mencionado por:
Rosália Milsztajn
Rosália Milsztajn
Michel Melamed
menciona a:
Arnaldo Antunes
Adriano Espínola
Eliete Negreiros
Mário Newman
Aldo Medeiros
menciona a:
Arnaldo Antunes
Adriano Espínola
Eliete Negreiros
Mário Newman
Aldo Medeiros
Bráulio Tavares
poemas:
Tempo
Tragado por camadas do passado,
visitei em sonho espaços vividos
e estranhos lugares inventados,
que se misturaram num só sentido,
logo perdido, assim que achado.
Ao acordar, não distinguindo mais
o que vivera do que inventara,
fiquei imóvel olhando para trás,
entre a bijuteria e a jóia rara,
sabendo-as no fundo tão iguais.
O que, na verdade, estava em jogo
era o rumo tomado pela vida,
nos últimos anos o eterno fogo
do presente queimara a foto antiga,
apagando tanto o rei quanto o lobo.
Foi como se o passado gritasse
do fundo do poço pedindo luz,
para não ser só uma marca na face
mas parte da vida como os azuis
e no céu de verão se conservasse.
O que esse impasse me pedia agora?
Mais sabedoria, serenidade?
Que no poente eu lembrasse da aurora?
Na leveza, do peso da idade?
Da história acumulada numa hora?
Levantei e, pensando nisso tudo,
abri a janela: que dia lindo!
A claridade beijava o mundo,
a paisagem alongava-se sentindo
o tempo, meu tempo, respirei fundo.
Figo
Figura que se finge forte
mas é frágil céu mutante
anunciando tempestade.
Pele de diamante que se
abre em mel; aroma que
invade o dia e vinga até
o corte da noite, quando
o vermelho pardo seduz
a língua ao sabor. Antes,
o contato com as mãos
cria imagens de ternura
e fogo, de tecidos macios
ao crepúsculo vestindo
mortais, prontos para a
entrega de bálsamos e
cristais moventes, lentos
de prazer. Figo, tua forma
provei em sonho, a árvore
da vida na rua, personagens
estranhos felizes, na prata
da roda do automóvel. Figo,
teu desenho se chama infinito,
a fonte do mundo e seu fim,
sedoso delírio, a flor da tua
alma pulsa, na garganta se
precipita, goza, é mulher.
Bambupra Cláudia
“Você é forte, forte que nem
bambu”, ela me disse, e eu bem
que tentei entender o sentido,
aberto o coração e o ouvido,
contido em seu elogio estranho...
Seria só pelo meu tamanho?
Ou talvez pelo meu corpo esguio
vivendo sempre à margem de um rio?
Pode ser também por que envergo
com o vento e cantando eu ergo
toda a minha vida à imensidão?
Ou ainda, quando firme na mão
do equilibrista sobre fino
arame desafie o destino,
cortando o ar em vôo sereno,
do alto vendo o mundo pequeno?
Ou será por que em límpido céu
colado à seda do papel
ensine ao menino vida e morte
no cruza, no estanque, no corte?
“Você é forte, forte que nem
bambu”, em minha cabeça sem
freios, voltas no mesmo lugar,
reverberava frase invulgar:
“Por que bambu, por que vegetal?
Não um tatu, algum mineral?
Por que bambu, não aço ou cristal?
Por que forte, se frágil e mortal?”
Bem, era com esses olhos que
ela me via, herói de tevê,
herói grego, sem paz, sem sossego,
afeito a tempestades, sem medo.
E com boca úmida e macia,
saboreando o que proferia,
me esculpia com seu discurso,
palavras desviando meu curso.
Pois só eu me sabia taquara
rachada no fundo do oceano,
na solidão que nada compara,
esquecido de dia, mês, ano.
bio/biblio
André Gardel nasceu em Canoas, RS, em 02/ 10/ 1962. Além de poeta, é compositor de música popular e doutor em Literatura Comparada pela UFRJ. É autor dos seguintes estudos: O encontro entre Bandeira e Sinhô, vencedor do Prêmio Carioca de Monografia, editado em 1996; Vinicius, poeta do encontro (2001) e Teoria da Literatura: fundamentos (2006). Publicou os seguintes livros de poesia: ...e o diabo a quatro (1991); Abre o azul (2000); Poemas de Nova York (2002) e A letra do poema (2006). Em 1997 lançou o CD Sons do poema e estará lançando em 2007 o CD Vôo da cidade.
poética
A palavra poética é um verbo viajante, atravessando suportes e territórios que reconfiguram incessantemente o espectro de sua especificidade de linguagem, ziguezagueando entre os limites do apoético e do ultrapoético, revitalizando ou enfraquecendo, de acordo com o uso a que é submetida, sua condição lingüística de palavra inventiva.
Dentro desse percurso, as trocas, contaminações, intersecções, contrapontos, as potencializações recíprocas entre a poesia livresca e a letra de canção são apenas mais algumas das possibilidades que a palavra poética, polimórfica e mutante, está sujeita a partir do momento em que se faz criação e circula nas múltiplas formas de recepção: contemplativa, ativa, pragmática, encantatória, tribal.
poemas:
Tempo
Tragado por camadas do passado,
visitei em sonho espaços vividos
e estranhos lugares inventados,
que se misturaram num só sentido,
logo perdido, assim que achado.
Ao acordar, não distinguindo mais
o que vivera do que inventara,
fiquei imóvel olhando para trás,
entre a bijuteria e a jóia rara,
sabendo-as no fundo tão iguais.
O que, na verdade, estava em jogo
era o rumo tomado pela vida,
nos últimos anos o eterno fogo
do presente queimara a foto antiga,
apagando tanto o rei quanto o lobo.
Foi como se o passado gritasse
do fundo do poço pedindo luz,
para não ser só uma marca na face
mas parte da vida como os azuis
e no céu de verão se conservasse.
O que esse impasse me pedia agora?
Mais sabedoria, serenidade?
Que no poente eu lembrasse da aurora?
Na leveza, do peso da idade?
Da história acumulada numa hora?
Levantei e, pensando nisso tudo,
abri a janela: que dia lindo!
A claridade beijava o mundo,
a paisagem alongava-se sentindo
o tempo, meu tempo, respirei fundo.
Figo
Figura que se finge forte
mas é frágil céu mutante
anunciando tempestade.
Pele de diamante que se
abre em mel; aroma que
invade o dia e vinga até
o corte da noite, quando
o vermelho pardo seduz
a língua ao sabor. Antes,
o contato com as mãos
cria imagens de ternura
e fogo, de tecidos macios
ao crepúsculo vestindo
mortais, prontos para a
entrega de bálsamos e
cristais moventes, lentos
de prazer. Figo, tua forma
provei em sonho, a árvore
da vida na rua, personagens
estranhos felizes, na prata
da roda do automóvel. Figo,
teu desenho se chama infinito,
a fonte do mundo e seu fim,
sedoso delírio, a flor da tua
alma pulsa, na garganta se
precipita, goza, é mulher.
Bambupra Cláudia
“Você é forte, forte que nem
bambu”, ela me disse, e eu bem
que tentei entender o sentido,
aberto o coração e o ouvido,
contido em seu elogio estranho...
Seria só pelo meu tamanho?
Ou talvez pelo meu corpo esguio
vivendo sempre à margem de um rio?
Pode ser também por que envergo
com o vento e cantando eu ergo
toda a minha vida à imensidão?
Ou ainda, quando firme na mão
do equilibrista sobre fino
arame desafie o destino,
cortando o ar em vôo sereno,
do alto vendo o mundo pequeno?
Ou será por que em límpido céu
colado à seda do papel
ensine ao menino vida e morte
no cruza, no estanque, no corte?
“Você é forte, forte que nem
bambu”, em minha cabeça sem
freios, voltas no mesmo lugar,
reverberava frase invulgar:
“Por que bambu, por que vegetal?
Não um tatu, algum mineral?
Por que bambu, não aço ou cristal?
Por que forte, se frágil e mortal?”
Bem, era com esses olhos que
ela me via, herói de tevê,
herói grego, sem paz, sem sossego,
afeito a tempestades, sem medo.
E com boca úmida e macia,
saboreando o que proferia,
me esculpia com seu discurso,
palavras desviando meu curso.
Pois só eu me sabia taquara
rachada no fundo do oceano,
na solidão que nada compara,
esquecido de dia, mês, ano.
bio/biblio
André Gardel nasceu em Canoas, RS, em 02/ 10/ 1962. Além de poeta, é compositor de música popular e doutor em Literatura Comparada pela UFRJ. É autor dos seguintes estudos: O encontro entre Bandeira e Sinhô, vencedor do Prêmio Carioca de Monografia, editado em 1996; Vinicius, poeta do encontro (2001) e Teoria da Literatura: fundamentos (2006). Publicou os seguintes livros de poesia: ...e o diabo a quatro (1991); Abre o azul (2000); Poemas de Nova York (2002) e A letra do poema (2006). Em 1997 lançou o CD Sons do poema e estará lançando em 2007 o CD Vôo da cidade.
poética
A palavra poética é um verbo viajante, atravessando suportes e territórios que reconfiguram incessantemente o espectro de sua especificidade de linguagem, ziguezagueando entre os limites do apoético e do ultrapoético, revitalizando ou enfraquecendo, de acordo com o uso a que é submetida, sua condição lingüística de palavra inventiva.
Dentro desse percurso, as trocas, contaminações, intersecções, contrapontos, as potencializações recíprocas entre a poesia livresca e a letra de canção são apenas mais algumas das possibilidades que a palavra poética, polimórfica e mutante, está sujeita a partir do momento em que se faz criação e circula nas múltiplas formas de recepção: contemplativa, ativa, pragmática, encantatória, tribal.
4 comments:
parabéns pelos textos, André. São muito bons mesmo...têm uma melodia interna e um ritmo instigante. Gostaria de conhecer também seu trabalho como compositor.
brilhante idéia, quanta gente boa por esse país que a gente nem sabe
Valeu, amigo. Tem duas músicas minhas no site www.overmundo.com.br.
Abraço
Anibal!
Cuanta gente! Cuanta poesía!
:D
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