Desenho de Maria da Paz (1997)
mencionado porTarso de Melo
Zuca Sardan
Francisco Alvim
Ricardo Pires de Souza
menciona a
(só mulheres)
Mônica de Aquino
Zoe de Camaris
Maria do Carmo Ferreira
Lígia DabulPaula Glenadel
Maria Rita Kehl
Vivian KogutLu Menezes
Cláudia Roquette-Pinto
Alice Ruiz
poemas
Jazem
A vida é só um episódio na história dos ossos.
Leve pomada de sentidos que passou sem alívio
e sem deixar outro vestígio além do seu branco,
desarticulado e perpétuo esqueleto de ausência.
Chance de abraço, risco de fratura, frêmito e presságio
são coisas do passado. Isentos de musculatura e desejo
– sem o vazio do sexo que ardentemente umedece,
nem do outro a dureza de sangue que não se contém –
eles caíram onde agora jazem, e estão lembrando.
Lembrando e cuidando desanimados de si.
[da suíte “Ossada”, publicada em www.erratica.com.br]
Toada
Escovar os dentes, escovar atrás
e na frente, escovar bem.
Estranho! Quando comecei
não tinha notado Tiranossaurus Rex.
Tudo era um cubo de azulejos. O sonho ainda
embaçava o espelho, e eu vivia onívoro, variado.
Só me reconheci quando ouvi a troada de Rex.
[de O ar das cidades]
Cavaleiro
No lado escuro mora
o esqueleto de São Jorge
com seu cavalo manco
com seu cajado branco
sem espada
olhar vazado de
nada
solidão/dragão
no lado esquerdo pulsa
a falta
o santo.
[de Nada a ver com a Lua]
bio/biblio
Sérgio Alcides nasceu no Rio de Janeiro em 1967, e está radicado em São Paulo desde 1998. É autor de Nada a ver com a Lua. Poemas 1989-1996 (Rio: Sette Letras, 1996), O ar das cidades. Poemas 1996-2000 (São Paulo: Nankin, 2000) e Estes penhascos. Cláudio Manuel da Costa e a paisagem das Minas (São Paulo: Hucitec, 2003). Organizou e prefaciou uma edição de Eu e outras poesias, de Augusto dos Anjos (São Paulo: Ática, 2005). Traduziu, de Ted Hughes, O que é a verdade? Poemas de bichos (São Paulo: Companhia das Letras, 2005), e O caçador de sonhos e outros contos da criação (São Paulo: Companhia das Letras, 2003).
Sobre um poema
Um poema age sobre a linguagem. Não é “da linguagem” senão neste sentido. Talvez ele não saiba (porque não precisa saber, e é bom que voe meio cego), mas sua missão é conturbar a linguagem, atrapalhar a verticalidade dela, obrigá-la a se lembrar de si, aquecê-la com a nossa humanidade. Até queimá-la, se necessário.
Um poema fala ao mesmo tempo com o que refere e com o que fabrica. Para ele, dá no mesmo. Se não fabrica nada, não serve. Se não refere nada, serve para nos oprimir.
Mas o chamado de um poema acena com a liberdade. Ele é responsável por isso diante de cada um.
Quando não é escavação, um poema é relâmpago. Raramente ocorre de outro modo. Mas ocorre, porque o mais próprio dele é trocar de forma.
A matéria de um poema é pura proteína.
“Decerto, é uma matéria maravilhosamente vã, diversa e ondulante, o homem: é difícil nele fundar julgamento constante e uniforme”, escreveu Montaigne. Cito-o como argumento para provar que um poema não é desumano.
Um poema, lido, mancha do jeito que cair a mancha.
Um poema se dirige à linguagem porque nela transcorre a sua vida. Ele vai por ela a fim de viver. Isto significa um conflito, não uma sujeição.
Um poema está fingindo que é um poema. Como forma de o ser.
Do ponto de vista do poeta, um poema é sempre outro.
O chato de um poema é o poeta. É pena que só um poeta possa fazer um poema. Se um leitor se equivoca, e toma por um poema algo que não pretende sê-lo, isso pode até projetar o fantasma de um poema, como efeitos. Constatado o equívoco, o fantasma desvanece – e se instala um constrangimento ridículo. Um poeta não é nada, mas a poesia não desvanece. Um poema requer autoridade, e vai nisso mais mistério do que regra.
A prescrição repele. Um poema é, desde sempre, escrito contra o prescrito. Estão iludidos os que pensam que a “poética” já é poesia: nunca foi. Basta escrever um poema para violar a “poética”. Mesmo quando se quer “aplicá-la”.
Dizem que, de boas intenções, o inferno está cheio. De “intenções autorais”, mais ainda.
Um poema pode ser um bom poema ou não. Nem sempre um bom poema é mais poema do que um ruim. Mas, é claro: sempre o será melhor.
Quem vem dizer o que é um bom poema corre o risco de ajudar a produzir ainda mais poemas ruins.
A poesia tem horror aos caga-regras.
O maior dos inimigos de um poema é o controle. (Isto significa, entre outras coisas, que não é o poeta o maior dos inimigos de um poema).
Eros andou nas quebradas onde se escreveu um poema.
Um poema é livre. Um poeta, não. Poemas geralmente são melhores que poetas, e mais bravos.
Um poema resiste.
Amor e morte. O repertório de um poema é muito limitado. Ânsia, medo, alegria, sexo, nunca, linguagem, nada, perda, si próprio, tédio, celebração, essas coisas.
Aliás, um poema se lança às coisas. Compreende a realidade, o real: “relativo ao concreto”, de “res = coisa material, corpo, criatura” (eis todo o seu latim). Por isso, o que não caiba num poema não existe.
Contradições estalam crocantes na boca de um poema.
Ser errante, um poema não pode dizer nada a quem, de errar, não saiba nem deseje nada.
Um poema viaja, tem uma vida própria. Está desamarrado. É um objeto do desejo. Primeiro, porque sua existência testemunha um desejo – mesmo que este não pertença a ele e não seja da conta de ninguém. Segundo, porque toda a linguagem deseja através dele. Terceiro, porque ele deseja o seu destino de coisa a ler. Quarto, porque ele é desejado como poucas coisas neste mundo. É uma avidez.
4 comments:
Caro Sérgio Alcides,
- Que rara fecundidade possui
"Sobre um poema".
Lu Menezes
Achei o "Sobre um poema" bem trabalhado, mas um pouco sentencioso, antigo.
Leo Soares
Caro Sergio,
"Jazem" está sensacional.
Parabéns,
Vito S.
Caro Sérgio:
Sou escritor, jornalista e professor. Gostaria traduzir um poema seu para o jornal ABC Cultural de Madrí (Espanha).
Gostaria conttá-lo no seu e-mail.
O meu é: amauraba@gmail.com
Muito obrigado,
Antonio Maura
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