foto: lídia taschner
mencionado porManoel Ricardo de Lima
menciona a
(ainda não mencionados):
Rogério Lenzi
Rubens da Cunha
Demétrio Panarotto
Silvio Barros
Patrícia Hoffmann
poemas
(do livro Rebojo)
O arado líquido
I
na tábua de marés, lemos o rio
expirando e contraindo esfíncter.
a festa da carne foi-se em quarentena
segue em procissão, em pluvial silêncio.
flores brancas nas mãos
gemem feito argila seca:
hoje é domingo de ramos
finado confinado no imaginário.
enquanto no terreiro
os couros têm espasmos
sob as palmas brancas.
nas mãos negras da noite,
o círio fluvial é conduzido.
II
da palavra rio
retiro pandorgas
mergulhos e punhetas no barranco
correntes, ferrugem, enchentes
da palavra rio
retiro sons surdos de hélices.
desta palavra, navios.
da palavra rio
um raio ou rum;
um jovem morto
completamente nu
com o cu por robalos comido
quem sabe?
fluxos; corrente alternada
entre altas e baixas marés;
um fio desencapado
eis as corredeiras,
movimento - ronco
cardumes comendo o barro
para livrarem-se das margens.
III
destas margens, gritos:
corvina, polvo, tainha, camarão!
ar retorcido expulso do pulmão
-pendurado no ar-:
“olha o peixe minha gente”
( o peixe sofrido de quinze dias
o peixe atravessado pelo metal
do anzol, do cárcere capital
o peixe que fede, mas alimenta)
“olha o peixe minha gente”
gritava o Nego Dico no mercado
palavras ou peixes
nadando de boca a fora?
a boca desprovida de branco
antes do degelo
o cheiro do peixe
assenta-se sob as unhas devolutas.
IV
poesia não é rio
tampouco rio é poesia.
poesia é linguagem
peixe insone
caroço de manga
pedra na uretra.
a poesia deixada na página
é o melhor atentado terrorista:
é concreta e não auto-destrói-se,
auto recria-se à luz de lanternas
dos leitores;
é dicróica, um fractal, um aleph.
escrever poemas falando de poesia
é pura perda de tempo.
V
sigo o rio para mergulhar a vastidão,
mesmo intuito da linguagem
ao chegar a foz
ao encontrar a voz.
sigo o rio
mesmo sentindo fedor das margens.
raspo minha língua neste calvário
cujo rubor da face
não apenas sangue, cálice;
sol e barro do que constitui o homem
sol e aço, matéria de açoite
na constituição dos castigos
no transe chapado da noite.
sigo a palavra carnuda
escondida entre pernas e plumas
lâmina de pântanos e passagens
um trem silencioso; o arado desta linguagem.
mencionado porManoel Ricardo de Lima
menciona a
(ainda não mencionados):
Rogério Lenzi
Rubens da Cunha
Demétrio Panarotto
Silvio Barros
Patrícia Hoffmann
poemas
(do livro Rebojo)
O arado líquido
I
na tábua de marés, lemos o rio
expirando e contraindo esfíncter.
a festa da carne foi-se em quarentena
segue em procissão, em pluvial silêncio.
flores brancas nas mãos
gemem feito argila seca:
hoje é domingo de ramos
finado confinado no imaginário.
enquanto no terreiro
os couros têm espasmos
sob as palmas brancas.
nas mãos negras da noite,
o círio fluvial é conduzido.
II
da palavra rio
retiro pandorgas
mergulhos e punhetas no barranco
correntes, ferrugem, enchentes
da palavra rio
retiro sons surdos de hélices.
desta palavra, navios.
da palavra rio
um raio ou rum;
um jovem morto
completamente nu
com o cu por robalos comido
quem sabe?
fluxos; corrente alternada
entre altas e baixas marés;
um fio desencapado
eis as corredeiras,
movimento - ronco
cardumes comendo o barro
para livrarem-se das margens.
III
destas margens, gritos:
corvina, polvo, tainha, camarão!
ar retorcido expulso do pulmão
-pendurado no ar-:
“olha o peixe minha gente”
( o peixe sofrido de quinze dias
o peixe atravessado pelo metal
do anzol, do cárcere capital
o peixe que fede, mas alimenta)
“olha o peixe minha gente”
gritava o Nego Dico no mercado
palavras ou peixes
nadando de boca a fora?
a boca desprovida de branco
antes do degelo
o cheiro do peixe
assenta-se sob as unhas devolutas.
IV
poesia não é rio
tampouco rio é poesia.
poesia é linguagem
peixe insone
caroço de manga
pedra na uretra.
a poesia deixada na página
é o melhor atentado terrorista:
é concreta e não auto-destrói-se,
auto recria-se à luz de lanternas
dos leitores;
é dicróica, um fractal, um aleph.
escrever poemas falando de poesia
é pura perda de tempo.
V
sigo o rio para mergulhar a vastidão,
mesmo intuito da linguagem
ao chegar a foz
ao encontrar a voz.
sigo o rio
mesmo sentindo fedor das margens.
raspo minha língua neste calvário
cujo rubor da face
não apenas sangue, cálice;
sol e barro do que constitui o homem
sol e aço, matéria de açoite
na constituição dos castigos
no transe chapado da noite.
sigo a palavra carnuda
escondida entre pernas e plumas
lâmina de pântanos e passagens
um trem silencioso; o arado desta linguagem.
. . . . .
(do livro Rebojo)
“O Vento se ergue. O vento do mar. E a roupa lavada parte!”
Saint - John Perse
sudunga[1]
sombra de cabelo polar
olheira adorna olhar
e um chamado:
troncos à beira da praia
surgem pra te ver
quantas velas nas margens
multicores
quantas
cruzes de cinza espalhadas
nos cantos dos quintais ?
quantas
flores com brilhos de faca
cobrem o dorso das ondas?
cantos
de estrelas cadentes
silenciados na retina.
sudunga sudunga
traga o violoncelo
e com tua lepra melódica
encrespa a colcha costeira
estica amarras, estoura tralhas
+ braças de rede feiticeira
sudunga respira fundo
sopra os sulcos na face
do pescador ................
porque permanecerão na profundidade
das olheiras milenares
os mesmos cardumes de pargos silenciosos
[1] O vento sudoeste cujo ad-vento torna difícil a permanência em alto mar; assim costumam chamá-lo alguns pescadores.
dançarina no arranha-céu
-primeiro movimento-
(inédito)
a mulher dança no arranha-céu
afasta as pernas, não cansa, não cessa
porque ensaia nuvens com as mãos na fenda
sobre todas as fendas da cidade
a mulher do girassol, dançarina
solta no telhado da (mo) cidade
cobre com os cabelos
as marcas carregadas no pulso:
partitura do último ensaio
ela sorri calma, calada e trêmula.
dentro da noite seus olhos urravam
sabendo da surdez a sua volta.
as pontas dos pés soltas
gravitavam na fronteira eleita última
seus cabelos soltos: uma corola negra.
a mulher que dança no girassol
sabe das pétalas sua perenidade impossível
conforma-se (? ) sente nuvens às costas
como sopro em movimento duplo:
afastar-se do terraço e aterrar-se no asfalto.
primeiro poema para um velório
1: 29
(inédito)
andar assíduo como Torquemada
e seu cão nas ruas da noite
e lembrar os avós de Cervantes
a mão amputada
a turba túrbita.
a turba na frente da casa
perturba olhos nas venesianas
turva o som decantado
na epiderme ciliada
dos ouvidos.
andar perdido como o Fidalgo
desaparecer como artaud
dissimular como kandinski
deslocar como ducasse
como ducasse
me caducasse
comunicar-se
apenas em pantomimas.
é o que cai melhor na noite
e agrada os olhos por de trás dos vidros
um flaneur acostumando-se
ao mármore da cara do cara que vai visitar.
bio/biblio
Nasci em Itajaí em 24 de outubro de 73 e cresci na outra margem, em Navegantes (s.c). Sou filho de pescador e parte de minha construção subjetiva aconteceu entre as margens do atlântico e do rio Itajaí – Açu ( rio que corre sobre grandes pedras ), entre as carpintarias, os estaleiros de construção naval. Aos quatorze anos, um emprego de ajudante de carpinteiro, ajudava a construir barcos, um jogo de armar um tanto grande, e pesado! Pertenço então, posso dizer, à linhagem de Gilgamesh. Para minha poesia estas experiência é pontual: transformação da matéria pela idéia e pelo cansaço e finalmente, o prazer, a coisa pronta pra navegar. O poema que é um devir barco.
Publiquei meu primeiro livro em 2005, o Rebojo (Ed. Bernúncia – Fpolis.).Tenho textos publicados na Revista Babel n° 5 e 7, na Revista Germina Literatura e na Cronópios (estas duas eletrônicas), no Diário Catarinense, no Jornal O Papa-Siri. Sou um pouco indolente com a divulgação do meu trabalho.
Atualmente moro em Palhoça, região da grande Florianópolis, onde dou aulas de literatura. Ano passado tive um sebo, o Arcano 17, mas definitivamente, comércio exige disciplina temporal e tenho dificuldades com isto. Sou coordenador regional da ong Curupira (www.curupira.org.br).
Poética, ou quase.
O que acontece quando são evocados os ventos e almas deportadas ao fundo do mar, ao cemitério marinho? Fico horas a olhar o vento; este mesmo vento reconfigura as árvores, que remexe o fundo do rio/mar, acorda a lama decantada e turva a visibilidade do mergulhador, também faz a palavra deslocar-se do significante, por vezes, falir em sua navegação,
Penso essa inconstância cercando minha poesia. Variações nas Tábuas de marés, irregularidade da madeira. Eis, pois, o que uma poética de deslocamento pretende, escavar alguns nomes, colocá-los em atrito, aquecer para provocar uma transformação.Como a construção de um barco.
Consciente de que isto não seja nenhuma novidade, o deslocamento é a própria metáfora, o enjambement ou corte do coito. O corte do signo-madeira funciona também como verruga: onde o sangue da verruga toca, nascem outras diz a crendice popular.
Um poema é uma embarcação na elástica fronteira marítima e sua construção é também colocar os sentidos no limiar do naufrágio: destruição. Uns poemas vão a pique, outros, quando lidos, brilham como ardentia, os vagalumes submersos que poucos podem ver. Somente aqueles imersos na irregularidade do mar, na noite da linguagem dos versos.
Esse deslocamento é a própria poesia que procuro, é a pedra na uretra movendo-se mesmo contra vontade do infeliz. Poesia é pedra na uretra porque sedimenta e incomoda, é lobo disfarçado pois sua brancura tem a sede de sangue seqüestrado.
Naufrágio, todos temos. Alguns sob os braços ou circunavegando ainda nos pulmões, mas a verde ira da bílis deve ser expelida através do verso, melhor ato terrorista, o que não destrói -se, mas recria-se nas re-leituras (novos pélagos –SOS ! ). Sob a chuva, a linguagem curva-se, turva-se e onde leitura, lê-se garimpo, escafandro, carpintaria: retorno. (regurgito, arroto ou urro)
Ainda e sempre deverei arrancar o capim da escrita e este trabalho é que faz a "pena" mover-se. Blanchot diz que essa é a anomalia, que é a “essência da atividade literária, o que o escritor deve e não deve superar”.
Ao labor da retina são necessários os rebojos. A poesia é esse rebojo da linguagem.
o vento uiva sobre a gávea
e nas velas atira-se para dobrar o mundo
Cristiano Moreira
1 comment:
Manoel é meu professor. Ótima indicação. Gostei bastante.
Post a Comment