Friday, September 29, 2006

MARIA ESTHER MACIEL


Fabrício Marques
menciona aAna Elisa RibeiroDuda MachadoFabrício MarquesLaís Corrêa de AraújoLeila MiccolisManoel Ricardo de LimaPaula GlenadelPrisca AgustoniRicardo AleixoSérgio Medeiros






poemas

PAISAGEM COM FRUTAS
Duas peras sobre a mesa
esperam a tua fome.
O dia é verde
e o vento tem cores provisórias.
Sobre o muro
um pássaro mudo
de olhar escuro
perscruta a tua sombra
Ele sabe
que ninguém sabe
em que azul
ocultas
teu absurdo.
(do livro Triz, 1998)

SOBRE UM FILME DE KAR-WAY
O corpo e seus possíveis.
O dentro que, na pele,
vira flor.
Os cheiros, a memória
do que, de tão breve,
não fica
senão como sombra
líquida
quase cítrica
desse amor.
(Inédito em livro)

A ORDEM DAS COISAS
Lídia, quando menina, gostava de se sentar à beira do rio para ver os peixes esquivos. Dia após dia, neles via sempre a mesma vida, o mesmo desassossego, como se, para eles, repetir o movimento fosse uma espécie de estilo. Isso a surpreendia. Por que aos peixes não era dado o fastio? – perguntava-se em sigilo. Lídia, que ainda sente por eles um certo fascínio, hoje responderia a isso dizendo que as coisas, por mais repetíveis, contêm, todas elas, um rio – subterrâneo ou de superfície. Ou seria um ritmo? Mas seja o que for, é isso que garante ao mesmo uma dose de imprevisto. Ou de viço. Aliás, toda a história de Lídia se resume de certa forma neste mínimo: por mais que ela busque a ordem dos peixes, algo a desvia.
(Inédito em livro)

BIO/BLIO:
Maria Esther Maciel nasceu em Patos de Minas (MG) em 1963 e vive em Belo Horizonte desde 1981. É professora de Teoria da Literatura da Faculdade de Letras da UFMG. Mestre em Literatura Brasileira e Doutora em Literatura Comparada, com Pós-Doutorado em Cinema pela Universidade de Londres. É autora dos livros: Dos Haveres do Corpo (poesia, Ed. Terra, 1985), As vertigens da lucidez: poesia e crítica em Octavio Paz (ensaio, Ed. Experimento, 1995); A dupla chama: amor e erotismo em Octavio Paz (ensaio, Ed. Memorial da América Latina, 1998); Triz (poesia, Ed. Orobó, 1999); Vôo Transverso: poesia, modernidade e fim do século XX (ensaios, Ed. Sette Letras, 1999); A memória das coisas (ensaios, Ed. Lamparina, 2004), e O livro de Zenóbia (ficção, Ed. Lamparina, 2004). Organizou os seguintes livros: A palavra inquieta: homenagem a Octavio Paz (ensaios, Ed. Autêntica, 1999); Laís Corrêa de Araújo (Ed. Fale/UFMG, 2002), e O cinema enciclopédico de Peter Greenaway (ensaios, Ed. UNIMARCOS, 2004). Coordena o TransVerso – Fórum de Criação e Estudos Poéticos da UFMG. Tem ensaios, contos e poemas publicados em revistas e jornais do Brasil e do exterior. Seu site na Internet: www.letras.ufmg.br/esthermaciel
POÉTICA:
A poesia é, antes de tudo, um exercício de perplexidade. É o resultado de nossos assombros, errâncias, erros e infernos intrínsecos. E que, para se materializar em sons, imagens e sentidos, demanda uma linguagem feita, ao mesmo tempo, de lucidez e vertigem.
ANDRÉ VALLIAS




mencionado por
Ricardo Aleixo


menciona a
Age de Carvalho
Omar Khouri
Lenora de Barros
João Bandeira
Walter Silveira





poemas




Geologia
de uma tradução

a claridade elíptica
do frágil mineral
o faz verter assim
”ein Atemkristall” –
em hálito



C(anti)-
lena

para adriana calcanhotto

+
doce
que o som
da lira
helena
por dentro

por fora
atena
(ânfora)
estrigídea
caprina
falena
ortóptera
penélope
fia

acri-
suave
prazer
de vencer
vertigens
!)
a
fina
falésia
que
desafia
(…)



Reza-brava
para São Sebastião

ah quem
dera tivesse
o teu
martírio
(o corpo
ereto/os arcos
tesos)
se consumado
na rija coluna
de
granito!
e
não
inglório
(longe dos
olhos)
soçobrando
(sem pose)
entre
os
dejetos
da cidade
§
sancta venus
cloacina
rogai por nós


……………………………………


André Vallias é poeta, designer gráfico e produtor de mídia interativa. Nasceu em 1963, em São Paulo, onde se formou em Direito pela USP. Começou a criar poemas em 1985, usando da técnica serigráfica que aprendeu com o impressor e artista Omar Guedes. De 1987 a 1994, residiu na Alemanha, onde orientou suas atividades para a mídia digital, influenciado pelas idéias do filósofo Vilém Flusser. Organizou em 1992, com Friedrich Block, a primeira mostra internacional de poesia feita em computador: "p0es1e - digitale dichtkunst". Publicou trabalhos em diversas revistas, entre as quais: Et Cetera, Cacto, Zunái, Artéria, Visible Language, Alire e High Quality. Participou de exposições de "arte e tecnologia", poesia digital e visual: "Hiper > relações eletro//digitais" (Santander Cultural, Porto Alegre 2004), "p0es1s - digital poetry" (Kulturforum,Berlim 2004), "Brazilian Visual Poetry" (Mexic-Art Museum, Austin 2002), "Schrift und Bild in Bewegung" (Gasteig, Munique 2000), "Arte & Tecnologia" (Itaú Cultural, São Paulo 1997), "No limiar da tecnologia" (Paço das Artes, São Paulo 1995), "Transfutur" (Kunstetage, Kassel 1990), "Palavra Imágica" (MAC, São Paulo 1987), entre outras. Seus poemas digitais podem ser vistos no site www.andrevallias.com ou na revista eletrônica Errática, que edita juntamente com o poeta e ensaísta Eucanaã Ferraz: www.erratica.com.br. Vive no Rio de Janeiro, onde dirige a produtora Refazenda: www.refazenda.com.

…………………………………….


POESIA

Terrível: esta arte! Eu de minha carne teço fios,
E estes fios são também o meu caminho pelo ar.

Hugo von Hofmannsthal

[Reflexão]

Há graus de entusiasmo. Entre a diversão, o seu ponto mais baixo, e o entusiasmo do líder que em meio à batalha conserva forte o gênio com discernimento, eleva-se uma escada infinita. Subir e descê-la é vocação e prazer do poeta.
*
Tem-se inversões de palavras na oração. Porém maior e bem mais eficaz deverá ser a inversão mesma das orações. A colocação lógica das orações, onde a causa (da oração principal) é sucedida pela ação, a ação pelo fim, o fim pelo objetivo, e onde as orações subordinadas vão se encadeando à principal a qual imediatamente se referem – é certamente ao poeta de quase ou nenhuma utilidade.
*
Esta é a medida de entusiasmo que é dada a cada um para que guarde, alguns no fogo forte, outros no mais fraco, o grau necessário de discernimento. Onde a sobriedade te abandona, aí está o limite do teu entusiasmo. O grande poeta não se encontra nunca fora de si, por mais alto que queira elevar-se sobre si mesmo. Ora tanto se pode cair para o alto, como para baixo. Deste último protege o espírito maleável; do primeiro, a força da gravidade que jaz no discernimento sóbrio. Porém a melhor sobriedade e o melhor discernimento do poeta é com certeza o sentimento, quando é reto, caloroso, forte e claro. É a espora e o bridão do espírito. Com calor o impele adiante, prescreve-lhe com ternura, retidão e clareza o limite, segurando-o para que não se perca; é assim entendimento e vontade ao mesmo tempo. Contudo quando é dócil e brando em demasia, torna-se mortífero, verme roedor. Se o espírito se limita, aquele outro sente com medo excessivo a prisão temporária, torna-se caloroso demais, perde a claridade e arroja com uma inquietação incompreensível o espírito no ilimitado; se o espírito se acha mais livre e temporariamente elevado sobre regra e matéria, o sentimento se apavora com o perigo de se perder, assim como antes temera o aprisionamento, tornando-se frígido e apático, esmorecendo o espírito e fazendo-o afundar, estancar e penar sob o fardo de dúvida supérflua. Se de tal modo se acha doente o sentimento, o melhor que o poeta, porque o conhece, tem a fazer é não se deixar assustar em caso algum por ele, procurando apenas prosseguir com maior moderação, utilizando-se do entendimento o mais levemente possível, para que o sentimento, tanto aquele que limita como o que liberta, se endireite e, tendo assim se ajudado amiúde, reintegre ao sentimento a segurança e consistência naturais. Acima de tudo o poeta precisa acostumar-se a não querer atingir num lance só o todo a que se propôs e a suportar a imperfeição momentânea; o seu prazer deve ser a superação gradativa de si mesmo, nos modos e medidas que a matéria exige, até que, no fim, o tom principal ganhe o seu todo. Que ele não pense que apenas crescendo do fraco ao mais forte é que pode superar-se, do contrário se tornará falso e excêntrico; deve sentir que ele ganha em leveza aquilo que perde em significação, que a calma até supre a veemência, e o juízo, o arroubo; assim não haverá, no transcorrer da sua obra, nenhum tom necessário que não supere de certa maneira os anteriores, e o tom dominante apenas o será, porque o todo está composto desta forma e não de outra qualquer.
*
Só esta é a verdade mais verdadeira, onde mesmo o erro, porque ela o coloca em seu tempo e lugar no todo do seu sistema, torna-se verdade. É a luz que a si mesma e a noite ilumina. Esta é também a poesia mais elevada, onde mesmo o não-poético, porque dito no todo da obra em tempo e lugar certo, torna-se poético. Mas é aí que a rapidez do conceito se faz mais necessária. Como poderás usar a coisa no lugar adequado, se tímido ainda te demoras sobre ela e não sabes o que ela traz, nem o que fazer ou não com ela. Isto é o contentamento eterno, alegria de Deus, colocar cada uma das partes no todo, no lugar que lhes pertence; é por isso que sem entendimento ou sem um sentimento inteiramente organizado não há acerto, não há vida.
*
Será que o homem tem que perder na fluência da força e do sentido, o que ganha no espírito todo-abrangente? Ora, um sem o outro não é nada!

Friedrich Hölderlin

(Traduções: A. V.)




Wednesday, September 27, 2006

MARCOS SISCAR




menciona a
(Poetas ainda não citados)
Masé Lemos
Adalberto Müller
Flávia Nascimento Falleiros
Luís Bueno
Rodrigo Magalhães




poemas


TIGELA DE ÁGATE

Você fechou a janela, desceu as escadas e disse em prosa que se sentia bem embaixo, no pátio aberto, perto da porta. Você desceu o lixo, olhou o pássaro, brincou de cabra-cega com as crianças do pátio. Então, pediu-me que servisse a sopa numa tigela de ágate. A morte com dor não vale a sopa numa tigela de ágate. O mundo reduzido ao essencial. Isso a faz morrer de rir. O essencial, você me diz, cabe numa tigela de ágate. O que quis dizer com isso? Que essencial não há, ou muito pouco, que no fundo não importa, ou que de fato está nesta tigela de ágate? Desde então, a dúvida me impede de dizer meu nome. Com a sola dos pés procuro o fundo da terra sob um brejo de taboas. Cada vez que me perguntam que fundo é esse, as entranhas me gelam, a discrepância me invade. Sinto o fundo e ele me abala. Toda uma sismologia. Viajo sem ter vontade. Em cada lugar por onde passo, quero de mim uma nova coragem. Certa vez, você me acenou de longe, ao pé da plataforma, com os olhos vermelhos. Você que nunca chorava. Quis exilar-me em você. E talvez eu fique aqui, nesse boteco de luz amarela, no meio da amazônia, até o fim dos tempos. Mal penso nisso, o galo ainda não cantou, você já se estendeu ao longo do meu corpo, se derramou sobre mim e eu a contive. Você cabe em mim tão completamente. Ouço a sua voz fraca, perdida no percurso da garganta. O poema deve ser escrito com sangue? Pois que o sangue seja vivo, vermelho pêssego, turquesa, esmeralda. Foi então que você perdeu a voz, olhou de lado, fechou-se muda. E sobre as pálpebras cerradas palpitam veias de um sangue veloz. Diga-me: quanto sangue será necessário para aplacar o seu silêncio?

(O roubo do silêncio, 2006)



DIABO TRISTE

o diabo tem um olhar triste em que moram
pesados devaneios irmãos de todas as coisas
meu irmão mãos malhadas de passar a ferro
uma eternidade de palavras pernas magras
cruz de sua sede irrefletida os ombros curvos
sobre o pulmão o gesto fogueira do desejo
luzes foscas no cabelo as veias secas
como fontes em que o amor não entra mais
por mais que suplique não se tira o amor
não entra ar não sai não se tira mais seus ais
e sobre o corpo prometido a cal e argila
se imobiliza enfim uma alegria intransitiva
deus é seu hospital

(Metade da Arte, 2003)




JARDIM À FRANCESA

eu com minha idade sentado num banco de praça
meu coração era do tamanho do mundo
feito do seu elemento de água rumor e ornamento
duas alamedas duas fontes se escorrendo
meu coração era do tamanho deste mundo
ora assim igual a si mesmo ora se
desconhecendo
mas meu coração é menos perfeito do que esta praça
às vezes se lembra e dificilmente
da hora exata do retorno do tempo
meu coração às vezes tropeça projeta uma perna
sobre a outra
se interrompe mudo parece
que pensa

(Não se Diz, 1999)





BIO/BIBLIO

“(...) Observo o tempo longamente carregar o meu desejo, aquilo que me excede carregar-me, às margens da capital. Quero sempre estar nas fronteiras de onde as coisas valem. Sou pobre, pobre, pobre. Proprietário indeciso do valor e doador universal, sangue a dispersar-se em todas as veias. Diga-me que ainda sou seu.” (O Roubo do Silêncio, 2006)

Poesia: Não se Diz (1999), Tome seu café e saia (2001), Metade da Arte (2003), O Roubo do Silêncio (2006).

Tradução: Os Amores Amarelos, de Tristan Corbière (1996); A Rosa das Línguas, de Michel Deguy (2004, com P. Glenadel); Os Animais de Todo Mundo, de Jacques Roubaud (2006, com P. Glenadel).




SOBRE POESIA

Poesia é aquilo que faz a diferença. Quando estou cansado de mim, por exemplo, a poesia me reinventa, me prolonga, me desloca. A poesia é aquilo que muda o tom, é um salto adjetivo. A poesia foi feita pra chutar o balde da história.
CARLOS MACHADO




Ruy Proença
Vera Lúcia de Oliveira

menciona

(nomes não citados antes):

Antonio Brasileiro

Déborah de Paula Souza
Iracema Macedo

Maria Esther Maciel
Roberval Pereyr








poemas





(todos de Pássaro de Vidro, 2006):





RELÓGIO DIGITAL


com o passo rijo
das certezas
escondes
a sutileza do rio
esse rio
que tens na alma
e traça a
doutrina de tua
máquina

aos saltos
em teu teatro
mambembe
retalhas o lençol
das horas
num show volátil
de números

fazes crer
com esse ar de
quem não erra
que tudo é
justo e preciso
pura fusão
de equação e
músculo




HERACLITIANO

na segunda chicotada
você já é outro

— não importa o lado
do chicote




HOMEM-BOMBA

em que pensa
o homem-bomba
no exato
momento
de soltar o pino
e estancar
o tempo?

em que pensa
o homem-bomba
na hora imensa
em que o sangue
se adensa
e todos os sóis
e todos os poros
e todas as luas
do universo
projetam
forças vorazes
de gravitação na
explosiva
nave de
seu coração?

em que veia
cava o
medo crava
seus tentáculos?
em qual
infinitésimo
de segundo
a mão trêmula
avança para
o pino e
vence a inércia
do ser vivo
que deseja
permanecer
capaz de semente
— não de idéias
mas de
carne viva?





CÂMERA

How you die is the most
important thing you ever do.
Timothy Leary

uns preferem
a morte discreta
asséptica
sem vexame

outros apostam
no alvoroço:
enxame
de câmeras até
o osso do nada

timothy leary
guru
lisérgico não quis
o analgésico
do silêncio

morreu em show
cibernético
câmera aberta
para o olho
poente



BIO/BIBLIO





Carlos Machado nasceu em Muritiba (BA), em 1951. Jornalista, reside em São Paulo. Cursou engenharia mecânica na UFBa e, em São Paulo, fez jornalismo na Faculdade Cásper Líbero. Tem poemas publicados em revistas e jornais literários. É autor do livro Pássaro de vidro (Hedra, 2006). Edita na internet o boletim semanal poesia.net (www.algumapoesia.com.br). E-mail: cmachado@algumapoesia.com.br









UMA POÉTICA? TALVEZ ESTA



Creio que, em sua maioria, os poetas que tentaram definir o que entendem por poesia acabaram -- os mais felizes -- escrevendo um poema. Então, existem muitas poéticas, mas talvez nenhuma seja capaz de abarcar completamente a idéia de poesia. O grande poema talvez seja aquele que, além de exibir uma arquitetura inventiva, consegue perturbar a ordem emocional do leitor.





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CADÃO VOLPATO



mencionado por
Heitor Ferraz
menciona a
Francisco Alvim
Micheliny Verunschk
Vincent Katz
poemas
Amsterdam
No restaurante vegetariano
tão alto
o pé direito
e na igreja
o que tanto
conversamos?
no parque
velhos pescadores
devolviam o peixe
ao lago
bicicletas enferrujadas
todas juntas
como uma coroa de espinhos
(já disse isso
o que tanto
conversamos?)
cortinas floridas
nos barcos do canal
onde as pessoas viviam
tudo estava por acontecer
lembra-se?
Mulheres aguardavam nas vitrines
que eu, tão livre em 1994,
fosse até lá colhê-las
e depois as devolvesse à água
sua amiga
de braços torneados
palpáveis
e brancos
Bettina Wilhelm
Exposeert
In Het Rietveld
Paviljoen
Devolvamos
as mulheres
à água
Na água-furtada
onde você morava
e gaivotas faziam ponto
eu observava
o porvir
da sacada
(um moinho velho parado
no tempo
e o vento)
Porvir
onde estamos agora
Tamara

Menina e sapo
pendurada sobre um buraco
com água
onde havia um sapo




Navegação imóvel

1
tímido
não sabe dizer não
ou dizer muito
expressa a dor
de criança
contorcendo-se no escuro
2
como um turco
não existe
sem bigode
um uniforme sujo
a vesti-lo a vida inteira
até o fim do turno
Para ele, o patrão
será sempre
O homem
3
A mão
paisagem escura
áspera
calosa
relevante
pele de elefante
4
graxa e barulho
na fábrica de tecidos
eterno mergulho de trem
na fuligem de um túnel
5
em que navio
chegou o avô
de Verona?
E que belo navio
Era aquele
Que levou seu amigo de volta
À Bota
Deixando conosco
A mobília?
6
deixe que minha canção
homenageie
o dia radiante
em que ele ergueu
o peixe
do tamanho dele
no riacho, aos 7 anos
7
Pompas fúnebres
Na garupa
da bicicleta
Meus pés enroscam
nos aros
Nas canelas dele
Presilhas
Enterraremos o macaquinho
no rio de detritos
Sobre a ponte
o esquife
Um pacote de açúcar
União pai e filho

8
Dote
Vendida
para pagar o casamento
Despedida
no guidão frio
Nas orelhas
vento

bio/biblio+poética:
Aníbal,

Na verdade, não sou poeta. A palavra “poeta” me cai mal. Sinto uma certa vergonha quando a ouço, e não me parece natural nem em Carlos Drummond de Andrade, o que certamente é um absurdo, de tão grande que ele é.
Meus favoritos são (note que não usei a palavra poeta): Ungaretti e Montale. Sou fã dos italianos da ficção, também (Natalia Ginzburg, Elio Vittorini, Italo Calvino, Erre de Luca). Portanto, é um mesmo pacote de afeição.
Faço 50 anos no final do ano.
Sou músico e escritor. Gravei sete discos, com duas bandas e sozinho. Publiquei três livros de contos. Espero nunca mais escrever outros. Por via das dúvidas, acabo de arrematar três novelas, mas desconfio que não passam de contos esticados.
Fiz uma porção de coisas, portanto, mas nada de muito importante.
Minha ignorância sobre o que se faz de poesia no Brasil hoje é total. É para você entender por que não consigo indicar poetas (mas, pensando bem, li Francisco Alvim faz tempo, e Micheliny Verunsky e Vincent Katz, americano da Vila Madalena, recentemente, e gostei. Lembrei que gosto muito de ler poesia).
Os meus “poemas” vão por vaidade ou não sei bem o quê. Talvez possa me purgar deles enviando-os a você. Foram feitos há bastante tempo.
Fique à vontade para usá-los ou não.
Um abraço
do Cadão Volpato

Monday, September 25, 2006

GRETA BENITEZ


mencionada por
Rodrigo de Souza Leão


menciona a
(apenas indiquei quem não estava ainda)Frederico Barbosa
Marília Kubota
Márcio Davie Claudino
André Aguiar
Alice Ruiz



poemas


Engarrafamento

Trânsito parado
a namorada do alcoólatra
de olho roxo
cantando contente
no carro ao lado.
Mais à frente
a mãe indiferente
à guerra das crianças
no banco de trás.
Logo atrás
um pálido em pânico
reza ao volante sagrado
suando agarrado a ele
como se fosse seu salvador.
Do lado de lá
a moça que tem uma porca
com colar de pérolas tatuada no braço
escuta músicas jamais compostas
em um cd imaginário, inexistente.
Assim ela esquece seu cansaço
assim como a doce febre que sente.
Em helicóptero, na TV, visto do alto
engarrafamento, trânsito lento
é apenas belo bordado
de carros no asfalto quente.
--

Ameaça
Venha a mim
Aproveite que a chuva ficou mais forte
E confie mais na sua sorte
Perceba que a luz ficou mais fraca
Aqui entre nós
Espera sem fim
Venha a mim
Antes que eu queira usar a faca


Águia

Tenho tudo de que preciso.
Portanto
minha asa esquerda serve de trono
para um imenso rei indeciso.
Sendo um ser sem necessidade de chão
minhas garras carregam comida
para a multidão.
Somos feitos de ternura e perplexidade
e as espalhamos com prazer
sobre cada nova cidade.


Greta Benitez





bio/biblio
Greta Benitez nasceu em Curitiba em 1971, onde aprendeu a gostar do clima invernal. É formada em publicidade e pós-graduada em marketing. Já ganhou inúmeros prêmios em vários estados do Brasil além de ter textos editados em várias revistas, como Oroboro e ETC. Em 1999 lançou o livro de poemas Rosas Embutidas (edição do autor), atualmente esgotado e no momento providencia o lançamento de Café Expresso Blakcbird.
www.geocities.com/gretabenitez



poética
Poesia é transformar flores em gatos. Insetos em dragões. Horror em maravilha. Poesia é alquimia.