas pintadas sobre ele, eu não
gosto dele, mas já que está aí eu e ninguém vai
querer ver suásticas pintadas sobre ele.

7
"Ele me pergunta se minha garota já foi casada
e eu: 'Não. Mas esteve muito apaixonada antes.
Aquele que ela amava foi ferido, gravemente,
seus órgãos saíam-lhe do corpo. Ela os
recolocou com suas próprias mãos, levou-o
para o hospital. Ele morreu. Puseram-no na
vala comum, ela o exumou, deu-lhe uma
sepultura.' Para ele, este simples
episódio é o cúmulo da virtude."

8
"Ele me perguntou: 'e se ela começa a gritar
muito alto você usa as mãos para cobrir
sua boca ou deixa que ela grite o quanto
tiver para gritar?' Depois ele me perguntou:
'E o que ela faz da vida?', e eu: 'Trabalha numa
editora alpina'. E ele: 'Ah, sim?', e eu: 'Sim, sim.
Ela escreveu e publicou guias de montanha. Ela
editou uma revista alpina."

9
Rachel Whiteread
(ao ver seu monumento
finalmente inaugurado):
- Foram cinco anos de inferno.

10
Estou falando de dias ensolarados,
estou falando de dias escuros, quer dizer,
estou falando de flores, sim, de lombadas
de livros, portanto de douraduras, isso quer
dizer, de crianças brincando e nadando na água
da inundação, de queimar as cartas do escritor famoso,
da fumaça subindo e deixando aquela mancha
no teto, eu não estou falando das colinas de Berkeley
mas dos entregadores de pizza porto-riquenhos de
Berkeley, dos entregadores de pizza húngaros de
Santiago, dir-se-iam livros que não se abrem, de
portas que não se abrem, de sonhos que não,
de um pesadelo recorrente, de uma resina,
um cavalo correndo, não são livros de areia.

11
Con frecuencia, en artículos publicados en la prensa o
en los mismos intercambios de la calle, los vienenses cuestionaban tanto la "oportunidad" como la misma "necesidad" de recordar el Holocausto. Tras el estudio de los distintos proyectos, el jurado seleccionó la propuesta de la joven escultora británica Rachel Whiteread. En el camino quedaban múltiples obstáculos: desde la insistente oposición de la ultraderecha (ahora sumada a la coalición gobernante), hasta las mismas organizaciones de sobrevivientes (insatisfechos con el diseño de Whiteread por su contenido excesivamente "abstracto"). Ellos argumentaban que las víctimas del extermínio "no murieron en abstracto".

12
(epílogo, à maneira do teatro de Gertrude Stein)

Dir-se-iam pétalas.
Aquelas?
Estas.
Antes profusão.
Dir-se-iam montes de merda.
Dir-se-iam céus.
Camuflagens.
O que é a Legião Condor?
Dir-se-ia fixo? fúcsia?
Dir-se-ia farpado?
Figuração.
Troncos.
Cepos.
Minas terrestres
(mas aqui, aos teus pés,
crescem agora essas
florezinhas azuis e roxas).
Dir-se-iam maiúsculas.
Toda a tarde?
Entre lobo e cão.
Dir-se-iam pescadores.
Nada assemelha.
Um chamado à ordem,
e no entanto trovões.
Hematomas no lago,
dir-se-ia entrever.
Dir-se-ia chuva de ouro?
Eram vagões?
Ali, hipoglicêmico.


(Do livro inédito: Margens)
*********


DRUMMOND

Sabe que nada mais agora
poderá mover sua poesia.

Cruza a avenida Rio Branco, o aterro,
a enseada, o túnel do Pasmado

(do mundo caduco, é a parte
que mais lhe agrada).

Nem o vestido de flores da
filha do tipógrafo, nem os

pássaros de fogo que dele
partiam de vez em quando

(tudo perdido num antigo
crepúsculo itabirano).

Nem aquela vez,
quando pensou ouvir

o rumor do mundo percutindo
as paredes do Outeiro

(havia um melro no alto
do muro de cantaria negra).

Cerra as mãos como quem porta
um segredo, e ainda que ninguém

perceba, sente que sua revolução
está ocorrendo neste exato instante.

Se apenas uma dessas indecifráveis
palmeiras pousasse o rosto no peito

do aviador cansado, ouviria
as bombas da ilusão de

auto-suficiência e as bombas
da ilusão de unidade absoluta

com a natureza reduzindo a
pó a ilha mínima do eu.

Mas ele mesmo só pode ouvir os
ônibus lotados que passam rumo à

periferia, soltando no ar
grossos rolos de fumaça negra,

ou as mãos de quem costura
vestidos de flores baratos.

Revoluções e filhos são mais
incontroláveis do que poéticos:

eis a quinta-essência do
aprendizado? Maria Julieta está morta.

Cruza o túnel do Pasmado, e mais outro.
Tudo somado, talvez esteja recitando:

"A Avenida Atlântica situa essas
coisas numa palidez de galáxias".


(Do livro inédito: Margens)


















bio/biblio
CARLITO AZEVEDO nasceu no dia 4 de julho de 1961, no Rio de Janeiro, onde ainda vive. Publicou os livros: Collapsus Linguae (1991), As Banhistas (1993), Sob a Noite Física (1996), Versos de Circunstância (2001) e Sublunar (2001). É editor da revista de poesia Inimigo Rumor desde 1997.



POÉTICA: em transformação, espero.

10 comments:

Anonymous said...

you rock.

Anonymous said...

carlito, tu poesía es hermosa, fantástica, un colibrí ex-librista, tu libro en la argentina (tes-tse)sublunar me enamoró, estoy aprendiendo a leer los publicados aquì, voce e animal do poesia!

Anonymous said...

carlito, legal você ter deixado a gente ver as novas margens. o que você escreve já é clássico de nascença! vamos nos encontrar, sim, esta semana, na casa rui. abraço, marcos.

Anonymous said...

Carlito
Un placer enorme leer tus poemas. Como el comentario anterior, la lectura de Sublunar fue reveladora.Grande admiración. Juan

Salga Canhotinha de Ouro said...

Carlito, vc mora na antologia do meu peito - 15 anos faz! Margens: cobra- prima. Seu amigo, L.M.

Anonymous said...

"Apresentam-nos a linguagem dos primeiros homens como línguas de geômetras e verificamos que são línguas de poetas (...). Não se começou raciocinando, mas sentindo". (Rousseau,1973: 169)

Ciber-homem, que poesia - fina.
tenebroso hombre que leio faz tempo. anacronico que sou, nunca postei nada, mas hoje simples e tal, aqui das paragens selvagens de cuiaba, ergo um totem a voce. valeu.
afonso alves

Ana Silva said...

surrealismo derretendo em imagens e cores. simbolos atravessando as esquinas vertiginosas de suas linhas.

luiz renato said...

oCarlito, velho camarada. Que bom que o mundo virtual aproxima as pessoas, um abraço com o selo sebo-lero...rsrsrsrsrs Luiz Renato

José Antônio Cavalcanti said...

Carlito,
muito bom ver o teu trabalho. Parece que o teu olhar anda dedilhando novos ângulos, um passo além do panteão, nas bordas, no porão, no que sobra dos gestos mínimos. Gostei do Margens, não por raiz de nostálgica poética marginália, mas por funda antipatia ao repasto do centro, a hierarquia apodrecendo poemas.
Parabéns por manter a poesia livre da necessidade de adjetivação.
Um abraço,
José Antônio

Pati said...

Conheci o Carlito por causa desse blog, gostei dele.
Até postei alguns no meu blog.

;D