Wednesday, October 25, 2006

SERGIO COHN


Renato Mazzini

menciona a
danilo monteiro
claudio willer
ronaldo bressane
alexandre barbosa de souza
luci collin







poemas

mnemo.

Há um resíduo de futuro
no vento, fotograma ante-
cipado, montagem de fragmentos
induzindo à cena. Como
aquela árvore se curvando com-
placente aos invisíveis pesos,
como o mormaço
predizendo chuva. Repito,
há um canto anterior
a qualquer canto, uma réstia,
um eco primeiro, como um som
que ressoa por dentro de cada
palavra, como todo gesto se
desenha e apaga, então
novamente. Há o revés,
o diáfano, o termo, beleza
posta e perdida, o desen-
cadeamente, assim
como a sede do vapor
por uma forma, assim
como tudo retorna
à imaginação
por trás da cortina
da memória.

(Horizonte de Eventos, 2002)


da visão.

desfazer o puzzle
e encontrar outro dentro:

não me interessa
o que esse pôr-do-sol
na Lagoa me oferta
com seus passantes
o horizonte amplo
e a árvore fincada
em pleno desvão
da Pedra da Gávea:

as verdadeiras questões
ainda estão para ser inventadas

(mas se o olhar perco
é asa de borboleta
pura chama congelada
o sol indo de encontro
com a água)

(O Sonhador Insone, 2006)


um contraprogama.

1
Esta montanha invade a cidade
e à sua margem penso
não no silêncio, na astúcia
e no exílio (que já foram
tentados a contento) mas
do lado de dentro
mesmo que impossível
extraviar-me no alheio

2
o alheio: não o outro
do morro ou o rosto
da rua, mas o que
ainda despercebido pulsa
e sobreviverá ao tempo
porque o fim disto
– desta cidade – não é
o de todas as coisas

(Revista Sibila, 2006)




mini-bio

Sergio Cohn nasceu em São Paulo, em 1974. É editor desde 1994 da Revista Azougue, e em 2001 criou a Azougue Editorial. É autor de “Lábio dos Afogados” (Nankin, 1999), “Horizonte de Eventos” (Azougue, 2002), e “O Sonhador Insone” (Azougue, 2006). Mora atualmente no Horto, no Rio de Janeiro, junto da Araci e do Leo.
editor@azougue.com.br



poética

Ruptura e encantamento.





JOSÉ RODRIGO RODRIGUEZ


mencionado porÉrico Nogueira

menciona a
Priscila Figueiredo





poemas


Terra
O momento certo
não existe
pois é o tentar fazer-se homem
quem dita meu lento ritmo.

afazeres
tentações
diluições, tentativas
álcool, fumo, jornais
muito pouco importa o vício
a idade certa que avança
onde, longe, liga e gira
o chão das idéias esparsas
e afiados cacos precisos

isso quando pensar é possível
fumar longamente o salário
na tarde que antecede
cede a morte
em estado líquido

isso quando é aceitável
a busca seca de sentido
a boca seca ausentada
da palavra
suicídio.

(em Meus Seios, ed. Nankin, São Paulo)





Meus seios

Mãos sobre o peito,
procuro ar nos pulmões,
meu filho escolhe andar
com suas próprias pernas.

Faz frio, faz calor, escuto
o cantar de pássaros sujos
entre ônibus e motocicletas,
meu filho escapa entre luzires.

Acordo sentado na cadeira
vejo sinais de sangue e espuma
sobre seus ombros, o filho
que herdei de seu Pai morto,

espera algumas palavras antes
de ir dormir. Esqueço de lembrar
meu nome, mãos em meu peito
quem extirpou-me os seios?

A mulher que me tornei responde
atenta, com gestos curtos por trás
do bigode, recolhe seus véus entre
as pernas, oculta anatomia.

A mulher que me tornei derrama
soluços sobre o chão de pedra,
seus pés descalços ... Ofereço
o leite de meus seios aleijados

ao vazio de meu corpo estranho.
Marcas do filho que nunca pari
doem fundo, longamente,
exasperando uma a uma
cada fibra.


(em Meus Seios, ed. Nankin, São Paulo)








Flower Children




Pessoas que não fôra,
o semblante espelhado
nas letras; ásperas letras
de sangue e papel, tinta e lágrima.


Eu teria sido aquele que li,
eu teria vida assim, vagido,
pequenas flores cultivadas
em cada pedacinho de chão.


Quem sabe? Eu gostara que
plantássemos milho e cevada;
eu esperava pelo homem
na varanda pintada de azul.


Sangue e papel, tinta e lágrima,
veja as fotos e as pegadas
e eu, por onde andarei?
Que vagares? Que derivas?


Eu também te amaria, também
as pessoas mortas que eu não fui;
amor, vem comigo, esperar a memória
fazer renascer a manhã espessa,


aqui a memória da palavra
hoje,
nossa vida
nossa casa.


(em Meus Seios, ed. Nankin, São Paulo)














bio/biblio


José Rodrigo Rodriguez é poeta, professor e pesquisador. Estuda Direito e Filosofia.
Publicou Meus Seios pela Editora Nankin de São Paulo mais livros de circunstância.




poética


É comum as palavras se cansarem de mim. Então, eu fico muito aflito, sem saber o que fazer. Comprar-lhes um vestido novo? Levá-las para passear? Nada disso funciona. Não adianta nada. A melhor coisa a fazer é sentar e ouvir o que elas têm a dizer.


Para além de seus afazeres diários, de nomear as coisas para que possamos comprá-las, pegá-las e comê-las, há muito que figurar.


A poesia se faz assim, quando permitimos que as palavras não cumpram o seu dever.

























Sunday, October 22, 2006

LU LAPAN


mencionada por
.
menciona a
Maira Parula
Caco Ishak
Fred Girauta
Mariana Lavrado
.
poemas
.
1
o ciclo do alho
a aba do despenhadeiro esconde o aberrante Klor.
vive sossegado nas paragens de Murmur, onde os homens são respeitados na proporção das florescências de alho que carregam em volta do pescoço.
sua mente sanada pelo apaziguamento meditativo não perde tempo elocubrando o ócio.
nos dias em que a passagem do tempo dá aquela acelerada habitual, aproveita para pastar capim gordura e promover uma gama de reações cínicas anti-explosão plasmolisante do lisossomo mau.
mesmo que cacareje o Sr. Consul, dono das geladeiras, e relute na não reposição dos ovos nas portas, nada impedirá que desmaiem as margaridas recostadas no declínio abismal, devido à tamanha despretensão que acompanha a nuvem sabor alho que se forma quando Klor berra de serenitude e satisfação.
.
2
Os Mistérios da Punta que Pariu
Punta era garbosa.
Suas cores farfalhafatosas lhe incumbiam utilidade na função de figurinha auto-adesiva.
A qualidade do grude, porém, revelava deslizes em sua ab-rogada aderência.
Falava-se sobre sua existência tal qual a de um sabonete submarino de banheira.
Cansou de si perdida e, subexistindo com fantasia de panfleto, foi ter com o mestre Super Bonder.
Pariu. Uma possante tarja de patrulha somente arregaçável pela força de 95 macacos-zumbis babadores de gosma guar.
.
3
tio darwin disse isso
a praia foi a porta de entrada desses seres então diminutos.
sustenidos com negação em afinar, preferiram, no remoto, o som de uma nota de
crack de carapaça de caranguejo, de ploft de bolha de ar de peixe respirando e tchaaahh! de onda muito forte batendo.
e não compraram o óleo para besunte e fritação da pele.
despareceriam facilmente murchos de desidratados.
e salgados de tanto beber água de caldo de caixote, correriam o perigo de serem confundidos pelo vendedor de lagostas.
hoje gostam de ficar na sombra bonitinhos sem emitir percussões, inspirando conspiração para a evolução de espécies comportadas.
.
bio/biblio:
Lu Lapan confecciona monstros de pelúcia para esquisitolândia(http://esquisitolandia.blogspot.com) e escreve textos para a baleia pelancuda(http://abaleiapelancuda.blogspot.com). Eventualmente compõe letras e/oumúsicas para os extraterrestres (ou ostrasterrestres). É autora da letra de“Malditos Decompositores”, canção da banda Gritadores, e do poema “o acaso doporco” (publicado na revista Cult de maio/2006 na matéria “Virando as Latas doContemporâneo”, por Marcelo Diniz).
.
poética:
próximo à janela havia um velho barbudo eterno que grunhia i...
todos passavam.
por uma estranha razão saíam cantando i-i-i-i-i dadaradá...
foi então que no fim do dia chegou o entregador de bezerros.
e o velho finalmente concluiu:
ich liebe dich.
FABRÍCIO CORSALETTI


mencionado por
Pedro Cesarino
Dirceu Villa
Francisco Alvim

menciona a
dirceu villa
alberto martins
alexandre barbosa de souza




poemas



MOVEDIÇO


sou antigo e
movediço
como o mangue

não sei
como não enlouqueci
aos 16

ainda tenho forças
pra destruir este quarto
este corpo os postes
da rua –

mas não posso
morrer não posso
não assim
maravilhado

A ARANHA


Não importa a idade, a aranha
em algum momento
se cansa e não quer mais
atear suas lentas cordas no espaço
infinito. O mundo lhe parece
veloz e estranho, e raramente ela deseja
ser veloz. Está liquidada, e segue em linha
reta, sem olhar para os lados,
porque os movimentos circulares a entontecem;
além de duvidar da suposta liberdade
que a loucura de caminhar em labirintos elásticos
pudesse lhe dar: crê que o louco sabe que é louco.
Enfim, ela quer um ritmo justo.
Eufórica, esse ritmo (que ela apenas intui)
se transforma, e de olhos fechados, escura e fosca,
ela sonha ser – mas isso seria a alegria! –
uma enguia num mar branco,
um límpido escaravelho.




ELA E SUA CIDADE


Vai buscando as nuvens compactas,
como um samba perfeito,
nesta tarde de sol em que a poesia
é menos que a poesia.
Sabe onde estão os vidros da noite.
Tem dedos infinitos,
narinas transparentes,
imperfeitas sobrancelhas intocadas.
Nos seus quadris começa o mundo.
Seu passo aperfeiçoa o amor.
Há redes grávidas, amarelas
em toda a costa do mapa.
De cada bicho rouba uma surpresa.
Pantera branca, garota de colégio
(jamais um tigre de Bengala
desbotado); brancura acinzentada
do cinema em preto e branco.
E as palavras vivas, na boca viva,
são um pensamento livre.
(Ela deveria ter sido poupada para o mundo justo.)
Antes de se cansar, desaparece.
Depois amanhece.
Viver para ela deve ser bom.







Fabrício Corsaletti nasceu em Santo Anastácio, SP, em 1978. Formou-se em Letras pela USP e trabalha no mercado editorial. Publicou os livros Movediço (Labortexto Editorial, 2001) e O sobrevivente (Hedra, 2003), de poesia, e o infantil Zôo (Hedra, 2005). Em 2007 a Companhia das Letras publicará seu livro Estudos para o seu corpo, que reúne os livros de poemas já editados mais poemas inéditos.























Saturday, October 21, 2006

CHACAL


mencionado por
Michel Melamed
Zuca Sardan
Francisco Alvim

menciona a
Marcelo Montenegro
Luís Felipe Leprevost
Paulo Henriques Britto
Viviane Mosé
Chico Alvim
Zuca Sardan



poemas



a palavra e o corpo

a palavra mora no papel
com vírgulas hífens crases reticências
leva uma vida reclusa de carmelita descalça

o corpo aprende a ler na rua
com manchetes de jornais
jogadas na cara pelo vento
com gírias palavrões
zoando no ouvido
com gritos sussurros
impressos na pele
o corpo sabe letras com gosto
de carne osso unha e gente

o corpo lê estrelas
o corpo conhece os sinais
o corpo não mente
o corpo quer sair do sufoco
o corpo quer dizer o que sabe
o corpo sabe
o corpo quer
o corpo diz:
- falapalavra !!!


publicado em " a vida é curta pra ser pequena" (2002)





caro ácaro
I

bailar
como um dervixe
como um zulu

bailar
e abolir o fixo
o estável o previsto

bailar
e bulir com as células
a linfa o plasma

bailar
e fluir como um rio
e flanar pelo rio

bailar





II

dançar
e não estagnar, carne triste
em presídios, hospícios, escritórios

dançar
e deixar o corpo ditar o rítmo
e deixar a boca soltar a voz

( quem sou eu para contrariar meu corpo
aliás, quem sou eu senão meu corpo?
quem é esse que diz eu?

um anãozinho com distúrbios sexuais?
um infeliz que se faz de vítima?
um bípede implume? um impostor vulgar? )

dançar



VIDA ERRADA

Estou passando pelos 35 anos de poeta desde Muito Prazer, Ricardo, cem cópias mimiografadas em 1971. Fiz 13 livros, fui incluído em antologias do final de século. Sou muito grato por isso. Mas não me considero um poeta no sentido literal da palavra. Não consegui dominar o verso. Nunca experimentei o soneto, o heptassílabo, não dei a mão à métrica. Tão pouco resolvi a equação arte = vida. Não, não sou um poeta. Li muito pouco. Só falo, mal e porcamente, o português. Fui poeta sem ter a sombra dos mestres. Foi um impulso irresistível em tentar me expressar. Sou poeta para me expressar. Não sou músico ou pintor, dançarino ou ator. Sou poeta. Mas não devia. Sou um poeta que se revoltou contra o papel e foi em busca de um corpo que fala. Um corpo que faz parte da vida e da cidade. Um corpo que entre outros, fala poemas. De passagem.


bio: escrevi 13 livros. o primeiro foi "muito prazer ' (71). o último " a vida é curta pra ser pequena (2002).
editei a revista O Carioca (96 / 98). Dirijo o Centro de Experimentação Poética - CEP 20.000 - desde 1990.
Fiz parte da Nuvem Cigana.

quanto à poética: poesia = ôôôôô bah....
FERNANDO KOPROSKI


mencionado porRodrigo de Souza Leão


menciona a
Luci Collin
Alexandre França
Luis Felipe Leprevost
Thadeu W.
Mario Bortolotto




3 poemas de Fernando Koproski:


vênus de velázquez
vênus que vem em luas
em nem
pétalas de nuvens

vênus de rubens
vênus de uma beleza
a mais digna
que se possa pensar ou pretender

vênus de dalí
vênus que não guarda
esconder

uma a uma
vênus só veste
o que se fez sentir

um dia ainda, senhor
há de ser vênus
o que se deixa ver
em tudo que eu vivi



ódio platônico
a tua dor que me desculpe
o que você sente nem tem mais sentido
amor então que me preocupe
mas o teu ódio não será correspondido

para odiar te falta destreza
nesse olhar mais mágoa que a tristeza
se ainda não tiver percebido
tua aspereza não me deixa comovido

nem se disser que o que você sente
para nós dois é suficiente
terá possibilidade

um dia você vai entender obsessão
e não ódio de verdade
o que se odeia quando se adia o coração





a song that sings butterflies
há borboletas dentro de minha cabeça, querendo sair a
qualquer custo. não as importa o escuro de dentro, mas esse
som que não é música – um ruído que azul as faz flutuar por
todas as possibilidades incontornáveis de dor.
há borboletas se debatendo dentro de minha cabeça.
e não sei o que fazer. hoje elas já amanheceram assim. as
borboletas me olham azuis, as borboletas nascem azuis.
nascem da fragilidade feito a fragilidade fosse flor e não o fim.
a ternura são todas as pétalas do jardim. as borboletas são
entrega de sol ao lago. são sins, são nãos, são talvez. sins de
cisnes em não de noites, talvez a tez que têm todas as flores.
as borboletas, só o que há entre o início e fim dos beijos de
nós dois.
(de Tudo que não sei sobre o amor)


bio/biblio

Fernando Koproski nasceu em Curitiba, em 1973. Publicou os livros de poemas: Manual de ver nuvens (1999), O livro de sonhos (1999), Tudo que não sei sobre o amor (2003), incluindo CD que apresenta leitura de poemas na voz do autor e temas musicais compostos por Luciano Romanelli, e Pétalas, pálpebras e pressas (2004). Organizou e traduziu a antologia poética de Charles Bukowski Essa loucura roubada que não desejo a ninguém a não ser a mim mesmo amém (7 letras, 2005).




poética:
a poesia não está no que os poetas dizem
a poesia não está no que os poetas
falam em suas poéticas
a poesia não é o que eles pensam
que os poemas pensem
após passar a noite, a minha linha toda
bebendo poemas
como qualquer outro blues
quem disse que é poesia esse teu bafo de luz
que por onde passam as musas mentem?


Saturday, October 14, 2006

RODRIGO GARCIA LOPES

foto: Norma Lessa Ryan


mencionado porClaudio Daniel
Mariana Ianelli
Ademir Assunção

menciona a
São tantos de qualidade hoje no Brasil. Citarei apenas 5 (cinco) que ainda não foram citados por ninguém (creio).
Jairo Batista Pereira
Maurício Arruda Mendonça
Karen Debértolis
Dennis Radünz
Monica Berger





poemas
ZEITGEIST



Nocauteando celebridades disfarçadas de pingüins
Monitorando a muvuca das transações e trapaças alpinistas
Serpenteando entre escadarias cravejadas de citações
Chutando o balde do crepúsculo com o bebê da aurora dentro
Chegando firme na dividida com a mentira, pisando o calo da calúnia
Colecionando estoques de paciência e delatores pederastas
Beliscando morenas de fiberglass e pixels de altíssima definição
Pegando marqueteiros pela orelha, levando o bispo milionário pelo pescoço
Mostrando seu catálogo de golpes de jiu-jítsu para web designers
Apavorando editores de moda com crucifixos de merda
Partindo pra ignorância pra cima das floriculturas
Esfaqueando a manhã e as boas intenções com sua adaga afiada
Pulverizando jogadores de genoma e modelos chipadas
Dando geral nos arquivos adulterados dos tribunais de justiça
Assaltando pipoqueiros metafísicos e banqueiros artistas de fim de semana
Distribuindo pirulitos de ácido para críticos literários
Arrebentando a boca da razão com denúncias inconseqüentes
Estrangulando docemente a tarde carregada de câmeras de vídeo & trance music
Pregando a irresponsabilidade fiscal, e anthrax para todos,
Rifando o shopping lotado de idéias fixas com um grito de jihad
O homem-bomba entra no poema.


(De Nômada, Lamparina, 2004)




EM ABERTO MISTÉRIO
"A realidade trabalha em aberto mistério"
Macedonio Fernández


O Olho
atrás
do que o consome:
Essas horas sem nome
E a rapidez das coisas
Muito além da linguagem
E da escuridão.

Somos apenas
Uma consciência de si
Que o olho empresta ao velho ver
Ao velho mundo
Uma desculpa para ser.


As coisas que ele vê
Estão mais distantes
do que possam parecer.
Silêncio: linguagem fala.
A paisagem estala
De realidade.


Pensagem:
No tempo de um relâmpago,
A mente bebe um poente.
Essa tem sido a velha lei.


Desconfiar dos espelhos
De espetáculos
E do que os olhos não vêem.
Ser é perceber, dizia Berkeley.
Nem sempre foi assim:


Veja, a um palmo
Do paraíso
O olho, fechado, preciso,
Avista o Olhar.


Fosfenos relincham
Desenhos insólitos
Sua sede de mais:
assaltar o real
de dois olhos abertos.


"O vento respira
meus pensamentos sem corpo
(A alma fica sem fôlego)
(Sua meu silêncio)".


Vê a si, olho, ilha de
puro movimento agora,
limitado entre a língua
e as horas.


Decalca o painel do poente
Com sua fome de impossível
Refúgio, momentum,
Ideogramas de luz.


No olho do furacão
Onde ele
É mais tranquilo.


Duplo de si,
condenado a ver,
mas separado.
Quem observa?
A pupila,
Sua serva?


Se o que ele vê
É o real
Então o que é isto
Que se desloca
Com a velocidade de um piscar?


Não sou isso que ele percebe
Pois assim a escuridão me mataria.


Entre a música e o mundo
No silêncio de sua curvatura
Entre o som e esta chuva
Muitas respostas sem perguntas.


O olho, sem passado,
fluxo elétrico
Atrás
Do que parece ser
Ancora suas sombras
Arde no instante de ar


Mas, inalcançável,
Tudo isso avança,
Foge de você, pele,
Lento papiro,


Vácuo de voz,
Um nada que vocifera
Entre o ser que se dissolve
– fresta no silêncio –
E o olhar que lucifera.
(Inédito, 2006)












Rito
Alertas, trapaças, cobranças, compromissos:
Quantas ilhas sem edição, vidas sem viço,
A morte visita sem aviso?
E, afinal, pra que mesmo tudo isso?


O que deu nesse mundo, caduco,
O que ficou do tempo em que viver
Era mais que só mudar de assunto
Era rito, um estado de espírito?


Ou quando olhar era uma reza,
Pensar que revelava a leveza,
Música vindo de dentro
(Precisa de centro?)


Uma revolução do sentir nos fez ateus:
Quisemos então ver a face de Deus.


E você a meu lado, lembra
De quando bastava uma fagulha
Pra explodir uma Bastilha?












bio/biblio
RODRIGO GARCIA LOPES (Londrina, PR, 2/10/1965).
Blog: http://www.estudiorealidade.blogspot.com
Poesia
Solarium (Iluminuras, 1994)
visibilia (SetteLetras, 1997)
Polivox (Azougue, 2001)
Poemas selecionados 1984-2001 (Atrito, 2001)
Nômada (Lamparina, 2004)
Tradução
Sylvia Plath. Sylvia Plath: poemas (Iluminuras, 1990). Com Maurício Arruda Mendonça.
Arthur Rimbaud. Iluminuras: gravuras coloridas (Iluminuras, 1994). Com Maurício Arruda Mendonça.
Laura Riding. Mindscapes: poemas (Iluminuras, 2004)
Anônimo (do anglo-saxão). The seafarer / O navegante. (Lamparina, 2004) no prelo
Walt Whitman. Leaves of grass / Folhas de relva. (Iluminuras, 2005)
Entrevistas
Vozes e Visões: panorama da arte e cultura norte-americanas Hoje (Iluminuras, 1997).
Com Allen Ginsberg, John Cage, John Ashbery, Amiri Baraka, William Burroughs, Chick Corea, Nam June Paik, Marjorie Perloff, Meredith Monk, Lawrence Ferlinghetti, Charles Bernstein, entre outros
Música (CD)
Polivox (2001)
Teatro
Iluminuras. Gravuras coloridas. Com Maurício Arruda Mendonça, Sidney Giovenazzi e Adriano Garib (1994)
EM ANTOLOGIAS
Outras Praias – 13 poetas brasileiros emergentes (Iluminuras, 1998)
Esses Poetas, uma antologia dos anos 90 (Editora Aeroplano, 1998)
Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século (Objetiva, 2001)
Literatura Brasileira Hoje (Publifolha, 2004)
Antologia Brasileira da Poesia do Século 21, ( Publifolha, 2006)
Cities of Chance: an Anthology of New Poetry from the United States and Brazil (Rattapallax, 2003).










poética
Poesia: uma viagem que se faz parado.

JANICE CAIAFA


foto: Vladimir Freire


mencionada porPaula Glenadel


menciona a
Patrícia Burrowes
Ronald Polito
Vivien Kogut
Carlos Tamm
Paulo Henriques Britto
Adolfo Montejo Navas


poemas



Ruas perigosas
Se me viro
me vejo chique
na poça da rua
me viro na rua
vejo na poça d'água
o rebrilho do batom
a meia corre o fio
no beco corro o risco
do cabelo à cata de um grampo
que envie
na carne, coiffure de lanhos
linhas varam o céu nojento
telefone e telégrafo
no terreno baldio
(Do livro Neve Rubra)


Corpo celestePôs-se o Sol, majestade
depôs-se o rei
para repor-se todo dia,
foi-se a esfera da tarde
rosto que cai sob o rochedo.
Para perder-se na curva da Terra
Para dispor-se os fogos a furto
Para expor-se a um povo remoto
Para voltar-se rumo
a outro horizonte
para a nós estar em puro
Poente. Indo, o dia
resta nas coisas em torno
E a noite surge ela-mesma
sem ser seu oposto:
não sua ausência
mas um outro reino
que o pôr-se próprio inaugura.
(Do livro Fôlego)



Três Deusas

Afrodite
Saiu do mar Afrodite
de uma só vez, cortando
a água e soltando
o ar com estrondo
numa borbulha salgada.
Seu trono redondo
que era concha de coral
se abriu com o pulo
violento até a tona,
sendo o leito natural
de seu nascimento.
Foi uma irrupção e não
um surgimento plácido,
espuma fácil – mas aguda
emergiu a deusa-medusa
expondo a beleza
ao golpe e aos ares.


Mesopotâmia
A Mesopotâmia saiu do rio,
de entre rios, serviu
de leito, de margem à água:
saiu inteira, subiu
em torres, em altos palácios
surgiu perfeita
fértil e severa
a bela terra
hoje destruída
por armas modernas
se conserva dádiva.


Palas Atena
Atena saiu da cabeça de Zeus.
Em dores terríveis o deus
pediu a Hefestos que a rachasse
e da fenda Palas Atena nasceu,
como se sabe pela lenda,
irrompeu de espada e lança
como um exército avança
de surpresa, já pronta perfeita
em túnica de guerreira
a deusa única e primeira
absoluta intensa
que produziu a si mesma
sem descendência
a deusa máxima da inteligência
que emergiu pelo golpe do ferreiro
da cabeça mundana do universo.

(Do livro Ouro)









bio/biblio
Janice Caiafa nasceu no Rio de Janeiro. É poeta, antropóloga e professora da Escola de Comunicação da UFRJ. Publicou, entre outros, Jornadas urbanas: exclusão, trabalho e subjetividade nas viagens de ônibus na cidade do Rio de Janeiro (Editora FGV), Nosso século XXI: notas sobre arte, técnica e poderes (Relume Dumará) e, pela 7Letras, Neve Rubra, Fôlego, Cinco Ventos e Ouro. Traduziu As Rosas, de Rainer Maria Rilke (7Letras). Tem vários artigos e poemas esparsos publicados – por exemplo, na Trópico, revista on line.




poética

Algumas anotações
Poesia é pura experimentação. Ali o trabalho com a expressão é o mais arriscado, o poema só prossegue num percurso de ousadias, de busca de mais intensidade. A poesia se dedica especialmente a essa aventura, ela investe antes de tudo na tensão que abre a língua para uma expressão criadora. Ao mesmo tempo, o poeta não trabalha contra a língua. Muitas vezes se observa como tentativas de surprender a língua contra ela mesma resultam em repetições ou volteios que acabam eles próprios criando padrões, resultando portanto em meros truques técnicos. O trabalho poético recolhe na língua o que já se dá como variação – em acordo com ela e ao longo de suas linhas mais intensas e estranhas.
O poema oferece ao leitor essa experiência de estranhamento – o confronto com a variação produz uma relação de novidade com a língua ao mesmo tempo em que faz pensar e desperta afetos potentes, introduzindo também uma diferença na nossa relação com o mundo. Porque a expressão criadora está ligada aos conteúdos mais arriscados também, mais transformadores.
É uma oferta porque o trabalho da literatura – e fortemente aí o da poesia – acolhe o leitor, produzindo novas experiências, só se realiza se vai ressoando suas descobertas para outros, engajando-os nessa experimentação com a linguagem, o afeto e o pensamento. É um campo criador que a escritura deflagra. Esse o engajamento, a política da literatura: criar, fazer criar. Vê-se como o escritor, o poeta figuram aí como componentes desse arranjo criador – e não como autores plenos de uma obra que se torna pessoal e alimenta uma carreira. Quando a dimensão autoral precede o texto, toma a dianteira, só faz obstar o processo criador. Para que se produza a criação como processo, como campo – ou seja, para que haja literatura –, o escritor deve entrar como singularidade (e não como identidade cristalizada), como um componente crucial e singular desse arranjo.
Como a poesia está na ponta, arriscando, arremessando-se, aguçando radicalmente a experimentação que é questão na literatura, ela mais fortemente ainda adere a esse engajamento tão especial. Rilke comparou a aventura poética com a respiração, por sua atividade de troca essencial com o mundo, tal a entrada e a saída do ar do ambiente num corpo, produzindo vida. Essa troca vital bem realizada produz um espaço raro, o espaço poético ou "angélico", onde o poema vinga, acontece.
Mário Quintana também falou do poema como uma forma vital de respiração – já por trabalhar diretamente com o ritmo, já por insuflar por isso mesmo uma respiração nova no leitor – "abre uma janela", "salva um afogado". É fascinante como um poema revolve as palavras e nos faz entrar num ritmo outro, nos oferecendo uma nova experiência da linguagem e no mesmo golpe conseguindo com isso uma sugestão também inovadora na nossa relação com a vida. É assim que a poesia vive antes de tudo dessa entrega ao papel de criar e fazer criar.
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ANA ELISA RIBEIRO




menciona aElisa Andrade Buzzo
Mônica de Aquino
Lau Siqueira
Luiz Roberto Guedes


poemas



Peças de madeira em pau-marfim

A linha dos olhos
faz flechas da cor de futuros
As mãos formam conchas
de pegar contentamentos
Os pés são grandes como
as telas holandesas realistas
O corpo inteiro é um tabuleiro
de jogar jogos de azar
As costas quadriculadas
As coxas quadriculadas
A boca quadriculada
Onde eu me finjo
de dama




Antigüidade d’onde viemos
Péricles disse que a maior virtude de uma mulher
Era ficar calada.
Péricles se fodeu.
Péricles, hoje, levaria uma surra
dada por mil mulheres como eu.






Ciuminho básico
escuta
calado
a proposta rude
deste meu
ciúme:
vou cercar tua boca
com arame farpado
pôr cerca elétrica
ao redor dos braços
na envergadura
pra bloquear o abraço
vou serrar teus sorrisos
deixar apenas os sisos
esculhambar com teus olhos
furá-los com farpas
queimar os cabelos
no pau acendo uma tocha
que se apague apenas
ao sinal da minha xota
finco no cu uma placa
"não há vagas, vagabundas"
na bunda ponho uma cerca
proíbo os arrepios
exceto os de medo
e marco no lombo, a brasa,
a impressão única do meu dedo.



bio/bilio

Ana Elisa Ribeiro nasceu em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, em 1975. Graduou-se em Letras, língua portuguesa, e desenvolve tese de doutoramento sobre a formação de leitores de textos na Internet. Publicou Poesinha (Poesia Orbital, 1997) e Perversa (Ciência do Acidente, 2002), além de minicontos e poemas em revistas e jornais, no Brasil e em Portugal. É cronista do site Digestivo Cultural (www.digestivocultural.com). Tem dois livros prontos para serem publicados: Meu amor é puro sangue, de contos, e Portáteis, de poemas.


poética
Um jeito exato de dizer as coisas? A poesia de que eu gosto não pode ser simbólica, nem aproximada. À maneira do que diz Ítalo Calvino em suas seis propostas, identifico a poesia com a exatidão do que é dito. Melhor: não com o conteúdo, que pode ser inexato, como de resto tudo é, mas o jeito de dizer, a forma que se propõe, sim, esta deve ser exata. E ao mesmo tempo leve. Poesia que tem peso me parece prosa. Talvez fosse um romance travestido com a roupa errada. Um engano. Poesia deixa bolhas no ar. É um atrevimento. Mas vejam que ela consegue suspender tudo no último verso. Eu acredito em chave-de-ouro como ninguém. Um poema não pode ser em capítulos. Ele é tudo. Não digo daquela chave-de-ouro com rimas, mas do fechamento da idéia num zíper de aço cirúrgico. Precisão. O poema tem que conter. E deixar o leitor incontido.

Friday, October 13, 2006

SIMONE BRANTES



mencionada por
Carlito Azevedo
Marília Garcia
Caio Meira
Daniela Storto

menciona a
Vou mencionar os poetas (quase todos publicados pela 7 Letras) que foram decisivos quando escrever poemas deixou – pelo menos por um bom tempo – de ser uma prática esporádica, mais especificamente em 1999:
Adélia Prado
Alberto Pucheu
Aníbal Cristobo
Armando Freitas Filho
Caio Meira
Carlito Azevedo
Eucanaã Ferraz
Ferreira Gullar
Paulo Henriques Britto
A leitura de muitos outros poetas veio depois, mas já foram – acho que todos – mencionados.


poemas



PASTILHAS BRANCAS
Dormi calma por duas pastilhas brancas embalada,
como quem não tem ocupada a alma por tudo que dói.
Talvez, apartada de mim, minha dor tenha andado por aí perdida
ou tenha ficado o tempo todo aqui bem próxima
estendida sobre a cadeira
como essas roupas que se despem na véspera
e se vestem sem pudor no dia seguinte.



(Pastilhas brancas)
Pernas desgraciosas entre duas
pistas de carros
em movimento ela coça as coxas,
não preciso ver seu rosto e saber
que é feio, o casaco amarelo chama
atenção mais que a sua vida, nunca o vento
em seus cabelos
será belo.


(No caminho de Suam)
O sonho é só uma história
que a memória
de manhã transforma
em paisagem:
é só uma miragem,
uma peça que a razão
te prega.
Tente se lembrar da
sombra que há sob
toda árvore:
no sonho não há sombra
só claridade.


(No caminho de Suam)






Poema para memória de um sonho com homem, roupa e águaA costura se esvaía
na água represada
e já não havia o que juntava
o punho à manga
a manga ao corpo
da camisa.
A falta de roupa
estreitava o corpo
ou o corpo
no fim da roupa se esvaía?
A pele era pesadelo
falta de poros para
a passagem que é humana
mas que só um galo
ao seu simples chamado
abria.


(Inédito)

Ela me disse: meu coração
quer sair pela boca, eu
segurava minha boca
para que não saísse
pelo coração.


(Inédito)






bio/biblio:
Publiquei o livro Pastilhas brancas (Rio de Janeiro: 7 Letras, 1999) e No caminho de Suam (Rio de Janeiro: Moby-Dick, 2002) e poemas nas revistas Inimigo Rumor, Etc. e Poesia Sempre.




uma poética:
"O artista inconfessável", de João Cabral de Melo Neto
Fazer o que seja é inútil. / Não fazer nada é inútil. / Mas entre fazer e não fazer / mais vale o inútil do fazer. / Mas não, para esquecer / que é inútil: nunca o esquecer. / Mas fazer o inútil sabendo / que ele é inútil, e bem sabendo / que é inútil e que seu sentido / não será sequer pressentido, / fazer: porque ele é mais difícil / do que não fazer, e dificil- / mente se poderá dizer / com mais desdém ou então dizer / mais direto ao leitor Ninguém / que o feito o foi para ninguém.

MAURÍCIO CHAMARELLI GUTIERREZ



mencionado porLuis Maffei
Alberto Pucheu

Maurício Matos




menciona aJoão Fagerlande
Márcio-André
Vítor Paes
Maurício Matos
Ronaldo Ferrito



poemas
Díptico:



1/9 – CartaPara Ronaldo Ferrito
Meu cobertor – quase um véu de luto.
É manhã
E daqui da praia posso ver as enormes velas brancas hasteadas no horizonte
Como se o mundo fosse partir.


O céu jamais saúda o nosso setembro com olhos azuis
É sempre esse sorriso pálido que acena
A estampa desses dentes brancos pelo lado de dentro:
Fomos engolidos e não resta lá muito mais a ser visto.


E me levanto.
Vindo à tona de debaixo das cobertas como quem desenterra orgasmos
Rompendo a veia dessa boca
Não sei se em nascimento ou anunciação.


Eu sempre te saúdo com palavras rubras
Como as de antes
Como as manhãs. Como as paixões colhidas em silêncio.


Ah! meu caro! O quanto fomos irmãos! O quanto ainda o somos!
O quanto me dizias que cada passo celebra o último
e o próximo.


Quero ainda ver! Quero ainda ver!


Não esgotei minha vida num berro de saudade
Ou num soluço!


A exata e justa medida de qualquer coisa,
Quis não deixar pra trás nenhum futuro de pretérito
e fui.


– Mando saudades de cá da terra e abraços


O céu iça suas velas
No horizonte, o carrancudo semblante de um relâmpago,
E eu clamo por ventos.


Primavera nos dentes


Mas outubro,
Outubro se anuncia entre esses dentes.
Não sei se de dentro
– como vômito
Ou se de fora
– como soco
Mas outubro, outubro se anuncia,
E aqui, ao lado o fantasma de um desejo,
Jaz a acidez raquítica do meu silêncio.











Por exemplo o beco cinza

Quando passo o beco cinza,
Quando volto os olhos pelos passos dados dentro do beco cinza,
Quando penso que volto os olhos pra reconstituir os passos que transpuseram o beco cinza,

As ruas mudam de lugar,
e os paralelepípedos

Atrás de mim

à minha frente

E sou um desaparecido




Giant Steps: Invocação

Voz do cárcere de Pisa em Andante:

Um homem cercado de espelhos
Ruge.
E toda nobreza é velada em seu canto.

Envolto em espelhos,
Grita toda beleza que exala

– Estrangeira mão que impede o passo
Os dedos rijos, a palma encara-me

E ainda admirar todo poder de mergulho,
Todo salto em terra estranha

Um homem refletido em espelhos
Ricocheteia sujeito a si.

– Não me impedirás de te dizer palavras rubras,
:
Quando vier a vida,
A mesa disposta, a cara suja: cada coisa fora de lugar.

De todos os lados correntezas me querem levar,
Espelhos querem sujeitar-me,
Atribuir-me um rosto.

– Não me impedirás de te dizer palavras rubras
E admirar toda capacidade de mergulho,
De perdição em terra estrangeira.

§ Ad libitumO pensamento,
Máquina de engrenagens entregues ao tempo,
Sujeitas a toda ferrugem do poder,
Range.
Alheia a todo controle,
A vida fala em mim a passos de gigante,
Salta sempre adiante a arrastar a razão
Que divide compassos, sôfrega,
Harmoniza intervalos
E ritmos
Incalculáveis.
§
O amor na retaguarda, já lutei em campos verdes.
Hoje levo o peito aberto
E não mais me desespero
A fronte, limpa de todo ódio, saúda todo imigo.
Todos me dão nomes, puxam-me as orelhas:
Me querem fazer lembrar

§ Moderato
Consta que caminhava em espirais o velho a que um dia chamei de pai. – De modo que sigo sempre em todas as direções – dizia-me ele.
Erradicado em todo esquecimento,
Um fruto.
É a lição dos astros: elipses sobre elipses sobre elipses. Curvas entorno de curvas.
Brota. Esquece-se.
De modo que sempre se tem de voltar para aonde já se foi para se poder ir adiante: em todas as direções como a copa das árvores.
§

§ Allegro vivace
Parar incógnito num banco de praça
Ante o silêncio do mundo, ocupar-me só do que sou
E sorrir.

O verso afunda ao toque
Mas se presta ao salto

Deixar-me levar pelo ensejo e descobrir
O tempo enquanto o instante faz.

O que hoje levas no peito amanhã levarás nas costas senão entenderes que tudo se vai que nada de importante com o tempo se perdeu ontem que o mesmo tempo não nos esteja oferecendo hoje
:
o afeto que tens é o emblema da força no afeto que terás
Rall------ .





bio/biblio:
Maurício Chamarelli Gutierrez nasceu em 1984 no Rio de Janeiro, onde mora até hoje. Estuda Letras na UFRJ e toca saxofone nas horas vagas. Os poemas acima pertencem ao livro "Corpo Tênue", lançado em maio de 2006 pela editora carioca Oficina Raquel.






poética:O que é poesia: não sei. Mas está de pé. E move-se mais rápido do que deveria.

Monday, October 09, 2006

PAULA PADILHA


foto: marisa vianna



mencionada por
Lígia DabulCláudia Roquette-Pinto

menciona a
Armando Freitas FilhoCaio MeiraCláudia Roquette-PintoEucanaã FerrazLígia DabulPaulo Henriques Britto







Poemas do livro tempo inteiro (no prelo)


cinema?


quando essa luz baixar
antes de olhos se fixarem
na imensa tela onde a imagem
nos desenrola para dentro
onde nada havíamos tramado

se nos deparássemos ali
sem roteiro ou argumento
a viver na carne o arrepio
da inesperada cena?




eclipse

ainda no osso a manhã
ampara um resto de insônia
expõe a textura dos olhos
por onde o espírito dissonante
não compreende
a origem da inesperada luz

uma vez na carne a manhã
conspira a favor do gesto
distende o que o breu adensou
segredo deserto pergunta
a ferida
escondida na noite aberta





vidro
ou
espelho
o que vejo
através
é
apenas o meio
ou
outro rosto
se mostra
na suspensão
da pergunta
acesa
sob a lâmina
dos olhos?





bio/biblio:

Paula Padilha é carioca, publicou em 2001 olhar descalço, seu primeiro livro de poemas pela Editora da Palavra. Tem poemas publicados em jornais e revistas do ramo. Atualmente cursa filosofia na PUC-RJ.



poética:

penso sempre no que diz paul valéry sobre a poesia:

"Poesia é a orelha íntima voltada para o possível, para o que se vai murmurar sozinho e, murmurado, volta a ser desejo."

Saturday, October 07, 2006

LAURA ERBER


mencionada por
Lígia Dabul
Italo Moriconi
Diego Vinhas


menciona a
Marcos Siscar
Manoel Ricardo de Lima
Angela Melim



poemas

(inéditos)




Poema com fundo de Francesca Woodman
E os meus olhos que chegam com atraso entendem que você gostava
De estar nua e ausente
E que quando se fez de morta deve ter sido também
Pelo prazer de se ajoelhar com fungos entre as coxas
Esses cachos de seios nunca ficarão maduros?
As coisas incandescentes de repente ficam frias
Diante da escrupulosa indiferença dos teus olhos
É que os anjos são terrivelmente tenros
E sozinhos
E nunca têm pouso
Repouso
Saudade
Morte




Poema com fundo de Suzuki Harunobu
Quando as ondas brancas ficam mais altas em Tatsutayama
Ninguém mais sabe se vai conseguir fazer a travessia de noite
Se o mundo dos prazeres é o mundo das coisas flutuantes
Se estas gaivotas de riscos finos teriam lugar fora da paisagem
Estilizada
Ninguém sabe
Se os amantes
Tramam suicídio em Amijima
Ou uma viagem pra Cuba
Se pronuncio certos nomes masculinos
As ondas ficam mais altas
Em Tatsutayama
E aqui


Poema com fundo de Paul Van Ostaijen
Eu não posso colecionar os nomes dos terremotos japoneses
Eu não posso colecionar os nomes dos afluentes do Escalda
Nomes dos caçadores de diamantes
Nomes de beijos flamengos
Nomes destas tardes de chuva
Nomes de estar sem você pensando na força dos fracos no
Sangue do Tejo invadindo o inverno de outro continente.
Eu não posso, Paul,
Porque ninguém pode.
Vamos recomeçar
É uma noite de trégua e estamos nus
Eu te observo enquanto você escreve às margens do canal de onde o navio Nunca mais sairá para que os turistas entrem para sentir que em outra vida o Mar poderia ter sido uma vida inteira.
Ligo o rádio e sintonizo o seu poema com uma canção de adultério o resto De um carro de bois fora da neblina dentro da neblina onde minha Lembrança tenta se fixar
Mas não pode
Porque de repente eu desejei fixá-la demais aqui comigo no avesso de uma Foto sua, no seu silêncio, no seu silêncio tácito, Paul,
Mas ninguém pode.




bio/biblio:

Laura Erber (Rio de Janeiro, 1979) é poeta e artista visual. Publicou Insones pela editora 7 Letras em 2002. Foi artista residente no centro de arte conteporânea Le Fresnoy (França) e em 2005 bolsista da Akademie Schloss Solitude (Alemanha) onde escreveu seu segundo livro de poemas "Os corpos e os dias" (Köper un Tage) publicado pelas edições Merz-Solitude (Suttgart) com tradução para o alemão de Timo Berger. Vive e trabalha no Rio.



poética

o que é a poesia? "el poema es el único mamífero que habla" Susana Thénon