Friday, September 22, 2006

SÉRGIO ALCIDES












Desenho de Maria da Paz (1997)


mencionado porTarso de Melo
Zuca Sardan
Francisco Alvim
Ricardo Pires de Souza


menciona a
(só mulheres)

Mônica de Aquino
Zoe de Camaris
Maria do Carmo Ferreira

Lígia DabulPaula Glenadel
Maria Rita Kehl
Vivian Kogut
Lu Menezes
Cláudia Roquette-Pinto
Alice Ruiz



poemas

Jazem


A vida é só um episódio na história dos ossos.

Leve pomada de sentidos que passou sem alívio

e sem deixar outro vestígio além do seu branco,

desarticulado e perpétuo esqueleto de ausência.

Chance de abraço, risco de fratura, frêmito e presságio

são coisas do passado. Isentos de musculatura e desejo

– sem o vazio do sexo que ardentemente umedece,

nem do outro a dureza de sangue que não se contém –

eles caíram onde agora jazem, e estão lembrando.

Lembrando e cuidando desanimados de si.

[da suíte “Ossada”, publicada em
www.erratica.com.br]

Toada


Escovar os dentes, escovar atrás
e na frente, escovar bem.

Estranho! Quando comecei
não tinha notado Tiranossaurus Rex.

Tudo era um cubo de azulejos. O sonho ainda
embaçava o espelho, e eu vivia onívoro, variado.

Só me reconheci quando ouvi a troada de Rex.

[de O ar das cidades]

Cavaleiro
No lado escuro mora
o esqueleto de São Jorge

com seu cavalo manco
com seu cajado branco

sem espada
olhar vazado de

nada


solidão/dragão

no lado esquerdo pulsa
a falta
o santo.

[de Nada a ver com a Lua]





bio/biblio
Sérgio Alcides nasceu no Rio de Janeiro em 1967, e está radicado em São Paulo desde 1998. É autor de Nada a ver com a Lua. Poemas 1989-1996 (Rio: Sette Letras, 1996), O ar das cidades. Poemas 1996-2000 (São Paulo: Nankin, 2000) e Estes penhascos. Cláudio Manuel da Costa e a paisagem das Minas (São Paulo: Hucitec, 2003). Organizou e prefaciou uma edição de Eu e outras poesias, de Augusto dos Anjos (São Paulo: Ática, 2005). Traduziu, de Ted Hughes, O que é a verdade? Poemas de bichos (São Paulo: Companhia das Letras, 2005), e O caçador de sonhos e outros contos da criação (São Paulo: Companhia das Letras, 2003).


Sobre um poema

Um poema age sobre a linguagem. Não é “da linguagem” senão neste sentido. Talvez ele não saiba (porque não precisa saber, e é bom que voe meio cego), mas sua missão é conturbar a linguagem, atrapalhar a verticalidade dela, obrigá-la a se lembrar de si, aquecê-la com a nossa humanidade. Até queimá-la, se necessário.

Um poema fala ao mesmo tempo com o que refere e com o que fabrica. Para ele, dá no mesmo. Se não fabrica nada, não serve. Se não refere nada, serve para nos oprimir.

Mas o chamado de um poema acena com a liberdade. Ele é responsável por isso diante de cada um.

Quando não é escavação, um poema é relâmpago. Raramente ocorre de outro modo. Mas ocorre, porque o mais próprio dele é trocar de forma.

A matéria de um poema é pura proteína.

“Decerto, é uma matéria maravilhosamente vã, diversa e ondulante, o homem: é difícil nele fundar julgamento constante e uniforme”, escreveu Montaigne. Cito-o como argumento para provar que um poema não é desumano.

Um poema, lido, mancha do jeito que cair a mancha.

Um poema se dirige à linguagem porque nela transcorre a sua vida. Ele vai por ela a fim de viver. Isto significa um conflito, não uma sujeição.

Um poema está fingindo que é um poema. Como forma de o ser.

Do ponto de vista do poeta, um poema é sempre outro.

O chato de um poema é o poeta. É pena que só um poeta possa fazer um poema. Se um leitor se equivoca, e toma por um poema algo que não pretende sê-lo, isso pode até projetar o fantasma de um poema, como efeitos. Constatado o equívoco, o fantasma desvanece – e se instala um constrangimento ridículo. Um poeta não é nada, mas a poesia não desvanece. Um poema requer autoridade, e vai nisso mais mistério do que regra.

A prescrição repele. Um poema é, desde sempre, escrito contra o prescrito. Estão iludidos os que pensam que a “poética” já é poesia: nunca foi. Basta escrever um poema para violar a “poética”. Mesmo quando se quer “aplicá-la”.

Dizem que, de boas intenções, o inferno está cheio. De “intenções autorais”, mais ainda.

Um poema pode ser um bom poema ou não. Nem sempre um bom poema é mais poema do que um ruim. Mas, é claro: sempre o será melhor.

Quem vem dizer o que é um bom poema corre o risco de ajudar a produzir ainda mais poemas ruins.

A poesia tem horror aos caga-regras.

O maior dos inimigos de um poema é o controle. (Isto significa, entre outras coisas, que não é o poeta o maior dos inimigos de um poema).

Eros andou nas quebradas onde se escreveu um poema.

Um poema é livre. Um poeta, não. Poemas geralmente são melhores que poetas, e mais bravos.

Um poema resiste.

Amor e morte. O repertório de um poema é muito limitado. Ânsia, medo, alegria, sexo, nunca, linguagem, nada, perda, si próprio, tédio, celebração, essas coisas.

Aliás, um poema se lança às coisas. Compreende a realidade, o real: “relativo ao concreto”, de “res = coisa material, corpo, criatura” (eis todo o seu latim). Por isso, o que não caiba num poema não existe.

Contradições estalam crocantes na boca de um poema.

Ser errante, um poema não pode dizer nada a quem, de errar, não saiba nem deseje nada.

Um poema viaja, tem uma vida própria. Está desamarrado. É um objeto do desejo. Primeiro, porque sua existência testemunha um desejo – mesmo que este não pertença a ele e não seja da conta de ninguém. Segundo, porque toda a linguagem deseja através dele. Terceiro, porque ele deseja o seu destino de coisa a ler. Quarto, porque ele é desejado como poucas coisas neste mundo. É uma avidez.

4 comments:

Anonymous said...

Caro Sérgio Alcides,

- Que rara fecundidade possui
"Sobre um poema".

Lu Menezes

Anonymous said...

Achei o "Sobre um poema" bem trabalhado, mas um pouco sentencioso, antigo.
Leo Soares

Anonymous said...

Caro Sergio,

"Jazem" está sensacional.
Parabéns,

Vito S.

AMaura said...

Caro Sérgio:
Sou escritor, jornalista e professor. Gostaria traduzir um poema seu para o jornal ABC Cultural de Madrí (Espanha).
Gostaria conttá-lo no seu e-mail.
O meu é: amauraba@gmail.com
Muito obrigado,
Antonio Maura