Monday, September 25, 2006

PÁDUA FERNANDES


foto: Fabio Weintraub


mencionado por
Ricardo Domeneck
Tarso de Melo

menciona a
Priscila Figueiredo
Nauro Machado
Ronald Polito
Alberto Pucheu
Nuno Ramos
Ricardo Rizzo
Fabio Weintraub




poemas


Ação (início)

Coisas putas emitem luz
e eu não sei qual o teu nome
ó isto que transpira e tem o medo

Coisas putas têm filhos
terei esquecido o nome de isto
que urina e ama

putas essas coisas e as outras
isto prefiro ignorar
mas respira e mente

putas e são mães e minhas
entre sombras a recordação isto é a luz
entre escrita e mênstruo

Coisas putas emitem luz
isto quer nome e eu não sei de nada
apenas ejaculo e oro

essas coisas, não o que elas são,
emitem sim o que elas não




*


Uns versinho bem ingeno
Vamos agora estudar,
Não dão tese de poética,
Só cultura popular,
Ou seja, matéria inculta,
Bacharel quer Bachelard,
E sem Lacan, nem lá com
Derrida, vão nos negar
A teorética das bolsas
De estudo da capitar!
Só pra ver luta de classes
Com monóculo de Marx
É que servem as estrofe
Deste rasteiro arraiá,
Uns versinho sem ingenho,
É o que pode rascunhá
O povo plebe proleta
Sem nós, os intelectuá,
- O reitor vai tomar posse!
Vamos todos se apressar,
Nossa pesquisa científica
Será discurso copiá,
Deixe o poeta com nome
De passarinho banar:
Quando ele voa, não canta,
Se canta, deixa de voar.

(Patativa do Assaré diz que não faz verso, mas escreve na mente)

(o vôo canta sem voz)

(os ingênuos querem o engenho; os gênios esqueceram-no)

(na terra cultiva o vôo de pisá-la)

(mais que a virtude dos pássaros
e mais que o alado pesar:
quando lhe tiram o céu,
voa o vôo de cantar)

poesia não faz verso, escreve na mente

[de O palco e o mundo, Lisboa: &Etc, 2002]



Schmittät, Bestialität

é soberano quem decreta o genocídio.
nada mais simples do que isto:
quando ele fala soberano,
diz genocídio.

é genocídio quem decreta o soberano.
nenhum prejuízo, nenhum dano:
quando ele cala genocídio,
diz soberano.

e quem não fala soberano ou genocídio?
por que estaria ainda vivo?
se soberano
não fala, cala-o o genocídio.

porém alguém vive? senão o soberano?
nenhum vivente, mas falamos
do genocídio
a imitar a luz passeando pelos crânios

e nesse dia, aceso pelo genocídio,
nos atravessa o aziago brilho
do soberano
que ossos abraça e chama filhos.

é soberano quem decreta o soberano?
é genocida o genocídio?
porém os ossos sob os gritos
rugem: cresçamos



BREVE BIOBIBLIOGRAFIA
Pádua Fernandes nasceu no Rio de Janeiro em 1971. Publicou o livro de poesia O palco e o mundo em 2002 (Lisboa: &etc). Em 2004, organizou a primeira antologia lançada no Brasil da poesia de Alberto Pimenta (A encomenda do silêncio, São Paulo: Odradek). Foi conselheiro das revistas de literatura Cacto (São Paulo) e Jandira (Juiz de Fora), e colaborador do periódico virtual português de cultura Ciberkiosk. Em 2004, mudou-se para São Paulo, onde é professor universitário.


POÉTICA


Certidão

I

Opus nigrum: compôs a peça para oboé, krummhorn e incêndio.

Opus primum: compôs a anti-sonata para piano formada tão-somente por quatro acordes que exigiam vinte e seis dedos.

Opus sordidum: a fantasia para gaita que exigia sextos de tom.

Opus nullum: e o apocalipse para sintetizador e serra elétrica, mas as notas fugiam à freqüência audível.

finalmente organizaram o concerto dedicado às suas obras. e, quando viu que os cães correram para o teatro atraídos pelas freqüências sonoras, e que acharam músicos produzidos pelas mutações genéticas obtidas pelo consumo diário de refrigerantes, sacou o revólver.

assassinou-os. os cães alimentaram-se dos cadáveres.

no som dos tiros, porém, ouviu-se a música. e então nasci.


II

compôs o sopro para oboé e tempestade

compôs os dedos para piano e triturador

os gritos para a fuga em mil vozes caladas

e o corpo para o apocalipse, que recusou tocar uma peça tão fraca

(ouvi música áspera, eram os dentes no contato com a carne; vi os mortos sendo devorados: os cães, também eles, eram cadáveres)

Nigrum primum sordidum nullum: a obra do homem, o homem.






No comments: