Wednesday, August 27, 2008

ISMAR TIRELLI NETO










Mencionado por:
Alice Sant'anna

Menciona:

Alice Sant'Anna
Felipe Moreira
Heleine Fernandes
Diego Grando
Lucas Cureau






POEMAS



RUFUS

você – como tantos outros – acabou
não morrendo. Nem aqui nem em Bruxelas
parte alguma. A questão do apartamento
permanece pendente (estar-se em
plena obra). Sem diploma não tem como.
Você passou sem cura de repouso você não contraiu
uma afecção misteriosa você não botou
os pulmões pra fora de tanto tossir
num banheiro de hotel cheio de flores. Você
segue com esse estranho hábito de não lembrar
em nada a Barbara Stanwyck, ah, que se há de fazer?
Eu me mudaria para uma fonte em Amsterdã
algemado aos clarões de água
entra dia, sai dia injuriando
assistentes sociais – mas pense bem
pense bem. Não dou corda no despertador
e é o próprio tempo que nega fogo.

Manhã – ungüento geral – espalha
pelo Rio um brilho rouco – na frente do Edifício
Argentina me parece capital saber o nome das coisas –
precisamos de um plano. Um projeto. Um projétil

estou cheio de prédios
voltas hélices passarelas
o metrô corre atrás do próprio rabo
um tranco, não tem quem fique em pé
você me diz: nunca dês um nome a um trem
sempre é outro trem a passar
eu digo: ha. Ha ha
ha ha

você está de dieta ou desistiu, afinal, de descortinar
uma grande verdade interior? Teus olhos têm um ar de perda,
pendem, como os seios de uma mãe antiga. Tanto tempo passado
em ônibus que a gente aprende à força o prazer do caminho
chegar lá é sempre um pouco
desorientante

precisamos de um plano. Um projeto. Um projétil

(de Synchronoscopio, 7Letras)




ANSIEDADES QUANTO A UMA ACADEMIA

I.

inscrevo-me no plano trimestral
atividades aquáticas:
duas sessões de hidroginástica
e uma de natação
por semana
durante (o que se obvia) três meses

II.

das turmas de natação
(me entregam o demonstrativo na secretaria)
escolho a Medo D´Água
todas as quartas pela manhã
com o professor Tomás
a quem já ouvi chamarem Tômas
o que me constrange
não sei como me dirigir a ele
professor?

III.

a turma Medo D´Água
todas as quartas pela manhã
consiste de mim e de Ada
gaúcha septuagenária
fóbica
cujo desempenho
cotejado com o meu
deixa muito a desejar
(pareço dominar
o conceito de horizontalidade
melhor que Ada)

IV.

Professor Tomás
ou Tômas
me faz pôr os pés de pato
embaixo d´água
pergunta quanto calço
respondo quarenta
na verdade trinta e nove
mas meus pés são gorduchos

V.

tenho medo de tirar os óculos
porque eles fazem um vácuo incômodo
em torno dos olhos
tenho medo de tirá-los
e os olhos juntos
caindo à beira da piscina
ou na própria piscina
assustando as criancinhas que aguardam
perto do chuveiro
e as senhoras da hidroginástica
(Ada desmaiando)
eu nunca mais seria qualquer outra
coisa que não o sujeito cujos olhos
saltaram das órbitas à beira da piscina
sugados pelo vácuo que os óculos fazem
em torno dos olhos
ao serem retirados
meus óculos fabricados na China

VI.

metido nessa sunga insensata
tamanho G
(sinto que decepcionei os funcionários
da loja de artigos esportivos
meu excesso de corpo não se nota assim
à primeira vista
há táticas como se sabe
tons escuros listas verticais)
os óculos que puxam meus olhos
e a touca que me comprime as idéias
pergunto ao professor se ela deve cobrir
também as orelhas
o que já me parece excessivo
Tomás (ou Tômas) recomenda que eu use
um tampão
isso também me parece excessivo

VII.

um lance de escadas aparta
o parque aquático
do vestiário masculino
tenho de ganhar
essa distância
subjugá-la
metido numa insensata sunga
tamanho G
às mãos a touca e óculos
pendendo úmidos
não tenho roupão
o vestiário masculino me apavora
é possível que no longo desse poema
eu não tenha intentado tratar
de outra coisa que não
meu pavor meu absoluto pavor
ao vestiário masculino
coisa que até agora não fiz

VIII.

talvez esse poema seja sobre a nudez
(modalidade do corpo
que não costumo praticar
com muita freqüência)
ou sobre todas as modalidades
do corpo que não costumo praticar
com muita freqüência
todo esse potencial do corpo
que não se realiza
de inopino as mãos do professor Tômas
ou Tomás
em cima de mim
embaixo de mim
e minha cabeça enfiada n´água
já que não estou tendo uma experiência erótica
não absolutamente não estou

IX.

o servente
no vestiário masculino
me olha
de alcatéia
não posso lhe pedir que pare
que pare imediatamente com isso
porque provavelmente não é o caso
estou imaginando coisas
estou sempre imaginando coisas
o servente no vestiário masculino
não me olha de alcatéia
não absolutamente não me olha
(por que um? por que outro?)
mas é com muita consciência
que opto por não tirar a sunga
ao me enxugar
(na rua a marca d´água
na bermuda)

X.

bom trabalho Ismael!

meu nome é Ismar

(de Synchronoscopio, 7Letras)




APARTAMENTO

o espaço é parado e pulsa, inscrição num mar de silêncio

peça à peça
desentreteço o aparta
mento; pé ante
pé – pensemos bastante
uns tantos temporais
depois nos é dado
o lugar-comum
duma ilha; pequenas intromissões
da cafeteira
gorgolejando
pouco muda (quase nada)
se o vizinho abre
uma janela ou deixa
de abrir

outras tantas, mal amanhece
baixa a maré
as mesmas portas vão abertas
espécie de missa no quarto ao lado

tijolos
argamassa de medo

(de Ramerrão, inédito)





BIO/BIBLIOGRAFIA



Ismar Tirelli Neto é carioca e nasceu no ano de 1985. Isso depois de Cristo. Acaba de lançar seu primeiro volume de poemas pela 7Letras, chamado “Synchronoscopio”. Blog:http://www.sonetosoitavaserie.blogspot.com/.




POÉTICA



Não sei ao certo, mas desconfio que algo próximo do Nashville
, do Altman.

4 comments:

alejandro mendez said...

Hola Ismar.

(espero entiendas español. mi portugués es muy malo)

Me gustaron muchísimo tus poemas.
En especial el primero. Contudente.

Dónde puedo conseguir tu libro. Quierlo leerlo.

Te mando un gran abrazo

Alejandro Mendez
www.chicosindigo.blogspot.com
www.laseleccionesafectivas.blogspot.com

Luiz Modesto said...

Muito bom "O Apartamento".
Abraços, meu caro

Anonymous said...

Curti demais, Ismael. Quer dizer, Ismar.

Vou já atrás do meu Synchronoscopio.

RÚBIA said...

Belo! belo! belo!