Thursday, November 16, 2006


ninguen é de ninguem : 1 : foro :

o que você acha da situaçao da poesia no brasil?

fale, diga, escreva, minta, explique, psicosomatize, desabafe,

peça desculpas, taquigrafe, cante, grafique, expresse suas emoçoes,

jerarquize, rascunhe, confesse, incite, negue, jure, faça o que deva -

e deixe aqui sua opiniao sobre a poesia brasileira hoje. -




77 comments:

Anonymous said...

Olá escolhas. A poesia da geração 00 ou desta novo século é anacronica, demasiada multipla, pluridirecional, fluída, contida etc e todo tipo de paroxismo de jovem leitores que nao seguem mais aqueles classicos, seja de qualquer época. é uma mistura de estilos e ousadias especificas.
coitado dos coordenadores de livros de poesia contemporanea. qual critério será o de escolha?
mas este saite vem sempre me surpreendendo com tudo que posta, humm, tudo nao, mas muito pantomina.

taumaturgos que somos, vamos a leitura e a critica quase que sincera de poemas diversos e aleatorios.

evoé

Anonymous said...

A poesia contemporânea que me interessa é aquela que representa uma aventura intelectual, termo que prefiro a invenção ou experimental, muito desgastados e
redutores. Há quem, por outro lado, se importe mais com a qualidade. Bom proveito, eu digo, bom proveito. Mas quanto a mim, para quê vou querer um sub-Yeats se já tenho o próprio Yeats? De poetas como ele só se imita o que é imitável, e isso é sabido desde a Aurora, mas o que importa é justamente o inimitável que há
neles, ou seja, sua aventura intelectual. Quantos poetas
contemporâneos no mundo produzem tal substância? Poucos, como
em todas as épocas, mas existem, e são tremendos, Adília Lopes, Nicanor Parra, Tamara Kamenszain, Leopoldo María Panero, Nathalie Quintane, Michael Palmer, Dominique
Fourcade e mais alguns. E no Brasil, quantos livros de poesia
representam uma aventura intelectual? Pouquíssimos, mas existem, e são os que fazem diferença. Não publico um livro inédito de poemas há mais de dez anos porque não sinto no que faço
essa força de que falo. E é claro que prefiro ficar mais dez,
vinte, trinta anos sem publicar nada a seguir o modelo
tradicional de publicar, a cada três anos, a cada quatro anos,
aproximadamente, um volume que iluda seu autor com a sensação
de existir e fazer parte disso que convencionamos chamar poesia
contemporânea e cuja existência, pelo menos nestes termos,
ainda está por ser provada. Mas veja, veja aquela orquídea de fogo rasgada no breu desse quarto de hotel, no lençol desse quarto de hotel, em cuja janela me debruço ouvindo o ruído do aparelho de ar condicionado e o silêncio, volta e meia cortado pelo motor de uma motocicleta, ou vozes e passos dentro da madrugada. Você anotou todas essas coisas para que não
nos percamos? Onde está o seu bloco agora? E você agora?
Por que espero tão impacientemente que aquele casal conversando
e rindo três quadras mais abaixo desapareça imediatamente
de meu campo de visão, suma de meu campo de visão, desapareça de meu campo de visão, continuity girl?

PS: É proposital que me desocupe inteiramente do "complexo de dna" de certas análises que se desviam do que é mesmo difícil de se abordar na poesia contemporânea, preferindo a facilidade tal-pai-tal-filho das afirmações do tipo: "filhos dos "concretos", "filhos de drummond", "filhos da marginália", "filhos da p.", "filhos de santo". (Em São Paulo anda na moda esse facilitarismo analítico em sua versão química (e não alquímica): "diluidor de concretos", "diluidor de drummond", "diluidor da marginália" etc). Não à toa meu brother Siscar já afirmou que o grande problema da maior parte da crítica de poesia contemporânea é, pura e simplesmente, seu gosto irreprimível por generalizações.

Carlito Azevedo

elisabete mari ghisleni said...

elisabetemg.blogspot.com
a poesia brasileira no tempo depende da veia que se entra, tem sempre um maldito bem dizendo sobre suas impressões do mundo. mas hoje poetas do limiar,(como ana cristina cesar, clarice lispector) precisam sair dos guardador pois sei que estão por aí só estão obscuras pela máfia editorial. e viva a poesia brasileira. sou de londrina e aqui temos poetas de verve. evoé too

Anonymous said...

Caro Carlito,

Quando você diz que "Em São Paulo anda na moda esse facilitarismo analítico", não está generalizando também? Ou será que, na crítica da crítica, tudo é válido (até generalizações), enquanto, na crítica da poesia, só o que convém aos poetas? A quem você se refere exatamente? A que críticos? E (sobretudo, afinal isso é o que interessa) a que textos?

Abraço aí!

Anonymous said...

Escreveu “A Casa”, um poema concluído em 19 de outubro de 1974, descritivo da construção, das grandes vigas e barrotes de madeira de lei, do amor a Gesse, de sua percepção com as coisas da natureza, o mar, as plantas e as flores gentis, de sua compreensão com a vida simples do lugar, os calções de banho, as dunas e o cheiro do mar, enfim, dedicado à mulata da sua própria pena: “Sim, amada, aí tens a tua casa. Tua, só tua, imensamente tua. Para que nela viva sempre nua/ com teu céu, com teu mar, com tua Lua! E o teu triste e amantíssimo poeta”.
eSTOU PROCURANDO AONDA POSSO ENCONTRAR ESSA POESIA DE vINICIUS DE mORAES

Anonymous said...

nA INTERNET NÃO ACHEI NADA A RESPEITO DA POESIA " A CASA" DE VINICIUS DE MORAES. NÃO ME REVIRO A CASA MUITO ENGRAÇADA...E SIM A SUA CASA EM ITAPOÃ. VEJA trecho abaixo:
Escreveu “A Casa”, um poema concluído em 19 de outubro de 1974, descritivo da construção, das grandes vigas e barrotes de madeira de lei, do amor a Gesse, de sua percepção com as coisas da natureza, o mar, as plantas e as flores gentis, de sua compreensão com a vida simples do lugar, os calções de banho, as dunas e o cheiro do mar, enfim, dedicado à mulata da sua própria pena: “Sim, amada, aí tens a tua casa. Tua, só tua, imensamente tua. Para que nela viva sempre nua/ com teu céu, com teu mar, com tua Lua! E o teu triste e amantíssimo poeta”.

Anonymous said...

Que engraçado que peça para o Carlito "citar nomes" quem não teve nem coragem de citar aquele que sua mãezinha lhe deu.


Ass: Marcelo Pires

Anonymous said...

eu fui um menino muito mau!
eu fui um menino muito mau!
eu fui um menino muito mau!
eu fui um menino muito mau!
eu fui um menino muito mau!
tá bom assim?
agora tira essa tromba da cara, elefantino,
que a folia já começou... pára de fazer beicinho...
quer que eu peça desculpas ao povo de São Paulo?
PERDÃO PAULISTAS & PAULISTANOS
CARIOCAS & GOIANOS
eu fui um menino muito mau!
quer que eu peça desculpas a toda a comunidade crítica do país?
PERDÃO OS DE DENTRO E OS DE FORA DA ACADEMIA
eu fui um menino muito mau
e tinha fumado um negócio meio estranho, sabe?
agora caia na folia,
viva a irresponsabilidade,
puxa vida, "seu" asdrúbal, se nosso aníbal já decretou que é carnaval, porque você não traz o trombone como antigamente
em vez de um porrete, um anel de advogado e uma roupa de policial?
(se bem que você ia ficar genial nela, eu acho...)
o bloco das carmelistas já vai sair...
o bloco das piranhas também...
esquece as mágoas...
eu não disse nada daquilo...
senhor Marcelo Pires, calma no Brasil também!!!!!
há uma possibilidade em um milhão
da vida ser alegre! mas é nela que a gente tem que apostar!
repique ganzá e tamborim...
vamos cantar aquela marchinha linda:
"quanto riso, ó, quanta alegria,
mais de mil palhaços no salão..."

meu nome é carlito azevedo
mas até depois do carnaval
podem me chamar do que for!
é tudo fantasia mesmo...

Anonymous said...

Isto está me cheirando a crise da meia-idade... Publique logo o seu livro, Carlito! Chega de generalizações, venha de onde for. Queremos poemas.

Anonymous said...

Mas na verdade ainda estou curioso para saber que pessoal é este de São Paulo que se resume a fazer generalizações... O Domeneck fez generalizações brutais naquele texto da Inimigo Rumor, algumas até um pouco químicas. E é do interior de São Paulo, se não me engano. Eu, como sou indiano (ou africano), como bom elefante, não tenho nada a ver com esse pessoal.

Anonymous said...

Querido Carlito,

para início de conversa quero dizer que também acho que quem se esconde por trás de pseudônimo não merece discussão, só ironia e desprezo. Afinal, que identidade medonha ele está querendo esconder? Também quero dizer que concordo que só alguém mal intencionado vai cobrar de um comentário num blog o mesmo rigor de um ensaio crítico. Uma coisa é cometer uma generalização que é uma piada com São Paulo em um comentário de blog, (e sem falar que na hora de citar um crítico de forma elogiosa você cita o Siscar, que é de São Paulo, não é?), outra coisa é publicar ensaios em grandes revistas, textos críticos em jornais de grande circulação, ou fazer palestras cometendo generalizações do gênero "a poesia brasileira acabou". Só que (pois é, tinha um "só que"...) sua implicância com São Paulo desde as últimas eleições talvez te faça esquecer que no Rio há gente bastante ignóbil falando besteira sobre poesia, em especial sobre os concretos e os marginais, mas sem deixar de falar besteira também sobre Carlos Drummond, João Cabral etc. Não deixe a turma que elegeu Clodovil te fazer odiar São Paulo que eu juro que faço a turma que elegeu Rosinha e Garotinho não me fazer odiar esse Rio que eu amo, onde passo nesse feriadão alguns dias bem felizes!

Um abraço

Ana Paula (eu existo sim, e me infiltrei uma vez na sua oficina de poesia no SESC de, veja só, São Paulo)

P.S.- A propósito, gostei muito, muito do seu texto. Tomara que ainda sejam discutidos os pontos mais fortes dele, como essa preocupação idiota com "qualidade" que você aponta e que faz com que tanta gente diga que hoje em dia um "BOM soneto" é tão válido quanto um "BOM poema concreto", ou quanto um "BOM poema marginal". Tolinhos.

Anonymous said...

Alguém me dá uma dica sobre onde encontrar um poema do Décio Pignatari que fala em vários tipos de tecidos ( cambraia, fustão, organdi, etc...)?


desde já agradece,
A costureira afectonauta

Anonymous said...

poesia contemporânea: eis a tão sonhada ilha, onde os inimigos se adoram!!

Anonymous said...

Quem já leu o ensaio Pensando a Poesia Brasileira, do Claudio Daniel, que saiu na revista Coyote (há versão eletrônica no site Cronópios)?

Vera Macedo

Anonymous said...

Costureira,
esse texto que você procura -e que podemos de fato chamar poema- está na verdade no romance PANTEROS, que o Décio publicou na década de 90, pela editora 34. Só me recordo que é o último parágrafo de um dos capítulos.
Buda Nagô

Anonymous said...

Caros, escrevi sobre o assunto aqui:

http://www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=1899

Tomara que gostem.
Abraços.

Anonymous said...

creio que jah escrevi o suficiente sobre o que penso da situacao da tal de poesia brasileira.
este comentario vem somente para dizer ao carlito azevedo, caro carlito, um alo por ter a coragem de expor o que pensa, algo que poucos fazem. sempre haverah os que engendram um comentariozinho sob a coragem dos outros, devidamente escondidos. nelson rodrigues dizia destas pessoas que sao as quem tem "arrepios de proust" ao mudarem de lugar a virgula alheia.
o sr. ou a sra. asdrubal deve ter se sentido como se acabara de escrever 47 tomos de critica ao comentar seu texto.
se o sr. ou sra. asdrubal estiver interessado em realmente debater qualquer coisa, que escreva a respeito, como adulto, com nome, sobrenome.
qualquer resposta de sua parte nos mesmos termos, escondo, serah devidamente ignorada.
mas se o sr. ou sra. estiver tao interessado, pode me escrever um email (ricardo.domeneck@gmail.com), com nome de adulto, contendo texto em que debate minhas generalizacoes (quimicas, whatever that means), elaborando tal afirmacao, e terah minha resposta, tambem com nome e sobrenome.
agora eu preciso parar e ir ali ler angelica freitas, que eu ganho muito mais.

abracos ao carlito!

ricardo domeneck

Anonymous said...

Buda Nagô

agradeço !

A costureira afectonauta

Anonymous said...

De nada, costureirinha,
pode perguntar que o Buda responde.

Aliás aqui vai uma pergunta que sempre fazem ao buda: - Buda, é verdade o que dizem por aí? que a poesia virou um gueto? que só os poetas se lêem uns aos outros? que não logra nunca a poesia escapar desse círculo infernal?
Responda Buda: porque só os poetas lêem poesia?

e o Buda responde: porque os outros estão ocupados lendo Bruna Surfistinha, Auto-Ajuda, Jô Soares, coisas que certamente devem fazer deles seres superiores aos que lêem poesia...

Buda Nagô

Anonymous said...

será que: quem escolhe não ler poesia está muito apressado?
será que: o vazio do entrelinhas dá muito trabalho pra quem escolhe não ler porque está muito apressado?
será que: a página pula e o livro fecha porque dá muito trabalho por isso escolhe não ler porque está muito apressado?
será que: pode ler com pressa a poesia?
não ouvi ninguém perguntando isso.
ou já?

a poesia tem situação?

Anonymous said...

Ando lendo muito livro de muita gente que apareceu nessa década de zero e gostaria de dizer que a novíssima poesia brasileira é muito boa de verdade. Ainda não conclui muita coisa, mas confesso que a minha satisfação foi além do que eu esperava quando comecei a estudar essa novíssima geração.

Tem muita gente que começou bem, mas ainda deve crescer mais, e muita gente que já se lançou bastante pronta e informada.

O panorama me parece positivo até então, e o movimento de grande parte desses poetas contribui bastante para essa renovação de ares.

Anonymous said...

Buda,

Então, outra pergunta:
Qual é o sermão do Pde.Vieira sobre o amor, em que ele fala "por isso os antigos pintaram o amor menino, pois não há amor antigo que chegue a ser velho..." (ou algo parecido).
Outra coisa: tem mais não poeta lendo poesia do que vocês imaginam.
\
A costureirinha que lê poemas

Anonymous said...

Costureirinha,

no pavilhão de ouro
da imperatriz Chen,
em suas cortinas ornadas
de pérolas, já aparecem,
silenciosamente,
teias de aranha...
ou, falando mais claramente,
faça-me o favor:
essa pergunta aí
você acha com uma buscazinha à toa no google.
mas vá lá... não sei nunca ser cruel contigo...
é o "Sermão do Mandato".
não sei mesmo dizer não
a uma costureirinha, ainda mais que leia poemas.

Buda Nagô

Anonymous said...

Buda querido,

achei que seria mais agradável perguntar a você que uma busca fria no google...

a costureirinha agradecida

Anonymous said...

Concordo inteiramente com o Carlito Azevedo: é uma verdadeira desgraça esse vício de generalizações da crítica, não diria paulista (mesmo porque esses hábitos de pensamento são muito generosos, costumam se espalhar), mas brasileira, e, quem sabe, já tenha se tornado um expediente mundial?

Mas reparo que aventura intelectual não deixa também de ser uma enorme generalização abstrata, e diz pouco ou nada a respeito de poesia como tal. Porque qqer um de nós poderá, certamente, ter uma aventura intelectual lendo um tratado de botânica, ou qqer outro assunto, em qqer outro forma de escrita.

E acho verdade verdadeira, de novo, o que o Carlito diz a respeito de um possível sub-Yeats (conquanto esforçado), já que esse imitador terá perdido seu tempo replicando um negócio já visto e francamente insuperável em sua própria estrutura. Je suis d’accord.

Mas note-se que essa crítica corretíssima do Carlito também se aplica no caso de se dizer que há seguidores do concretismo, de Drummond ou ainda da marginália (muito dela já havia se apegado a repetir detalhes drummondianos), que repetem fracamente o específico daqueles autores.

É a mesma coisa, na verdade.

Buenas: sou da opinião do Mariano também, quando diz que há uma quantidade considerável de poetas novos e bons, e da do Ricardo, sobre a boa pedida de ir ler um poema da Angélica.

Anonymous said...

Achei muito boa a idéia de "aventura intelectual", que não não leio apenas como "experiência" intelectual. Parece ter um sentido mais ativo. Acho que a expressão envolve alguma coisa de aventura, mesmo, de risco, e também de formação (da sensibilidade, do modo de relação com a cultura, etc.) As duas juntas.

E é por isso que a coisa é "inimitável": não é transferível de um poeta para o outro, além de estar sempre "em construção". Não soa pra mim como abstrato. É uma angústia muito palpável. Que faz com que um poeta escreva ou não escreva (publique ou deixe de publicar, como diz Carlito).

É claro, há outras coisas que dão sentido à escrita e que têm formulações mais simples. Mas a aventura intelectual parece ser uma das mais importantes, principalmente porque a idéia da coerência de obra ou do nome de autor, da validade ou não dessas coisas, hoje, é uma das discussões principais sobre poesia contemporânea.

Quem já não ouviu pelo menos uma vez a reclamação de que o Brasil não tem "grandes poetas" desde Cabral e Drummond?

Anonymous said...

O problema que o Carlito aponta talvez seja justamente esse: anda mais fácil ter uma aventura intelectual com livros de botânica, física etc do que com alguns dos livros de poemas atuais.
Bruno Vieira

Anonymous said...

a formulacao do Carlito me parece correta e interessante no sentido tambem de "aventura intelectual" do poeta que "pensa com seu poema", do poema como processo intelectual do poeta (intelectual como ação e nao como cracha), que nao simplesmente "exprime" uma ideia atraves de linguagem metaforica, mas que atinge a "ideia" atraves do poema, que fica como pegada, vestigio, da performance.

ou seja, imitar Yeats ou Drummond ou Ponge ou qualquer poeta mostra-se um equivoco, pois significa copiar meramente o que hah de mais superficial no processo intelectual de tais poetas, que se manifesta naquilo que os apressados acabam confundindo com "forma literaria"

eu entendo esta "aventura intelectual", a que Carlito Azevedo se refere, desta maneira. a aventura do poeta que se entrega ao processo intelectual que eh pensar atraves do seu poema. mesmo que ele esteja lidando com questoes "universais" (para quem acredita neste mito) ou "classicas", qual a relevancia em aplicar solucoes jah usadas?

Anonymous said...

Certamente, Marcos, terá um sentido “mais ativo” dentro da idéia do Carlito. Ainda assim, é uma bruta generalização. Quem definirá o que é uma aventura intelectual? Vai depender, na verdade, de que intelecto estamos falando. Um intelecto complexo poderá achar uma porção de coisas muito flácidas e limitadas no que outro, nem tanto, achará grande estímulo & etc. Esse, na verdade, é o crux of the biscuit atual. A crítica é palpite, não critério. E palpite, bom ou mau, todo mundo tem. De gustibus disputandum non est, diz o velho deitado.

Sobre as “soluções já usadas” de que falou o Ricardo. Considere o Jules Laforgue, por exemplo, que pegou uma porção de clichês românticos e injetou ironia neles. Que pegou a rima dentro da métrica regular e rimou de tal forma que são palavras muitíssimo específicas. Aparentemente, ou superficialmente, lá está a mesma poesia, mas no detalhe, no refinamento da concepção dele, a diferença, ou, como poderíamos até dizer, a poesia. Ou o hexâmetro do Ovídio em relação à experiência anterior, incluindo Virgílio.

Repetidores há. E há até hoje quem repita insensivelmente todo tipo de coisa, até estilemas modernos ou ainda mais recentes. Como eu disse, a idéia do Carlito supondo um sub-Yeats como totalmente ineficaz é a mesma que nos serve para apontar a ineficácia de subgêneros repetidos com bem menos habilidade e interesse no Brasil, também.

Anonymous said...

trecho da entrevista de Marjorie Perloff a Rodrigo Garcia Lopes no livro VOZES E VISÕES (página 223):

"Se você falar com uma crítica como Helen Vendler ela vai dizer que poesia tem valores permanentes, não precisa mudar. Para ela, não há razão para a poesia ser diferente do que era no tempo de Keats. Então [para críticos assim] os poetas bons continuam sendo os que se parecem com Keats. E para os outros [críticos e poetas] as circunstâncias históricas fazem diferença, sim. Você não pode se livrar delas."

tem a ver com a discussão ou chutei pra fora?
Isabel

Anonymous said...

Siscar e Ricardo,

obrigado pela escuta generosa. Generosidade na escuta: não conheço melhor antídoto contra a crítica generalizadora. Nestes tempos em que pouca gente se dá ao trabalho de ouvir o outro, encontrar dois leitores (e que leitores) que te compreendem é coisa que já compensa e revigora.

Abraços

Carlito Azevedo

Anonymous said...

Isabel,
na minha opinião tem a ver, mas a Helen Vendler é ainda daquela crítica romântica, que não tem nada de propositivo (como o Harold Bloom, também). Mesmo o livro dela sobre os sonetos de Shakespeare, que te fornece alguma info., é um negócio brutalmente limitado e conservador a não poder mais.
É exatamente o que disse a Perloff.

Anonymous said...

Olá, Dirceu, que bom que achou que a Perloff está certa e, em especial, que meu chute não foi pra fora. O engraçado é que foi exatamente assim que eu li a questão das "aventuras intelectuais" de que falou o Carlito, e que, confesso, me provocou o mesmo entusiasmo que ao Marcos. Li o que ele escreveu como uma oposição entre

a) os poetas "da qualidade" -- os que se pretendem o "novo Keats", o "novo Drummond", o "novo Cabral", como disse o Marcos --, ou seja, aqueles que pegam um padrão já existente e sem injetarem ali nada de novo (o que não é o caso do Laforgue) passam a ser medidos pelo grau de proximidade com o modelo: como diz a Perloff, para a Helen Vendler os bons poetas são os que se parecem com Keats, né?. Para certa crítica brasileira, bom poeta vai ser aquele que for o novo Drummond, o novo Cabral. Aqui vale mais o resultado que a aventura.

e

b) os poetas da "aventura intelectual", ou seja, os que imaginam que a poesia é algo que continua a ser inventado (e não que já foi inventado), e que valem mais pela aventura em que se metem do que pelo resultado.
Um exemplo: Já me disseram que os sonetos do Glauco Mattoso são perfeitos e demonstram um virtuosismo único. Paulo Henriques Britto diz que o Glauco é um dos sujeitos que mais entende de métrica no Brasil, e deve ser verdade! Mas confesso que a possível qualidade deles não me anima tanto quanto aquelas coisas estranhas, e possivelmente sem qualidade, que ele fazia no Jornal Dobrabil, e que foram uma das grandes aventuras intelectuais que tive com a poesia brasileira nos anos 80.
Bem, e se não for muito delírio meu, também consigo ver a diferença entre um sub-Yeats e um filhote de Yeats, um sub-poeta concreto e um filhote dos concretos. De novo é a questão da "Qualidade" que entra em ação aqui.
abraços
Isabel

Anonymous said...

Isabel,

gostei muito do que você falou. Principalmente a sua observação sobre a poesia do Glauco. Realmente o Jornal Dobrabil instigava mais do que os sonetos e me parecia falar mais diretamente do momento em que se vivia. E aí entra a tal Helen Vendler que, desculpe-me, não conheço e, por isso mesmo, entendo a Perloff de outra forma: ela não julga a qualidade da Helen Vendler (se é limitada ou não, a questão não é essa, não é um simples juízo de valor subjetivo), ela aponta um problema objetivo: "as circunstâncias históricas fazem diferença, sim". Acho que essa frase é muito boa, é das que fazem refletir. Eu acho que é aí que mora a diferença. Abraços, Heitor

Anonymous said...

Por partes, então, a começar pela pequena confusão do Heitor com o que eu falei:
dizer que a crítica da Vendler é limitada não é um “simples juízo de valor subjetivo” como você afirma. É, na verdade, o contrário disso, porque Vendler se fecha a entender um monte de coisas, achando que não valem por não atenderem ao gosto antiquado de suas papilas gustativas. Compreendes?

As circunstâncias históricas fazerem diferença é verdade, mas é a verdade mais óbvia que existe. Catulo deixa isso claro em relação à geração mui conservadora de Cícero; Baudelaire já havia tocado no assunto, por exemplo, e ele o fez com talento intelectual, sem cair em banalidades. Não são os críticos hiperconservas os propositivos, e isso é bem objetivo também.

Isabel: entendi exatamente isso que você disse no que o Carlito chamou “aventura intelectual”, corroborada pelos outros, e com seu claro exemplo prático. Mas, por exemplo, perceba que para saber porque os sonetos do Glauco Mattoso são fracos, pensa-se na tradição da escrita dessa forma (porque eles podiam, a princípio, ser aventura intelectual). E daí fica claro que os dele são comentários de rodapé de jornal enfiados na medida de catorze versos, metricamente regular.

Nada do que potencializou a derivação que o soneto tem da canção provençal, nem o que Lorenzo de’ Medici descobriu de sua concisão de pensamento e sintaxe, emparelhando-o com o epigrama. É ler um soneto de Mallarmé e perceber que, embora seja um soneto inclusive por esses índices mais sutis, é diferente, o cuidado com o nível atômico da linguagem atinge um máximo.

Escrever um soneto que faça algum sentido hoje está bem distante de simplesmente conhecer métrica de trás para frente, como tenho certeza de que o Glauco Mattoso, que admiro do Dobrabil (como você e o Heitor também), tem.
Quem realmente renovou a forma soneto? Um exemplo: Ted Berrigan.

Ta, ta.

Anonymous said...

O POEMA DO JOVEM PROFESSOR PIMPÃO

"Porque os jovens estão nascendo tão velhos?"
Vinícius de Morais


porque Plínio (o Velho) blá blá blá
porque Arriano blá blá blá
porque Petrônio blá blá blá
porque Díon Pruseus blá blá blá
porque Paterculus blá blá blá
porque Suetônio blá blá blá
porque Juvenal blá blá blá
porque Marcial blá blá blá
porque Pérsio blá blá blá
porque Justus de Tiberíades blá blá blá
porque Apolônio blá blá blá
porque Quintiliano blá blá blá
porque Lucanus blá blá blá
porque Eptectus blá blá blá
porque Sílio Itálico blá blá blá
porque Statius blá blá blá
porque Apiano blá blá blá
porque Flegon blá blá blá
porque Fedro blá blá blá
porque Valério Máximo blá blá blá
porque Luciano blá blá blá
porque Pausânias blá blá blá
porque Floro Lúcio blá blá blá
porque Quinto blá blá blá
porque Cúrcio blá blá blá
porque Aulo Gélio blá blá blá
porque Díon Crisóstomo blá blá blá
porque Columella blá blá blá
porque Valério Flaco blá blá blá
porque Dâmis blá blá blá
porque Favorino blá blá blá
porque Lísias blá blá blá
porque Pompônio Mela blá blá blá
porque Apiano de Alexandria blá blá blá
porque Teão de Smyrna blá blá blá

(e ele se achando)


Buda Nagô

Anonymous said...

Estou entendendo a crítica do “palpite” (do “gosto não se discute”) como uma forma de mostrar que estamos vivendo uma crise de “critério” (ou de “valor”) para definir o que vale a pena e o que não vale a pena em poesia, hoje. Acho que isso é uma constatação: os critérios estão em crise, não tem algo que todo mundo concorde que defina boa poesia.

Uma coisa que é preciso lembrar é que os critérios sempre estiveram em crise, ou pelo menos em disputa, desde que acabou a era clássica (e olha lá!) Não acho que houve um tempo em que a literatura (a crítica, o público) estava satisfeita com um único critério, ou “critérios”. Hoje, a gente lê o Mario Faustino julgando poundianamente o que era bom e ruim na poesia dos anos 50/60 e pode achar que era sensato, de um certo ponto de vista, mas não pode desconhecer que aquilo era uma ousadia tremenda, na época, quase uma ofensa do ponto de vista dos outros “critérios” (que diziam que Drummond era melhor do que Jorge de Lima, por exemplo).

(Acho inclusive que enfatizamos muito a especificidade brasileira dessa dispersão, quando em outros lugares, na França, por exemplo, as pessoas estão dizendo a mesmíssima coisa, ainda que sem esse sentimento apocalíptico de que nada valha a pena, etc.)

Por outro lado, interpreto o interesse pela “aventura intelectual” como uma tentativa de estabelecer critério. Não sei se o Carlito concorda com isso, mas acho que o interesse pela “aventura intelectual” não é uma coisa muito comum nos nossos dias. Acho que quando o poeta diz que só publica quando vê que aquilo faz parte de uma aventura intelectual, ele está querendo estabelecer um valor, um critério. Não está querendo escrever por escrever, está se exigindo alguma coisa.

A questão é saber se “aventura intelectual” é uma generalização muito grande e se não cairia na categoria de “palpite”. Acho que é um risco. Por isso, seria interessante tentar definir o que seria essa aventura. Não vejo muita gente interessada em levar adiante a discussão. Talvez pareça velharia, para alguns. Muita gente tem asco, ou medo (ou ambos) do discurso intelectual. (Parece que não, mas isso é mais um dado da situação da crítica, que tem que ser levado em conta.)

Pra mim, aventura intelectual não tem necessariamente a ver com valor de realização literária, embora esteja muito ligada. Pra ficar no exemplo do Mario Faustino (não sei se é o melhor exemplo), trata-se de um poeta que tinha propostas (estéticas, culturais), mas cuja trajetória complexa superava a própria idéia que ele tinha dessas propostas. A meu ver, nem chegou a realizar realmente um projeto, é uma obra que dá a impressão de não ter chegado a elaborar uma coisa muito clara (não só porque morreu cedo). Mas a trajetória da experiência poética dele (a aventura intelectual dele) é comovente e faz sentido pra poesia. A aventura pode parecer fracassada e dar certo, mesmo assim. Por outro lado, eu pego uma obra como a do Tolentino (que tem um projeto muito claro, estético e cultural, realizado a cada livro) e ela não tem tensão específica, parece o cumprimento desajeitado (ou cínico) de um dado interesse.

Acho que dá pra dizer que o projeto do Tolentino é “repetível”, e não o do Mario Faustino. A obra do Faustino é um acontecimento pra poesia brasileira, a do Tolentino, não. Isso tem a ver com o modo como cada um se relaciona com a forma (por exemplo, do soneto; como prisão ou como experiência), ou seja tem um aspecto estético, mas tem a ver também com a postura do autor diante daquilo que ele está fazendo. Tenho a impressão de que não tem aventura intelectual sem que o poeta se arrisque por territórios que ele não conheça, não domine. É um certo tipo de experimentação, mas não no sentido da experimentação de formas ou de idéias. Essa aventura tem que fazer sentido existencialmente e poeticamente (“culturalmente”), segundo valores coletivos que não dá pra saber de antemão quais serão.

Seria possível pensar esse valor da “dificuldade” como um critério objetivo? Não sei.

Anonymous said...

Marcos Siscar,

alguém já lhe disse que
"você é o cara"?

Pois se ninguém disse,
eu digo:

Marcos Siscar,
você é o cara!

Anonymous said...

Marcos, os melhores critérios, os mais objetivos, para uma leitura comparativa decente de poesia, permanecem sendo os do Pound (e sem crise, a meu ver). Sobretudo porque não brotaram do nada na cabeça dele, mas são uma sistematização, de poeta, a partir de coisas bem anteriores: Horácio, Dante, Dryden, Coleridge, Kahn, etc.

Foi o que permitiu que tivesse um grande poder de prospecção literária e descobrisse Eliot, Joyce e cummings, entre outros; e que fez os irmãos Campos terem grande capacidade de revisão, revelando Sousândrade, Kilkerry e Odorico Mendes, não só imprescindíveis como melhores do que os mais assíduos freqüentadores de antologias da mesma época.

E são, feliz ou infelizmente, critérios comparativos e qualitativos, além de técnicos. O Mário Faustino, que você deu como exemplo, sofria com o fato de ter uma influência muito pesada do Pound, imitativa mesmo, e isso prejudicava, mais do que ajudava. Sua obra de crítica e de poesia são melhores quando mais se afastam do norte-americano de Idaho, porque Faustino fazia bons comentários às vezes, mas não tinha muita noção de como avaliar.

Notar, por exemplo, que quando começa a falar “pequeno poeta maior” ou “grande poeta menor”, etc., ele já está completamente perdido, na verdade.

A retórica antiga já previa o fato de que a imitação não basta, e Quintiliano escreve isso literalmente. O risco é necessário. Conhecimento formal, como já vimos, não resolve a coisa, porque é possível ser muito formal (de formas já usadas e abusadas) e ser discursivo, no mau sentido, e requentado, por exemplo.

Mas é preciso também não cair na generalização que relativiza tudo sob a rubrica de “risco” ou coisa parecida, para que não seja reles desculpa para a falta de interesse do resultado.

Basicamente, esse é o problema da crítica, hoje, com poucas exceções: não sabe escolher e aceita o que vier. Ou comete injustiças ridículas, pelo mesmo gracioso motivo.

Anonymous said...

apud. Fransisco Alvim no primeiro poema.

Ora, não me preocupo:
só termos pelejam
Os poetas se escondem
atrás de janelas

E não vejo sangue
na aragem anêmica
(termos se devoram
incruentamente)

talvez tenha uma linha cruzada com a discussão acima.

afonso

Anonymous said...

Meus caros,

fiquei algumas semanas sem vir aqui e estou bastante contente em ver que essa discussão agora está realmente boa. A minha dissertação agradece.

O que dá alegria estudando esses poetas nascidos a partir de 1975 é reparar que o equívoco, como disse o Ricardo, de repetir um Drummond, um Cabral, ou qualquer outro grande poeta brasileiro ou estrangeiro, passa o largo, na grande maioria das vezes. Os novíssimos poetas estão cada vez mais interessados em curtir a sua própria "aventura intelectual" como muito bem cunhou o Carlito. A grande sombra cabralina e concreta, a influência desses últimos grandes totens da poesia brasileira do século XX, já não se faz tão imperante como muito se viu nas últimas décadas, o que é extremamente saudável.

Existe uma honestidade muito grande com o projeto estético/crítico de cada poeta, as aventuras intelectuais são muito sólidas e deliciosas de se acompanhar. A geração nascida na década de 80, corajosos ou metidos a lançar livro antes dos 25, mostra uma vontade poética, uma força inicial muito grande. E são conscientes em não terem medo de "errar" e de se mostrar para o mundo poético tão cedo.

Vem muita coisa boa por aí, creio eu.

Anonymous said...

Salve, Buda Nagô!

Dirceu, é legal ter alguém a fim de discutir essas coisas. A gente aproveita pra pensar melhor. Você tem razão que às vezes parece haver “falta de interesse pelo resultado”; eu interpreto isso num sentido mais abrangente: de falta de interesse pela poesia, em geral.

Entendo que você goste do Pound, que já li muito. Acho que Pound mereceria ser relido, mas não para ser imitado (como fizeram Faustino, os Campos e outros); seria legal entender aquilo que ele está fazendo e que, apesar das inconsistências, infelizmente, é “técnico” mesmo, ou seja, dogmático: quer valer para qualquer um, em qualquer época, baseado na autoridade do nome! (Pra mim, a sorte do Faustino foi ter parado de “entender” o Pound, coisa que não fez o Augusto, por exemplo, que usa a palavra “risco” num sentido pobre, crente de que o artista é “antena da raça”. Tenho impressão que o Faustino entendeu que essa tarefa profética estava mais próxima da perdição. Mas o Faustino era só um exemplo.)

Acho que Pound não cabe na nossa época. Pound seria uma resposta radical contra os critérios ideológicos que estão em toda parte (em Harold Bloom ou nos estudos culturais). Mas a radicalidade dele também é ideológica e, além do mais, datada. Fica difícil querer construir paideuma como solução para uma época que generalizou os paideumas (paideuma feminino, paideuma regional, paideuma gay, etc. etc.)

Não discordo que a crítica esteja com déficit de critérios. O que me pergunto é se isso (a falta de um critério-guia) é de fato novidade e se isso é de fato um problema. Entendo que muita gente boa não quer ouvir falar de critérios; a crítica que tem “critérios” é essa que a gente conhece há algumas décadas, de mais de uma tendência: aquela que não está disposta a refletir sobre as questões que interessam à poesia, que se limita a proferir sua bênção sobre um ou dois e seu anátema sobre o coletivo contemporâneo tido sempre por faltoso (aquele, para o binóculo de cada um, está sempre atrás das janelas do vizinho).

Ocorre que essa postura meio ressabiada corre o risco de virar desinteresse por pensar sobre aquilo que vale a pena em poesia. E aí a gente concorda: é bom pensar em critérios. Só não acho que eles estejam prontos. Pound tira seus critérios da tradição? Não sei. Me parece mais que ele se vale da autoridade literária das obras do passado pra fazer valer o que ele pensa. Pound é um “inventor” de critérios, isso não resta dúvidas. Ele conseguiu convencer outros (não sei se muitos) daquilo tudo. Esse é o mérito histórico dele. Eu prefiro os “diluidores” de critério, não aqueles que abandonam a idéia de critério, mas aqueles que dialogam com determinado critério, vão fundo nas conseqüências, arriscando-se confundir-se, deixar o futuro em aberto. Acho que hesitar, cismar, não é necessariamente uma paixão fraca, ou melancólica. Pode ser uma coisa forte, propositiva, se tiver um olhar generoso pras coisas que ainda podem acontecer.

Segundo esse critério, me interessariam os poetas que estão tentando construir alguma coisa a partir da explicitação corajosa das suas dúvidas, das suas perplexidades, da vontade de aventura, e menos aqueles que estão preocupados em levar adiante algum tipo de filão da tradição (e a aparente exceção do Faustino talvez diga alguma coisa sobre a poesia dele). É claro que não é fácil fazer um paideuma assim, ele será sempre discutível, suscetível a contestação, etc. Mas critério é isso mesmo, é discutível, e por isso é bom que exista.

nora said...

ela mastiga

como ficam esses chiados agora,
essa overdose de línguas
ritmos
a descontinuidade
(palavra contra)
não são rumos
nem concêntrica a minha visão
para que generalizar.
São chiados
não doses de conta- gotas
nem leite de mamadeira
nem caixas, nem flores
quando instiga
não é mais o som
fique atento
perplexo, perturbe-se
a poesia contemporânea
não se aninha

Anonymous said...

Eu tambem diria que o fato de que as circuntancias historicas fazem diferenca parece obvio, no entanto, usa-se muito no Brasil este "obvio" para, em realidade, passar-se por cima da questao. Uma reflexao concentrada sobre esta obviedade varreria do mapa, por exemplo, grande parte do discurso critico que tenta corroborar toda e qualquer atitude formal como historicamente valida. O que acaba sendo confortavel, tanto para os que querem bancar a sirene de emergencia, reclamando que nada presta, fincados em parametros criticos obsoletos, de outros momentos historicos, como para os que abusam da confusao critica para fazerem o que bem entendem com o bem comum que eh a linguagem. Para os que se aproveitam disso, hah lucro em evitar discussoes em torno destas circunstancias historicas, escondendo-se por tras do discurso da "universalidade" ou "transhistoricidade" da literatura, ou praticando meramente o silencio. Basta pensar em quantos debates e discussoes e mesas e encontros andam acontecendo no Brasil, sem que qualquer debate aberto seja realmente travado, ou sem que qualquer discussao verdadeira seja colocada no foro publico.
O discurso da "crise de criterio" provem em grande parte destas questoes obvias de "circunstancias historicas", ou da ignorancia delas, na verdade. Concordo com Siscar ao dizer que os criterios sempre estiveram em disputa. Eu diria que por haver sempre esta disputa entre os que creem que o passado (na forma da tal de tradicao) deveria prover as respostas para a crise e os que creem que cada momento historico traz complicacoes especificas para o debate. Eu nao entendo os momentos de "vanguarda" como riscos tomados pelos que se dispuseram a fazer simplesmente o novo, mas como poetas encarando justamente estas circunstancias historicas de seu tempo especifico, chegando a conclusoes de que caminhos eram necessarios naquele momento, e entregando-se a aventura intelectual (para buscar uma caracterizacao deste termo, em que alguns viram generalizacao, e que portanto busco explicitar) de fazer o que seu tempo exigia, ainda que buscando corroboracao em obras e escritores do passado. Eu vejo, portanto, neste aspecto, uma certa contradicao em expor o "obvio" da necessidade de encarar as circunstacias historicas distintas entre as epocas e ao mesmo tempo declarar ainda validos os criterios de Pound. A leitura que Pound fez do passado era interessada e baseada no que ele cria ser necessario para seu momento historico. Por mais objetiva que seja, e mesmo honesta, pois ele a expos continuamente, sua leitura e as conclusoes-parametros nao abarcam todas as manifestacoes poeticas. Pode-se julgar poetas como John Cage ou David Antin, para ficar em poetas da mesma lingua, sob estes parametros? Pode-se julgar, mesmo uma contemporanea de Pound como Gertrude Stein, sob estes mesmos parametros, apenas porque Pound os corroborou em leituras da tradicao? Pode-se, e os concretos, por exemplo, nao fizeram outra coisa nos ultimos 50 anos, lendo nos poetas exatamente o que interessava para corroborar os seus proprios criterios, como Pound fizera antes deles. Como todos fazem. Legitimo, honesto, sem problemas, desde que seja exposto como uma ideologia especifica, que NAO abarca todos os aspectos das obras destes mesmos poetas. O que nao se pode eh simplesmente "take for granted" criterios que sao escolhas. Por exemplo, nao se toca no fato de que Joao Cabral de Melo Neto retornou a poesia brasileira em grande medida ao discursivo, quebrando definitivammente com o anti-discursivo que certos modernistas antes dele (Oswald de Andrade e Murilo Mendes, principalmente) trouxeram para a poesia brasileira. Por que interessava ressaltar o "concreto" e "objetivo", nomes ideologicamente escolhidos para o anti-lirismo de Cabral, e principalmente seu processo de desmetaforizacao. Foi necessario um critico conservador como Jose Guilherme Merquior para chamar a atencao para isto, num texto sobre Murilo Mendes. O que quero dizer, tambem, por exemplo, eh que o fato de Pound ter encontrado em obras do passado exatamente aquilo que ele queria encontrar nao legitima os mesmos parametros para o nosso tempo, como talvez nao os legitimavam sequer para o seu. Mas ele estava lidando com as questoes do seu momento historico, e lidando tambem como o establishment literario do inicio do seculo XX, que seguia baseando sua critica em criterios que Pound via como obsoletos para aquele momento, ou por serem meramente ruins, o que muitas vezes eh esquecido. A aventura intelectual de um poeta estah em lidar com estas circunstancias historicas. A "angustia" para muitos estah em ter que lidar com estas questoes, ter que estabelecer os proprios criterios, buscando corrobora-los. Muito trabalho, que a maioria nao quer ter, jah que eles estao apenas ocupados em "se expressar" atraves do que pertence a toda uma comunidade, a linguagem. Querem escrever poesia como se um "poeta" tivesse, hoje, o mesmo papel que um cabeludo em alguma corte da realeza do seculo XVII ou perambulando por campos da Provenca antes disso, ou circulando pela Grecia muito antes ainda. Pound, os concretos, e os que atingem o podio neutralizador de seus trabalhos chamado de "tradicao", pelo menos tiveram a coragem de estabelecer seus criterios e expo-los. Erraram ao tentar "naturaliza-los", mas tiveram a sua aventura. Precisamos ter a nossa, usando, se necessario, mesmo alguns dos criterios de Pound ou dos concretos, nao para "naturalizar" nossas escolhas, mas para aprender com eles, sobre como eles lidaram com os problemas especificos de seu tempo, para lidarmos com os nossos.

Anonymous said...

Marcos,

sim, é ótimo poder discutir de vez em quando com gente interessada, como você, principalmente pelo costume às vezes um pouco bizarro que o meio literário brasileiro tem de agir como as célebres famílias mafiosas, em que um grupo, recusando-se a pensar ou discutir (porque age como grupo e quer proteger seus membros), propõe eliminar o que vê como adversário, por vários estratagemas, que vão da facada nas costas ao biombo de silêncio assustado.

Mas tiremos algo do caminho: entenda, não estou defendendo imitadores de nada, porque minha opinião sobre imitadores é aquela que eu falei a propósito do sub-Yeats e dos sub-poesia –brasileira-recente. Então temos a mesma opinião sobre isso, e não é o que está em discussão.

A falta de interesse na poesia tem alguns motivos: em geral, ela tem sido o principal problema dela mesma, e os leitores (estou falando de leitores, mesmo) percebem que ela não diz nada importante para sua própria época faz algum tempo. A péssima educação, governos inúteis quanto a isso, e textos péssimos escolhidos para exemplificar a poesia nas escolas, que matam todos de tédio e desinteresse. As escolhas editoriais, que inexplicavelmente (hehehe) costumam pinçar o que há de pior, de mais anódino que se escreve. E a crítica, no atual impasse que tagarelamos aqui.

Vamos lá: inicialmente, o que eu disse sobre a sistematização do Pound é muito independente deu gostar da poesia dele, não é mesmo? Ou poderíamos imaginar, por gosto pelo absurdo, que o fato de apreciar sua poesia me fizesse apreciar qqer coisa dele indiferentemente, o que, me parece evidente, não é verdade.

Outra: o sistema proposto por Pound simplesmente não é datado (quer dizer, excetuando o fato evidente de que escreveu em certa data). E isso justamente pelo que havia dito da última vez, ou seja, não é dele, ele não é um inventor de critérios, mas uma compilação de conhecimento poético de uma pilha de séculos. E ele sabia disso. Escreveu, em The Spirit of Romance (1910), que buscava constantes na arte. No entanto, é claro, você pode me apontar o que acha de datado naquilo, comprometedor para nossa época literária, e que eu terei negligenciado.

Mas Pound de jeito nenhum se apóia na nomeada da tradição. Isso é um equívoco enorme, e é o contrário do que ele fez. Se você ler o modo como suas idéias foram recebidas pelo meio literário, verá que a maior parte das opções que fez era inédita ou francamente desafiadora, e inclusive lhe custaram pessoalmente. Como não custariam, não é? Investir contra o hábito sempre traz conseqüências funestas.

Foi um dos primeiros a valorizar Corbière (que você traduziu exemplarmente) e Laforgue, chamou a atenção para Propércio, então apenas mais um dos elegíacos latinos, recuperou a crítica dantesca do De Vulgari Eloquentia, até então lida apenas nos círculos mínimos de estudiosos de Dante e da Provença, trouxe a própria Provença para o centro das discussões de musicalidade em poesia, etc. etc etc. A lista de coisas que fez em literatura desafiando a época é enorme. É rigorosamente o contrário de se apoiar em notáveis. Rigorosamente.

Hoje há um hábito enraizado de que, se uma formulação não foi produzida no segundo anterior (e se não vem com doze nominhos abstratos junto), ela é datada, querendo dizer com isso: velha, ultrapassada, ineficaz, etc. sem, é claro, o exame daquelas idéias. Isso é péssimo, anticultural. Impede que se diga: “Bom, ele tinha razão”, quando alguém de fato tem razão. Não pra ser copiado, antes que se pense que se trata disso, mas para se partir dali para outra coisa. Talvez estar certo sobre algo seja um pouco excessivo para os anos do politicamente correto, em que a maioria se sai como o Leão da Montanha, no desenho animado, buscando uma saída lateral.

Faustino repetiu Pound muitas vezes. Augusto & Haroldo, não. Citam Pound, reconhecem sua importância, referem sua obra de crítica, mas não o copiam. Ler a crítica escrita por Augusto e Haroldo de Campos e perceber que cada um tem seu estilo muito definido, e que são ambos diferentes do de Pound. Aquilo de que você se queixa nos Campos acontece na verdade com Faustino. Ele chegou a repetir seqüências inteiras de palavras nos poemas; em sua crítica, todos os estilemas típicos da escrita de Pound comparecem. E isso foi um estrago considerável, porque Faustino ele-mesmo tinha mais a ver com o tom de Yeats, Leopardi, Keats, ou do Jorge de Lima por quem sentia um fascínio quase filial, cheio de idas e voltas, dúvida e admiração infusas.

Os melhores poemas dele, os que não querem se parecer com os do Pound, se inscrevem nessa tradição de autores.

Você escolhe o “infelizmente” na questão da técnica, e fala em “dogmático”. Suponho que “infelizmente” fique reservado apenas aos poetas que nada entendem disso, e, naturalmente, não têm dúvida de que são poetas, amparados pela crítica, muito compreensiva & simpática, que escreve em geral sobre “visão de mundo”, ou como eles serviriam de ilustração a um acontecimento qqer de sua época, a despeito de sua obra.

Pound não é dogmático em poesia, como foi em economia ou política. Porque a gente só é dogmático quando não entende do assunto de que está falando. E por isso todo mundo costuma ser dogmático sobre futebol, não é mesmo? Poderemos dizer que ele é muito exigente em suas escolhas, talvez até irritante por sua precisão, quem sabe? e isso é o que até hoje lhe rende a má-vontade de muitos poetas e críticos, que se contentariam com menos, ou gostariam de ter pensado nisso antes.

E a crítica estar sem critérios é um claro problema, porque ela fica refém do esquema editorial, do que recebe a pressão dos mais poderosos no meio para que seja lido e valorizado como o melhor. Conhecemos como isso funciona, conhecemos os mecanismos. Todos aqui conhecem, na verdade. Um esquema muito mais político do que literário, no Brasil, hoje. Isso é bastante evidente nos últimos quinze ou vinte anos, que têm sido, na maioria dos exemplos, um efeito de inércia de estilos particulares de outros autores, diluídos em práticas muito fracas, mas elevadas pelo meio a categorias mais nobres, sobretudo se coincidentes com as chamadas, creio que de modo jocoso, “linhas de força”, referindo-se a algo tão pálido e inane.

A crítica ter critérios lhe daria independência, o que hoje não tem: precisa freqüentar nomes de poetas ruins porque o meio obriga, com a finura que caracteriza quem sabe que, no fundo, escreve qqer coisa. Há exceções, mas o que rege isso hoje é basicamente o esquema político.

E, a propósito: eu entendo e concordo com o que você diz, separando entre esses poetas da dúvida e dos que seguiriam filão, mas diria que a poesia não está dividida entre esses dois apenas. São apenas os mais notórios e, na verdade, os piores. Os melhores eu os entendo como escreveu o Mariano agora há pouco: se saíram com soluções que não pertencem a esse passado mais imediato, que foi surrado no Brasil por 50 anos impiedosamente.

Compreender a tradição não é o mesmo que seguir um filão, Marcos. Os melhores poetas sempre levam a tradição junto consigo, mesmo quando inventam coisas novas. Não existe o ex nihilo. Ou você poderia muito justamente impugnar todos os vers libristes que vieram após Whitman (como Pessoa, Pound, Eliot), todos os gregos e latinos que vieram depois de Homero, etc. Quando não há critério para diferenciar, tanto faz se o que temos diante do nariz é Claudiano ou Ovídio. Mas um mínimo de capacidade e discernimento nos faz perceber como Ovídio não é apenas mais um alinhavador de versos. Enfaticamente não.

Daí que critérios, que são coisa objetiva, não têm como surgir de um negócio vago como a dúvida, as vacilações, hesitações, etc. Converter isso em critério é o mesmo que dizer que não há critério. E daí voltamos pro velho esquema brasileiro, que, na verdade, não é o da crítica que avalia o que se fez, mas que acomoda os iguais sob o holofote.

PS: paideuma local é nonsense. Principalmente com um rótulo pra cada. Simplesmente não tem nenhum sentido. Rótulo é coisa pra embalagem de supermercado.

Anonymous said...

Ricardo,

não propõem neutralização. Paz diz que Eiot e Pound trazem o eixo para uma tradição européia que começou nos gregos. Bom, eles podem até ter feito isso, mas é assim que lemos sua poesia? Eu acho que não. Não fizeram isso como se tudo fosse o mesmo. Isso é o que andam fazendo agora, e precisa mudar.

Alguns poetas permanecem vivendo a síndrome de vanguarda. Quer dizer, não importa o que façam, devem inaugurar tudo de novo, igual ao esquema dos partidos políticos rivais, na troca de poder. É nesse alçapão que têm se metido, porque é um erro muito comum de circunstância histórica, e nada óbvia, essa.

Considere o que foi o começo do século XX e a necessidade de refazer uma arte estacionária. Um trabalho imenso, e alguns conseguiram propor algo que não fosse só o “deixa disso”.

O que acontece hoje? Precisamente o contrário: a “vanguarda” e sucedâneos (que já não têm mais nada a ver com vanguarda, na verdade) tomaram o lugar morno da velha arte oficial & são tão quadrados e imprestáveis quanto o que levou artistas a se rebelarem contra a paralisia geral na arte há uns cem anos.

Bom, reagir contra isso que hoje deixa a arte imóvel fazendo o mesmo que fazem (rejeitar a idéia de tradição, gerar rótulos e mais rótulos inócuos, publicar qqer coisa sem forma porque é “a minha pesquisa”, pra validar vagas teorias universitárias) não dá resultado, a não ser gerar mais do mesmo, e a arte permanece com a cara enfiada no velho buraco, como aquela ave curiosa, o avestruz.

Para que não me entenda errado, não estou sugerindo que é o que você faz, longe disso. Você sabe que respeito sua crítica corajosa, em que há pontos com os quais discordo, e aprecio mesmo sua poesia.

São circunstâncias históricas que nos dizem o que faz ou não sentido, às vezes; mas às vezes as circunstâncias históricas são apanágio daqueles que, por terem um trabalho apenas oportuno em relação a elas, escrevem o típico da época. As antologias de verso brasileiro e português te dão o exemplo límpido: estão repletas de coisas bastante justificáveis por suas circunstâncias históricas, mas lixo puro se você pensa em poesia.

É um cânone imóvel, feito com atenção à representatividade histórica, irrefletido, e veja no que deu. Deixam o melhor no escuro total, aguardando uma revisão estrutural decente.

Historicamente se faz isso e aquilo, mas o que importa de verdade? Pound deu uma resposta (repito, mes amis) que não era a sua segundo a certidão de nascimento, mas um coligido de uma porção de coisas que perpassavam épocas como um contínuo, e que ele era o primeiro a admitir que não tinha inventado.

Vocês podem dizer: “ah, isso não existe!”, ou “pura ideologia, abaixo!”. Acho perfeitamene aceitável que se diga isso, embora eu não concorde e saiba que reside nisso certa polêmica, certo mal-estar, insolúvel como tal.

Mas são critérios, não uma cartilha de como escrever, de uma vanguarda que afirmasse: “agora, junte todos seus versos à direita a página, para rejeitar o alinhamento ideológico à esquerda”, ou, pelo contrário, “escreva decassílabos, o verso mais nobre da língua portuguesa”, ou mesmo um velho aristotelismo qualquer, prescritivo. Critérios, como no ABC, te dão um exemplo imbatível de certo tipo de musicalidade nas palavras e recomendam: “Atente para o SOM que isso faz”. Sem prescrição.

Percebem a diferença?

Arnaut Daniel e cummings, Safo e Zukofsky, Dante e Cocteau. Nenhum desses pensou em escrever como o outro (e de fato nada têm a ver), mas você percebe que aqueles critérios de leitura buscando o melhor, o que deu um passo adiante, modificou ou desenvolveu, se encontra aí. Pensar que não há nenhuma relação proveitosa a se produzir me parece absurdo. Proveitosa no sentido: como avaliar? Como saber? Quem e por quê?

Mas eu sou uma pessoa muito democrática. Não quero impingir nada a ninguém. Se não concordam, não concordam. Não vamos ficar num diz-que diz-que, não é mesmo?

Anonymous said...

Gostaria de entender por que, aqui, no Brasil, o fato de termos uma tradição, que, de certa forma, foi fundada pelos modernistas e abriu o campo das experiências poéticas, é uma coisa ruim, que deve ser descartada. Curioso como nos apegamos ao Pound, aos poetas de língua inglesa, ou francesa, cuja tradição, ou idéias, se tornam válidas, enquanto as que foram produzidas aqui, dada a especificidade do país, devem ser descartadas, jogadas na lata de lixo da história, para que, assim, a nova geração crie um novo (com muitas interrogações) critério poético, ou seja lá o que for. Posso estar passando aqui um atestado de ignorância perante nossos grandes conhecedores de poesia, mas é algo que não entendo. Ter Gertrude Stein no horizonte das influências é bonito. Ter Drummond é feio e corre-se o perigo de se tornar imitador. Nossa, isso é tão velho, tão velho, que até vejo algum personagem Gonzaga Duque falando em “Mocidade morta”.

Ao mesmo tempo, não sinto que temos tantos imitadores de Drummond como se diz. Sinto que Cabral, sim, criou uma legião de influenciados (não me coloco fora, faço parte desta legião). Há um tipo de força narrativa e descritiva em Cabral que me interessa muito, como vejo que interessa a muitos outros poetas. Porém, há algo da poesia subjetiva de Drummond (daquele "eu todo retorcido") que também me interessa muito e não gostaria de simplesmente virar as costas para isso pois a novidade agora é outra, a "aventura intelectual" é outra. Será mesmo outra assim? Drummond é um poeta do século XVIII ou XIX? Até onde sei é do século XX, como eu e tantos outros que aqui estão. Ou seja, mesmo com as rápidas mudanças tecnológicas do século XX, não creio que mudamos tanto para que Drummond seja apenas um testemunho de época sem maiores desdobramentos históricos.

No meu caso, a aventura intelectual é a busca de compreensão ou de registro de um espanto diante do mundo, de tentar entender as forças que me cercam, entender a regra oculta do jogo, ou a regra escorregadia do jogo, que parece não se deixar pegar. Vejo a idéia de aventura quando leio Adília Lopes e sua relação com toda uma tradição da poesia portuguesa, sem descartá-la, mas dando passos e passos adiante, conversando com ela, sem o rancor que nós por aqui costumamos ter. É sentir na poesia de Ashbery (já que o lance aqui é citar deus e o mundo!!!) o discurso que se perde que cria desvios, que leva para outras searas inimagináveis, enquanto o poeta escavoca o próprio ser. É bonito isso! É o poeta diante de um filme de amor numa sala de cinema copiando os diálogos e criando um discurso próprio a partir desta material. Isso é aventura intelectual.

Claro, e a nossa possibilidade de descobrir uma maneira de representar esta aventura, de exagerá-la, de massacrá-la, de amá-la e ironizá-la. Tem poetas que chegam lá, outros, não. É normal, não? Agora, realmente faço minhas escolhas afetivas, descarto certos ornamentos toscos, que beiram o brega, apesar de toda a roupagem moderna, com estes versos quebradinhos, que parecem bocas banguelas, ou cheios de colchetes e sinais gráficos, ou ainda os sonetos com dó de peito (apesar de dó de peito aparecer em sonetos e poemas concretos), esta poesia atual dos nossos odoricos paraguaçus (ou mendes, parece dar no mesmo).

Tenho, sim, meus critérios. Ah, mais uma coisa, mas para o Domeneck, não entendi aquele papo de Oswald anti-discursivo versus Cabral discursivo... Acho balela. E não troco nenhum poema-piada por uma pá de versos que nosso bom-mocismo anda criando. E vejo lá no Chile, um cara como Nicanor Parra, fazendo seus poemas-bombas-piadas, imitando a forma do discurso de sobremesa e emocionando o leitor, sem ser brega, sem posar de gênio, sem ter medo de emocionar quem pega um dos seus livros para ler. Que seja uma emoção intelectual.

Aníbal Cristobo said...

Postando estes comentarios, acabei lembrando de uns poemas do Gonzalo Rojas. Aqui vao -vocês perdoem a interferência, acho que vale a pena:

Escrito con L

Mucha lectura envejece la imaginación
del ojo, suelta todas las abejas pero mata el zumbido
de lo invisible, corre, crece
tentacular, se arrastra, sube al vacío
del vacío, en nombre
del conocimiento, pulpo
de tinta, paraliza la figura del sol
que hay en nosotros, nos
viciosainente mancha.

Mucha lectura entristece, mucha envilece
apestamos
a viejos, los griegos
eran los jóvenes, somos nosotros los turbios
como si los papiros dijeran algo distinto al ángel del aire:
somos nosotros los soberbios, ellos eran inocentes
nosotros los del mosquerío, ellos eran los sabios.

Mucha lectura envejece la imaginación
del ojo, suelta todas las abejas pero mata el zumbido
de lo invisible, acaba
no tanto con la L de la famosa lucidez
sino con esa otra L
de la libertad,
de la locura
que ilumina lo hondo
de lo lúgubre
del laberinto,
lambda
loca
luciérnaga
antes del fósforo, mucho antes
del latido
del Logos.

A Juan Liscano.




NO LE COPIEN A POUND



No le copien a Pound, no le copien al copión maravilloso
de Ezra, déjenlo que escriba su misa en persa, en cairo-arameo, en sánscrito,
con su chino a medio aprender, su griego translúcido
de diccionario, su latín de hojarasca, su libérrimo
Mediterráneo borroso, nonagenario el artificio
de hacer y rehacer hasta llegar a tientas al gran palimpsesto de lo Uno;
no lo juzguen por la dispersión: había que juntar los átomos,
tejerlos así, de lo visible a lo invisible, en la urdimbre de lo fugaz
y las cuerdas inmóviles; déjenlo suelto
con su ceguera para ver, para ver otra vez, porque el verbo es ése: ver,
y ése el Espíritu, lo inacabado
y lo ardiente, lo que de veras amamos
y nos ama, si es que somos Hijo de Hombre
y de Mujer, lo innumerable al fondo de lo innombrable;
no, nuevos semidioses
del lenguaje sin Logos, de la histeria, aprendices
del portento original, no le roben la sombra
al sol, piensen en el cántico
que se abre cuando se cierra como la germinación, háganse aire,
aire-hombre como el viejo Ez, que anduvo siempre en el peligro, salten intrépidos
de las vocales a las estrellas, tenso el arcode la contradicción en todas la velocidades de lo posible, aire y más aire
para hoy y para siempre, antes
y después de lo purpúreo
del estallido
simultáneo, instantáneo
de la rotación, porque este mundo parpadeante sangrará, saltará de su eje mortal, y adiós ubérrimas tradiciones de luz y mármol, y arrogancia; ríanse de Ezra
y sus arrugas, ríanse desde ahora hasta entonces, pero no lo saqueen; ríanse, livianas
generaciones que van y vienen como el polvo, pululación
de letrados, ríanse, ríanse de Pound
con su Torre de Babel a cuestas como un aviso de lo otro que vino en su lengua;
cántico,
hombres de poca fe, piensen en el cántico.


abraços,
anibal.-

Anonymous said...

Aníbal,

nada como essa imaginação torrencial do Gonzalo. Tem algo na tradição "hispânica" ou dos países de língua espanhola (ai, ai, meus amigos, tradição... sei que todos se arrepiam diante desta palavrinha) que faz com que a poesia sempre me emocione. É o caso de Gonzalo, de Cisneros, de Parra, de tantos outros.

Abraços, Heitor

Aníbal Cristobo said...

Isso é pq a gente sempre gosta do que nao entende mesmo...rs... nao, sério, nao quero parecer irreverente: fico feliz com que vc goste.
abraçao,
a.-

Anonymous said...

ah, sim, o post lá de cima, falando de Drummond, sobre tradição e tal é meu. Não sei por que a assinatura não apareceu. Ainda não domino completamente estes jogos de computadores... abs, Heitor

Anonymous said...

Jamais disse que a tradicao deveria ser descartada. Jamais defendi que se deveria comecar do zero. Minha escolha, pura e simplesmente, eh a de relacionar-se com a tradicao de forma anti-autoritaria e nao-fetichista. Nao vejo motivos para angustia da influencia, seja nacional ou estrangeira, pois jah expus em varios lugares como eu vejo os momentos de "vanguarda", seja os do seculo XX ou de antes: escritores atentos ao seu momento historico, percebendo que certas mudancas estruturais na sociedade e na linguagem exigiam transformacoes tambem na escrita, pois a recepcao do trabalho do poeta/escritor nao poderia ser a mesma na Europa monarquica, ou na Europa pos-Revolucao Francesa, ou em terras americanas, sendo nortistas ou sulistas. Escritores que queriam fazer o necessario. O novo vinha como inevitavel, por serem momentos novos exigindo coisas novas. Eu considero incrivelmente pueril acreditar que os escritores de vanguarda de qualquer epoca estavam simplesmente querendo fazer algo "novo", bancar os "originais", ainda que isto estivesse em jogo, sendo todos, afinal, homens e mulheres com egos, como os que frequentam este blog, e qualquer outro. Jah hah gente o suficiente no Brasil saqueando os trabalhos de poetas mortos para bancarem os originais, sem qualquer preocupacao contextual. Na hora de defender seus trabalhos, estes escritores de vanguarda imediatamente recorriam a explicacoes historicas. Como Pound (perdao se a referencia estrangeira ofende qualquer sensibilidade nacional) comprendendo, por exemplo, que "a change in the language system (from inflected, to a progressively less inflected speech)" tivera um papel importantissimo nas transformacoes poeticas entre a Grecia/Roma e a Provenca dos trovadores e adiante. Apenas como exemplo. A questao eh de como se relacionar come esta tradicao-. Tambem nao vejo motivo para orgulho da influencia, pois nao creio que a mera corroboracao pela tradicao tornarah valido o trabalho de ninguem. Eu nao vejo a tradicao como um obstaculo a ser transposto, ou homens e mulheres com quem eu tenha que competir (para que? um nome de rua? nao vai impedir que eu morra e apodreca). A tradicao estah lah ao meu dispor, com o trabalho de homens e mulheres a me ajudar. Repito, a tradicao estah lah e nao pode nem tem porque ser erradicada, mas defendo uma relacao anti-autoritaria (sem usa-la para pilhar sua aura de importancia) e nao-fetichista. Tudo o que venho defendendo eh menos ingenuidade na relacao com o trabalho poetico, sem ficar naturalizando o que eh artificio, sem esquecer que o escritor faz escolhas.

Eu simplesmente sou incapaz de separar etica e estetica. Talvez eu devesse, existe tanta gente no Brasil que consegue, mas eu nao consigo e nao quero. Ao ler um poeta ou escritor, eu nao me pergunto: "o que ele estah querendo dizer?". Isto me importa muito menos. Suas opinioes nao me interessam tanto. Eu me pergunto: "O que ele estah FAZENDO com/na/atraves da linguagem e quais as implicacoes de tal acao?". Isto traz mudancas estruturais gigantescas em minha relacao com a poesia.

Toda esta corroboracao com a tradicao (relacao autoritaria com ela) nao resolve os problemas de "criacao de criterios". Dirceu, eu creio que discordamos da possibilidade de criar criterios "objetivos", como vc. chamou os de Pound. Os trabalhos poeticos de poder e vitalidade permitem que se leia neles muitos criterios distintos. Como ele escreve no "ABC": "the life of a work of art is something that just wont stay nailed down in a coffin." Eu creio que Pound estava lidando tambem com questoes que "deveriam ser obvias", mas nao eram naquele momento. Semopre gostei da intervencao bem-humorada do Frank O´Hara em seu Personism: A Manifesto: "As for measure and other technical apparatus, that’s just common sense: if you’re going to buy a pair of pants you want them to be tight enough so everyone will want to go to bed with you." E ele aprendeu muito com Pound, os dos Pisan Canots em especial. Entendo o que vc. quer dizer ao afirmar que Pound buscava (calma, Heitor, eu jah chego na relevancia desta discussao para o debate poetico no Brasil) um continuo na tradicao, reconhecendo elementos presentes na obra de muitos escritores atraves dos tempos. Isto, eu afirmo, mesmo que nao seja "invencao de criterios", como Siscar afirmou e voce discordou; permanece sendo um trabalho de escolhas, que beira o abstrato em varios momentos. Seria possivel dizer que o proprio Pound muitas vezes nao o seguiu. Por exemplo, o que mais me interessa em Pound sao os Cantos Pisanos, pois ele permite ali que a Historia realmente invada sua poesia (uma das contribuicoes de sua poesia para as futuras geracoes, na palavras de Marjorie Perloff), mas tambem a sua propria biografia, que ele nao podia mais abstrair e se percebe ele mesmo como ser historico.
Nao sei se me faco entender. Nao diria que Pound inventou os criterios, mas ele os ESCOLHEU. Sao otimos criterios, mas nao dao conta de todos os poetas que me interessam. Pode-se ler qualquer poeta com eles, e estes crieterios revelarao questoes muito importantes, mas nao todas. Veja bem, existe, alem do mais, no Brasil hoje, todo um grupo de poetas escrevendo de forma completamente descontextualizada, com uma nocao pueril de invencao que os leva a copiar poetas de outras linguas, corroborando seu trabalho justamente numa relacao autoritaria da tradicao, saqueando-lhe a aura de importancia, e declarando que veem um continuo historico em seu trabalho, baseando-se em Gongora, Lautreamont, Celan, uma verdadeira salada que acaba funcionando como formulario de aceitacao historica. Creio que a irritacao do Heitor/Anonimo estah mais ligada a isso, ainda que ele injustamente tenha "misread" isto na nossa discussao, pois estes outros poetas acusam muitos de diluir Drummond enquanto eles estao diluindo Celan. Estes poetas podem fazer o que bem entendem, soh acho pueril e desonesto como tambem tentam corroborar na tradicao suas ESCOLHAS, e se portam como "inovadores", em sua relacao ingenua com invencao, quando na verdade assumem uma relacao contextual com a poesia que eh extremamente conservadora. Mas, para eles, invencao eh simplesmente perguntar "Alguem jah fez no Brasil?" Ou o que chamo de "elefantiase semantica".

De qualquer forma, Heitor (se foi mesmo vc. o anonimo ali de cima) te confesso que esta preocupacao nacional/estrangeira nao me interessa nem um pouquinho. Isto eh critica que cheira a 1922 para mim, e eles mesmos estavam devorando estrangeiros. Digo isso com todo o respeito por voce. Sua critica estah fora de lugar aqui. Pound entrou na roda e o discutimos, assim como falou-se de Drummond e outros. Eu moro fora do pais, leio em ingles e alemao, e meus parametros de nacionalidade sao bem obliquos, para usar uma palavrinha machadiana. Ou um poeta brasileiro pode ser posto lado a lado com o de outras linguas ou ele nao me interessa. E muitos podem. Eu nao sinto o menor complexo de inferioridade por ser escritor brasileiro e nao tenho a menor baba-ovice por estrangeiros. Ninguem aqui estava fazendo isso. Se voce estava interessado em criticar o que expus acima, deveria ter dirigido a critica a quem a devia receber. De qualquer forma, sua intervencao traz uma questao interessante a nossa discussao sobre a tradicao no Brasil. A tradicao no Brasil serve meramente como formulario de adesao, como de partido politico. Muitos poetas sentem a necessidade de participar deste palanque de protecionismo alfandegario chamado de tradicao brasileira, preocupada em formar um sistema literario nacional, corroborado ideologicamente. Nao comecou com os modernistas de forma sistematica, mas com os romanticos, eu diria. E foi corroborado pelos modernistas e por criticos como Antonio Candido. Sistemas sao necessariamente excludentes, para poderem sobreviver como estrutura. Nao me lixo muito, mas me irrito quando vejo criticos tentando enfiar o trabalho de poetas dentro sistema, a qualquer custo, muitas vezes gerando linhas de influencias que sao completamente ficticias. Retornamos aqui, por exemplo, a critica que Carlito Azevedo fez.

Para terminar, quanto a Joao Cabral de Melo Neto e Oswald de Andrade. Em primeiro lugar, a culpa eh minha por citar questoes que mereceriam 57 paginas de ensaismo num comentario de blog, dando a cara aos tapas da incompreensao. Pois voce nao entendeu o que quis dizer, Heitor. Para comecar, nao entendo como no Brasil, e nao me refiro especificamente a esta questao, mas nao entendo como RESPEITO no Brasil eh visto, como diria minha mae, a 8 ou 80. Ou se eh obrigado a aceitar completamente a obra integral e em todos os aspectos de um poeta, ou se acredita que voce estah sugerindo que se jogue fora a obra dele. Critico certas questoes dos concretos, apesar de respeitar incrivelmente a Haroldo de Campos, a quem jah chamei de contemporaneo dos meus netos, roubando expressao de Hugh Kenner sobre Pound. Mas aprendi justamente com ele que respeito e subserviencia sao coisas diferentes. Nao entendo, Heitor, sua irritacao com o que escrevi e a defesa confusa de sua posicao, trazendo Parra a baila. Nao entedi sequer sua objecao a minha "balela". Nao estava OPONDO necessarimemte Cabral e Oswald. Estava tentando mostrar como lemos muitas vezes em um poeta apenas aquilo que interessa a nossa propria obra. Nao quis "atacar" Cabral ao dizer que ele trouxe elementos discursivos para a poesia brasileira, que os modernistashaviam, de certa forma, evitado. Isto eh questao de escolha. Como eu me interesso por estas questoes, me preocupo em diferencia-las. Disse apenas que se silencia a respeito, pois isto nao interessa na corroboracao, via tradicao, do trabalho de muitos contemporaneos. Sugiro que voce leia Murilo Mendes e Oswald de Andrade (tanto prosa quanto poesia) e depois leia a obra posterior a "Paisagens com Figuras" de Cabral e pense a respeito do que disse, sem crer que eu estou sugerindo jogar fora qualquer um dos poetas. Cabral, influenciado pela literatura de cordel e os poetas populares de sua terra natal, comecou a experimentar com isso. Ninguem fala, por exemplo, do trabalho de Cabral com a "oralidade", pois isto nao interessa aos poetas querendo corroborar suas nocoes ingenuas de objetividade, que saqueiam Cabral apenas dos despojos que lhes sao valiosos. Abracos ao Heitor, a Villa e Siscar, e aos silenciosos, estamos afinal todos juntos no seculo XXI.

Anonymous said...

"VOCÊ GOSTA DE KIWI?
E DE MILK-SHAKE?"



Na verdade, não adianta muito ficar falando em tradição sem especificar algumas coisas.

Em primeiro lugar, vamos entrar num acordo: nem filiação, nem tradição deveriam ser ofensas.

O problema a ser atacado, como bem colocou o Domeneck agora, é a "função" dessa tradição, e o "uso" que os poetas fazem dela.

Sendo assim não faz muito sentido, mano Heitor, perguntar por que Gertrude Stein pode e Drummond não pode.

Minha tendência atual é: se é para profaná-los, pode; se é para esticar a mão tentando pegar o imaginário bastão, ciau.

O "USO" que uma poeta nova como Angélica faz da Gertrude Stein na série de poemas sobre a banheira promove uma profanação deliciosa de Gertrude Stein. Mas se ficasse usando a Gertrude Stein como "voz da autoridade", ou para "esmagar" pedantemente os que não leram Gertrude Stein, ia ser tão ruim como os que pegam o Drummond e já começam com aquela história hierárquica de "Ó poeta maior das Minas Gerais". Não sei se há tanta gente disposta a profanar Drummond, como por exemplo a Adília profana maravilhosamente o Fernando Pessoa naquele poema em que diz que crianças mimadas crescem e acabam escrevendo coisas como "gostava de gostar de gostar...", ou como no poema em que diz que "toda carta ridícula é uma carta de amor"...
É por essa postura que eu também adoro a relação aventureira que a Adília mantém com a tradição portuguesa.

Num texto em que tenta, generosamente, ouvir o que os novos poetas argentinos têm a dizer, Tamara Kamenszain toca nesse ponto. Cito um trecho do ensaio "Testemunhar sem metáfora":

"En una sociedad en la que aparentemente ya no queda nada por profanar, escritores como Washington Cucurto, Martín Gambarotta y Roberta Iannamico, parecen descreer de que exista algún “improfanable”. Intentando despegar la escritura poética de su herramienta retórica por excelencia, la metáfora, ellos pretenden sortear tanto lo simbólico como lo imaginario con el fin de acercarse lo más posible a lo que justamente la retórica falla siempre en representar: lo real.(...) De esta manera se emprende un trabajo profanatorio que implica empezar siempre de cero. Como si no hubiera tradición literaria. O como si los datos de esa tradición pasaran, descarnadamente, a tener otra FUNCIÓN. Así, los nombres de algunos escritores que precedieron a estos poetas, dejan de operar como un guiño de complicidad literaria y adquieren, sobre la página, un VALOR DE USO. Por ejemplo Zelarrayán, apellido del poeta Ricardo Zelarrayán, es “USADO” como título de un libro de Washington Cucurto. Ya dentro del libro, el personaje llamado

Ricardo Zelarrayán
era arrastrado de los pelos
por los guardias de seguridad
por tirar las espinacas
al piso
la bandeja de kiwis
al piso
por destapar los yogures
de litro.


Como se puede ver, aquí el proceso sacralizador que suele dejar separada a la tradición literaria confinándola al museo de la cultura, queda profanado. Haciendo uso de esa tradición con fines inesperados, se la restituye al cuerpo de donde había sido arrancada (literatura) inyectándole vida nueva."

Carlito

Anonymous said...

QUEM SE LEMBRA DA LIBELU?


Aos 17 anos, anos de movimento estudantil na universidade, namorei uma garota chilena, filha de exilados políticos. Chamava-se Silvia e me ensinou, entre outras coisas, a amar o Chile. Ainda não havia para mim Nicanor Parra, nem Gonzalo Rojas, nem Enrique Lihn, nem Huidobro, e muito menos Roberto Bolaño. Melhor assim. Melhor que o Chile tenha entrado em meu coração pelas mãos de uma garota que usava luvas nas festas da Libelu. Trata-se de uma cirurgia enfim, e as mãos dos poetas tremem.

Neste dia em que mais um ditador estúpido desaparece da face da terra, é nela que penso, em onde andará, se é feliz (tomara que sim), se comemora muito (tomara que sim).

A morte de Pinochet me dá vontade de postar aqui um poema de Nicanor Parra e outro do Gonzalo Rojas, dois poetas chilenos. Desculpem essa breve interrupção nos debates, mas raios partam se eu não fiquei feliz - mesmo gripado - com a notícia da morte desse sujeito. Com a idéia de que Silvia e seus pais, e seu marido e seus filhos, devem estar comemorando nas ruas de Santiago.

Já não tenho pai, Silvia. Minha mãe se ampara num fiozinho de razão. Amo muito uma jovem carioca, poeta, linda. E continuo não bebendo nem fumando.

O poema de Parra é este:


POEMA

De aparecer apareció
pero en una lista de desaparecidos



*


E este é o de Gonzalo Rojas:



CARTA AL JOVEN POETA PARA QUE NO ENVEJEZCA NUNCA

Repita usted siete veces: no hay
rata curativa y sanará, repita, repita,
hasta que las palomas salgan volando del pantano
y aparezca Lautréamont como por encanto
riendo sin paraguas
ni mesa de disección, ¡pamplina
el azar!, el juego es otro
y no se sabe cuál, no hay
belleza convulsiva ni menos
hada, ni
mucho menos computación, la apuesta
es distinta, usted
mismo es la musa con sus zapatos hamletianos de rey
sin nadie adentro diciendo el to be
y el not to be de la farsa parado
ante nadie desde el momento
que el momento va a estallar, se lo digo, repita,
repita: no hay rata
curativa, toda rata acarrea peste.

***


Não gostaria, por nada deste mundo, de "volver a los 17", mas relembro também hoje, com alegria, o primeiro disco de música chilena que você me deu de aniversário, Silvia. E que eu detestei. Mas te devolvo aqui a mesma única palavra que você escreveu na dedicatória: "adelante".


Carlito Azevedo

Anonymous said...

"Aventura intelectual"; "risco"; "relatividade de critétios"; "objetividade de critérios"; "perigo de generalização"; etc. Essas foram as constantes - ou pelo menos me pareceram ser - do que se escreveu aqui sobre poesia. Concordo com o Ricardo: não dá para separar ética de estética, o poema e o poeta SÃO de certo modo o que se REALIZA na linguagem. Isto, quando "bem-sucedido" (não me perguntem por quais critérios: escolham os seus), é precisamente a aventura intelectual de que fala Carlito Azevedo a propósito da poesia que lhe interessa. Mas não posso deixar de responder a certa afirmação, primeiro, de Marcos Siscar, depois, de Dirceu Villa. Não me parece que a forma-soneto, em Bruno Tolentino, seja camisa-de-força. Em seu último livro, "A imitação do amanhecer", o alexandrino é tão plástico, de escansão quase quantitativa, próxima da língua inglesa, e a novidade da matéria que trata tão patente, que não sei como é possível negar que seja esta uma nova experiência ou aventura intelectual - aventura esta que, por razões provavelmente defensáveis, mas não explícitas, desagrada a Marcos Siscar. Quanto à alegada objetividade ou imparcialidade dos critérios de Pound, defendida por Dirceu, estou de novo com o Ricardo: tais critérios não dão conta de toda experiência poética possível. Em geral, me desagradou nas discussões a citação de autores e idéias aprendidos e conhecidos, ao que parece, de orelhada, sem a necessária paciência e profundidade (evidentemente posso estar errado: mas foi minha impressão...). Todos somos, em certo aspecto, superficiais - mas esforcemo-nos por parecê-lo quanto menos.

Érico Nogueira

Anonymous said...

Carlito, Marcos,
Gostei do que vocês disseram sobre a aventura intelectual, isso dá um caldo legal para pensar o trabalho com a literatura que se faz hoje. A aventura acontece justamente quando se arrisca com desconhecido para se chegar a outros lugares igualmente desconhecidos e assim se produz uma “tradição” que não é de ruptura nem de continuidade, ao contrário, pertence a uma deriva dessa tradição, mas talvez isso se tenha revelado um tanto inútil para a noção de presente, de poesia do presente. Acho que a poesia do presente, que envolve uma noção muito maior do que a noção de contemporâneo poderia oferecer, é aquela que assume o risco inclusive de deixar de ser poesia, ou ainda, de fazer com que a poesia se coloque num lugar outro, num lugar de passagem entre os discursos, entre os lugares originários da poesia, e que não devem ser confundidos com o espaço, com a circunscrição de um território para a poesia.
Escrever poesia do presente hoje pra mim tem a função de fazer coincidir duas coisas que a modernidade esgotou há muito: a possibilidade do conhecimento e da experiência.
O problema é como fazer experiência poética e ao mesmo tempo produzir o novo se nosso presente está saturado de memória. Nietzsche já falava da hipertrofia da memória em “Considerações extemporâneas”, essa superabundância que paralisa a ação, elimina o futuro e promove a melancolia. Como recuperar a faculdade de se ter e fazer experiência? Será que precisamos suspender o conhecimento, a tradição? Acho que só isso não garante a potência da poesia, pois há duas instâncias subjetivas no ser humano moderno que caminham juntas uma da outra, inseparavelmente unidas na sua aventura inútil. Uma instância seria aquela marcada pela posição de Dom Quixote, o velho sujeito do conhecimento, com toda sua memória da tradição, que foi enfeitiçado, e só pode fazer a experiência sem nunca possuí-la. Inseparavelmente ao seu lado, encontramos a posição de Sancho Pança, o velho sujeito da experiência, que só pode ter experiência, sem faze-la nunca. Enquanto um faz experiência com a tradição - não com a racionalidade, mas sim baseado na falta dela - para encontrar valores e critérios, o outro apenas possui a experiência e a reproduz com base no cânone, reproduz o conhecimento mediante a construção de um caminho certo, de um “méthodos”, ou seja, de um ABC da literatura em direção ao valor máximo da construção lingüístico-discursiva. Ao invés disso, a aventura de Dom Quixote se baseia em um caminho paralelo que é o caminho da “quête” medieval, o caminho dos heróis que ele recorda em sua relação pouco ortodoxa com a tradição. Ao contrário de todo experimentalismo possuidor de conhecimento seguro, é o reconhecimento da ausência de caminho (a-poria), de método, que fundamenta a única experiência possível para a literatura. Pelo mesmo motivo a “quête” é o oposto da aventura que na idade moderna se apresenta com o último refúgio da experiência. A aventura pressupõe que exista um caminho para a experiência e que esse caminho passe pelo extraordinário e pelo exótico que, por sua vez, se contrapõem ao familiar e ao comum. No universo da “quête” o exótico e o extraordinário são apenas cifras da aporia essencial a toda experiência. Carlito, a aventura gera cansaço, gera a fatiga nas retinas do poeta. Os modernistas já falavam disso. Mario de Andrade em A escrava que não é Isaura, anota que um “menino de 15 anos neste Maio de 1922 já é um cansado intelectual. [...] O raciocínio, agora que desde a meninice nos empanturram de veracidades catalogadas, cansa-nos e CANSA-NOS”. O problema do presente não pode ser definido pelo cansaço, pois assim teremos que reutilizar os mesmos procedimentos já usados pelos modernistas diante da hipertrofia da memória, que foram a paródia, o pastiche e a citação. E daí decorrem as análises críticas baseadas nas gerações, nas filiações entre a poesia dos que estão com as retinas cansadas. Dom Quixote, se visto apenas pelo prisma da sua “quête”, não se cansa. A “quête” não gera fadiga uma vez que nela vive-se o ordinário e o familiar como extraordinário e o extraordinário como familiar e nisso reside o seu valor que não é da ordem das grandezas e nem pode, por isso, ser chamada de literatura menor. É poesia do presente, é ordinária, isto é, de todas as ordens, envolve todos os tempos, pois é anacrônica já que trata o extraordinário como ordinário e vice-versa. Não provoca fadiga como na aventura intelectual, porque no lugar de reinstituir a prática da memória, a memória do modernismo, por exemplo, propõe a prática imemorial da “quête”, isto é, a busca pela experiência como a-poria(o abandono do caminho).
Susana Scramim

Anonymous said...

Caro Carlito,
em que sentido exatamente você usa o conceito "profanar" quando fala em "profanar" a tradição?
abraços
Leo Soares

Anonymous said...

Érico, citei Tolentino rapidamente, para não deixar de citar algum nome, evitando a "generalização" anônima que estava incomodando algumas pessoas. Mas escrevi uma resenha sobre o livro que você cita (22/7/2006, na Folha de São Paulo). Está em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2207200631.htm Se não der acesso, posso te mandar.

Anonymous said...

oi susana,

gosto muito de ler tudo o que você escreve. e esse comentário seu aí não foi exceção.

mas eu acho que você, como alguns outros, deixou escapar uma coisa. aliás, o principal.

você viu a lista de poetas que eu citei como aqueles em cuja poesia eu vejo uma "aventura intelectual"?

eu cito de novo:

"Adília Lopes,
Nicanor Parra,
Tamara Kamenszain,
Leopoldo María Panero,
Nathalie Quintane,
Michael Palmer,
Dominique Fourcade
e mais alguns"

(entre esses "e mais alguns" aí poderiam constar ainda um Emmanuel Hocquard, um Arturo Carrera, um Charles Bernstein... mas os citados já dão conta do recado)

diante dessa lista, desses poetas, me responda, por favor:

você vê na obra deles alguma dessas coisas que você "lê" na palavra "aventura"? como "fadiga", "cansaço", etc.

por exemplo, você diz que "A aventura pressupõe que exista um caminho para a experiência e que esse caminho passe pelo extraordinário e pelo exótico que, por sua vez, se contrapõem ao familiar e ao comum."

pode conciliar isso aí com a poesia da Adília Lopes?

você acho que é isso que se lê em Adília Lopes? quando eu cito Adília Lopes entre as autoras da "aventura intelectual" você não desconfia que eu esteja falando de outra coisa?

não te ocorre, a partir dessa lista, que o que eu chamo de "aventura" não é o que você está chamando de "aventura"?

só existe a sua forma de "ler" a palavra "aventura"? ou melhor, não é lícita a minha forma bem diferente de "ler" a palavra "aventura"?

não será a poesia dessa gente justamente aquela que, como você escreveu, "assume o risco inclusive de deixar de ser poesia, ou ainda, de fazer com que a poesia se coloque num lugar outro, num lugar de passagem entre os discursos, entre os lugares originários da poesia, e que não devem ser confundidos com o espaço, com a circunscrição de um território para a poesia."?

eu não posso considerar isso uma "aventura"?

aviso que se você mandar uma resposta bem convincente, estou disposto a concordar com você, e sempre desejoso de concordar com você.

beijo

Carlito

Anonymous said...

Também gosto muito do que você escreve, Carlito. Acho que discordamos do termo a ser utilizado para pensar sobre a poesia do presente e não dos sentidos que ele pode adquirir. Só que o termo escolhido, escolhido de forma não gratuita, escolhido com cuidado, pode promover o pensamento, pode promover um texto que “faça a diferença”. Prefiro pensar com a forma “busca”, “quête”, no lugar de aventura. Na “quête” pervive uma noção de abandono do “projeto” e tomar o caminho de um outro projeto, mas é um outro projeto, que é o de catar, buscar catando, catando esmola, catando aquilo que sobra. Ao contrário, na aventura tem que ter projeto e para ter projeto tem que ter uma finalidade, um fim. Pra mim a literatura do presente é um meio que abandona o seu fim, a sua finalidade (entenda isso nessa ambigüidade). Penso que há textos que podem falar melhor sobre isso que te digo, dessa maneira, transcrevo aqui um trecho de “Depois da história”, do último livro do Marcos, O roubo do silêncio:
“ [...] (Hoje dispensei os chinelos, desci descalço na direção da porta do prédio. Tudo me levava à comunhão com o solo, a um espírito de precisão. Mas logo na sola dos pés percebeu-se o embaraço. E a razão do próximo passo feriu-se à sombra amarela da repetição. Olhei bem direto no metal e no vidro da porta, mas minha força se dividiu em duas. Uma dela partiu em direção à rua, levando o lixo, fiel à humana pista, e desfez-se no pó de dias. A outra ficou, ciência sem método, acumulação sem dono, direção sem rumo).[...]”

E da Adília, do último livro dela Le vitral de la nuit. A árvore cortada.

"Sigo
o meu caminho
que é torto

Um corvo
me acompanha
e um porco

Passo
pela árvore
e pela forca

Passo
pela igreja
ao abandono

Não abandono
a igreja
ao abandono"


O mesmo ocorre com o teu poema “Do livro das viagens”, de Versos de circunstância.

"Liliana Ponce não esqueceu o seu casaco no salão de chá
Liliana Ponce nem estava de casaco
(No Rio de Janeiro fazia um belíssimo dia de sol e dava gosto olhar cada
[ferida exposta na pedra)
Liliana Ponce, conseqüentemente, não teve que voltar às pressas para a
[casa de chá
(a garçonete com cara de flautista da Sinfônica de São Petesburgo não veio
[nos alcançar à saída
[acenando um casaco esquecido)
Desse modo Liliana Ponde chegou a tempo de pegar o avião
Partiu para a Argentina."


Aqui você abandona a idéia da viagem.

E a própria Liliana Ponce diz em “El conocimeinto siembra el cuerpo”, de Teoría de la voz y el sueño.

"[...]
Hablo en lo transitorio, busco en lo transitorio
y las señas pasan por el silencio de las cicatrices.

Después del mar, la tierra.
Después de la tierra, los ojos
- placer maternal.

En todas partes derramas las preguntas
que se alinean en el mapa de la sed.
Sin guía tus pasos me encuentran
y aun sin fruta tu boca es mordida.
Ahora mis brazos se alargan
para llegar a tu carne desnuda.

Y en el pensamiento tu semejanza me sostiene
para huir del temor o del éxtasis.

Será que eu consegui me explicar? Deu pra entender isso que eu vejo como o “abandono” na “quête”?

Um beijo

Susana

Anonymous said...

As cigarras
e as formigas
comem mantras
na festa do templo zen...

a Esfinge dá uma piscadela
pro ceguinho...

a neve não pode cair...
e...
o Buda não pode calar...

E o Buda diz:

Por que entregar uma palavra tão bela como "aventura"
ao campo inimigo?

Por que proclamar sua invelidez precoce?

O Buda diz que o melhor da aventura ainda nem chegou...

E aventura com projeto não é aventura...
aventura é aventurar-se sem projeto...

Tirem a palavra
aventura do index maldito.

Pela aventura.

"Busca" é coisa de "google".

Buda Nagô.

Anonymous said...

A paráfrase de Giorgio Agamben da Susana Scrammin não é muito esclarecedora. Até porque ela esqueceu de dizer que aquela distinção entre Dom Quixote e Sancho Pança como figuras do sujeito do conhecimento, em que o comentário dela se baseia, é 100% Agamben - com exceção das formulações um pouco confusas. Uma ida ao texto do Agamben (o livro se chama Infância e história, e saiu no Brasil pela ed. da UFMG) deixa bem mais evidente a pertinência do que ela está dizendo acerca da diferença aventura/quête. Claro que isto não invalida o que o Carlito disse, uma vez que a noção de aventura que ele tem em mente não pode ser reduzida à noção de aventura do Agamben e da Susana.

Anonymous said...

Oi, Anonymus, queria te agradecer por indicar o “caminho” certo aos meus leitores tão confundidos com minhas formulações mal digeridas. Queria te agradecer mesmo, mas nem ao menos sei o seu nome, não posso nem te dar os créditos. Não que isso seja importante pra mim, ao contrário, e acho que já deu pra perceber que pra mim a questão da autoria passa por outras veredas. É que eu ando tão barroca nos últimos anos que levo muito a sério a concepção de tempo, de obre e de autor desse modo de pensar. Você já ouviu falar sobre o problema da “auctoritas”? Eu escrevi um ensaio sobre isso, “Do sentimento de pertença”, publiquei no livro Crítica e ficção, ainda, organizado por Raúl Antelo, 2006.
Sendo esse minha teoria, eu até escrevo mensagens pra Anonymuns, sem nenhum problema, mas acho que você não conseguiria fazer o mesmo, porque a identidade e a originalidade de idéias são coisas que você valoriza muito, apesar de você não assumir isso como deveria. Seria bom para os leitores do asescolhasafectivas que você esquadrinhasse claramente a aporia que o Giorgio detecta em todo processo de produção de saber.
E esse fragmento do poema “Fractal”, do Carlito, é para contribuir com a tua reflexão que meus leitores confundidos estão a esperar de você:

"No meio da faixa de terreno destinada a trânsito tinha um
[mineral da natureza das rochas duro e sólido
tinha um mineral da natureza das rochas duro e sólido no
[meio da faixa de terreno destinada a trânsito
tinha um mineral da natureza das rochas duro e sólido
no meio da faixa de terreno destinada a trânsito tinha um
[mineral da natureza das rochas duro e sólido.

Nunca me esquecerei deste acontecimento
Na vida de minhas membranas oculares internas em que
[estão as células nervosas que recebem
[estímulos luminosos e onde se projetam
[as imagens produzidas pelo sistema
[ótico ocular, tão fatigadas. [...]"

Você conhece o debate da filosofia do presente sobre a teoria do “dèjá vu”? Já ouviu falar de anacronismo formal?
Esperando a sua efetiva participação no debate,
te envio uma saudação,
Ass. Susana Scramim

Anonymous said...

Para os que acham que estamos
no feriado mais constrangedor
de todos (e só para os que acham),
aqui vão três sugestões para
fazer passar de modo mais
rápido e indolor o tempo...
é tudo do You Tube:

1. Conhecer a cidade de Itabira, onde nasceu Carlos Drummond de Andrade, guiados pela mais espetacular guia turística do mundo. Neste endereço:

http://www.youtube.com/watch?v=OqnTmwAOa0s

(Se não der certo, busque no You Tube "Júlia dança em Itabira")

*


2. Assistir a uma leitura especialíssima do TENDER BUTTONS, da Gertrude Stein. Neste endereço:

Gertrude Stein

http://www.youtube.com/watch?v=AnOOICsZ5NA

(Se não der certo busque no You Tube: "Tim reading Gertrude Stein")

*

3. Trocar o cartão de natal por uma carta anfíbia de Ricardo Domeneck. Neste endereço:

http://www.youtube.com/watch?v=kO0VquruMi4

(Se não der certo busque no You Tube: "Garganta com texto")

*

Abraços
Carlito

Anonymous said...

estimado carlito:

sé que este foro no es el lugar apropiado, pero aprovecho su existencia para pedirte tu mail, hace tiempo que quiero comunicarme con vos, angelica free-itas me había dado tu dirección y la perdí.
mi mail es crisquitin@yahoo.com

pd: o comentario da kamenszain sobre a nova poesia argentina, mesmo que valiente, é, na minha opiniao, esperanzadamente simplista, e ao menos um dos tres poetas lá citados dedica uma grande parte do seu arsenal formal á metáfora (comecando pelo fato de que o nome dum outro poeta -zelarrayan- no poema já é uma metáfora). tem muito pessoal aqui teorizando sobre un supuesto despojamiento "realista" en la nueva poesia argentina; ainda é preciso un estudo que delimite o que há de artificio (inevitavel, por outra parte) dentro desse realismo, para assím llegar a determinar os tipos de artificios ou procedimentos que já sao inaceitaveis nesta nova poesia (e que sao ou foram aceitaveis pra uma outra poesia, ou seja, perdon por la circularidad, para la poesía y la crítica que se contenta con decir "los nuevos poetas son realistas").
é dificil falar da diferencia entre a novo realismo em relacao com a poesia anterior. o que eu vejo é que os novos poetas argentinos, vamos falar, com mais carater e mais formacao, ou falemos os mais "aventureros" (tirando fora da palavra o sentido de "nao sei pra onde eu vou") geralmente son lidos sem a paciencia necessaria para localizar aqueles rasgos que pedem atencao formal (nao somente a identificao de una frase com o seu referente real/objetual/do mundo do consumo/ do neoliberalismo etc), tal vez porque a sociedade em geral tá sempre forzando a barra do debate político, coisa que é saludavel e necessaria, tambem na literatura, mais que pode resultar incompleta pra determinar o reemplazo de um procedimiento por outro (nao precisa ser formalista pra pensar assim). a leitura de walter benjamin fez desastres entre a gente.
por exemplo, uma coisa que caraterizou a poesia argentina dos 60 até o neobarroco é a influencia total de cesar vallejo e dum coloquialismo emotivo, cordial, "entrador" (no juan gelman temos un caso). na poesia contemporanea "realista" isso já nao aparece muito. porém, acho que outros procedimentos, além de serem diversos segundo o poeta, também estao hoje á vista dos leitores.

saludos desde buenos aires ao anjo e ao demonio da nova poesia brasileria: a angel freitas e o demoneck ricardo.

Anonymous said...

aventura intelectual, gostei disto, pois retira qualquer possibilidade de originalidade completa, mas corta com o ranço de um tradicionalismo bolorento. Creio que no Brasil existem basicamente dois tipos de poetas, os bons e os ruins (sic). Os ruins não têm potencia suficiente para se aventurar. Os que se aventuram já fazem poesia, um gesto. A questão da imitação não estava já ultrapassada? Como ainda tem gente que acha bonito fazer poesia - erudita... Cito, a escritora Marici Passini " Hamelt, uma reescritura":


O hipotexto não funciona como alvo, mas como experiência. Ele tem o mesmo estatuto de um acontecimento ; ou de uma impressão, no sentido proustiano : ele atualiza fora do tempo, no Tempo puro, uma sensação real. O hipotexto é a experiência (direta, por quê não?) que dá origem ao hipertexto ; mais do que isso : é a substância – o tema ; a literariedade – deste segundo texto. O objetivo hipertextual da reescritura é interno. Poderíamos dizer : é estético. Poderíamos dizer : é a própria literatura. Poderíamos dizer : é a criação. A reescritura não tem função ; ou melhor, sua função é ser. Tel quel.

Heitor F.M. said...

Ciranda virtual para divulgar versos

Poetas mostram seu trabalho e selecionam obras alheias no blog ‘As escolhas afectivas

Thais Britto
(Globo, Sábado, 17/02/07)

Carlito gosta de Siscar que gosta de Marília que gosta de Domeneck que gosta de Angélica. Mas na quadrilha organizada por Aníbal Cristobo, ao contrário da de Drummond, não há final trágico para qualquer dos personagens. Eles podem ser encontrados no blog “As escolhas afectivas” (asescolhasafectivas.blogspot.com),criado por Cristobo há poucos meses e que funciona de maneira simples: poetas mostram seu trabalho e indicam outros escritores da ativa de que gostem ou com os quais tenham afinidades. Hoje, já são mais de 80 poetas cadastrados, de nomes consagrados como Armando Freitas Filho e Zuca Sardan às (ainda) desconhecidas Angélica Freitas e Marília Garcia — que no próximo mês lançam seus primeiros livros pela editora Cosacnaify. “Rilke Shake”, de Angélica, e “20 poemas para o seu walkman”, de Marília, integram a coleção Ás de Colete, que incluirá ainda o novo livro de Ricardo Domeneck, “A cadela sem logos”. Os três serão lançados no Rio dia 10 de março.

Forma de conhecer a produção poética do país

Inspirado no quase homônimo argentino, “Las elecciones afectivas”, o blog se auto-intitula uma curadoria autogestionada da poesia brasileira. Parece pretensioso, mas Cristobo garante que esta não era a intenção:

— A minha motivação foi a de devolver alguma coisa boa ao Brasil e aos poetas brasileiros, com quem eu tenho uma dívida cármica de gratidão. Sempre fui muito bem tratado no Brasil, humanamente e poeticamente — diz o escritor, que é argentino, morou no Brasil entre 1996 e 2001, e tem três livros publicados por aqui. — Eu havia participado como poeta no blog argentino e gostei da dinâmica que nos obrigava a dividir um “espaço” com tratamento igualitário, fosse um poeta consagrado ou autor desconhecido de uns poucos versos.

Para Cristobo, o blog é ainda uma bela forma de conhecer a produção poética do país. Os entusiastas do gênero têm opções diversas de buscas: podem ver os últimos poemas publicados, encontrar os nomes na lista alfabética ou podem — do jeito mais divertido — simplesmente ir seguindo os links de um poeta para outro.

O poeta Carlito Azevedo (um dos listados) diz conferir as atualizações diariamente.

— É ótimo conhecer autores novos, jovens ou simplesmente desconhecidos para mim. Nos seus melhores momentos, esses jovens praticam uma espécie de profanação de muitas coisas que ainda eram improfanáveis — diz Azevedo, que há 9 anos edita a revista de poesia “Inimigo Rumor”.

O caráter abrangente do projeto, cujo critério de inclusão é literalmente afetivo, é um dos pontos favoritos de Marília Garcia. Ela diz que, no blog, conheceu poetas de cuja existência jamais teria sabido:

— O fato de estarem todos reunidos num único lugar é interessante. São vários grupos com perspectivas poéticas diferentes que podem conviver, discutir e ler o que está sendo feito pelos outros. No blog argentino, talvez por ser mais antigo, ou pelo temperamento dos nossos vizinhos, há discussões acaloradas entre esses grupos.

Autores criticam estado da poesia atual

Na hora de falar sobre a relação entre as editoras e a poesia, as discussões acaloradas aportam por aqui. Se todos concordam que “As escolhas afectivas” é uma alternativa para leitores que querem conhecer a poesia contemporânea brasileira, os autores divergem na hora de opinar sobre o mercado. Angélica Freitas acredita que, se o gênero é renegado, a culpa é também dos poetas.

— Vai ver a poesia se distanciou dos leitores: muita coisa que está sendo escrita não interessa a eles. Não digo que o poeta tenha que escrever para vender. Mas ou você é uma pessoa ligada no que está acontecendo ao seu redor ou não é — diz.

O poeta Ricardo Domeneck, que atualmente vive em Berlim e trabalha também como videomaker e DJ, vai mais longe:

— O mercado não está interessado na poesia porque o público não está. A maioria dos poetas desligou-se por completo do mundo em que vivem, e preferem ver-se como gênios incompreendidos a jogar pérolas a porcos. A poesia brasileira contemporânea, com algumas exceções, está entre as mais entediantes do planeta.

Para o veterano Zuca Sardan, é a postura do lucro a qualquer preço que não é (ou não deveria ser) condizente com a arte literária.

— Naturalmente, poesia nunca venderá tão bem quanto os dramalhões glamorizados por filmes emproados com romances marítimos — brinca. — Mas as editoras e livrarias que se prezem não podem se limitar a vender livros como se fossem simples mercadoria, tal ventiladores, sapatos, presunto e bacalhau.

Marília lembra que há diversas revistas literárias que circulam com periodicidade constante, além de pequenas editoras que seguem publicando o gênero. A sempre redentora internet e, conseqüentemente, sites como “As escolhas afetivas” também estão entre as saídas apontadas pelos autores. Sardan acredita que não há meio melhor para a troca de idéias entre poetas e leitores.

— A renovação de autores, leitores, e da própria poesia foi catapultada pelo dinamismo da internet e do espírito cinegético das novas gerações. Velocidade, volúpia, esfacelamento do discurso contínuo... as características da atualidade jogam a favor da poesia, que deve aproveitar a deixa, e não ficar no cais — afirma.

Anonymous said...

Gostei de ler o que disseram meus colegas de ofício. Penso que cada poeta faz sua navegação peculiar, escolhe seguir um grupo ou não, escrever isolado. No Brasil, mais do que em outros lugares, nota-se a formação de grupos, de seguidores e de líderes. Isso pode ser enriquecedor, para alguns.

Talvez igualmente bom fosse discutir técnicas, o melhor uso em poesia das formas fixas, do verso livre, da elipse, da parataxe...

Será que alguém pode me ajudar a formar um juízo de valor sobre a parataxe em poesia?

Anonymous said...

parataxe em poesia? ler paul celan e o primeiro capítulo de 'mimesis', de auerbach. mas se v. tiver uma bíblia do lado, é ainda, das três, a melhor saída.

abs.

carlos codax

Anonymous said...

Gosto imensamente de poesia mas não sou poeta. As discussões de vocês têm me alimentado muito, obrigada! Inicio agora um trabalho cênico com o tema "perder" (e derivados como "perder-se", "perdição" e perdida"). Será que alguém poderia me ajudar dizendo se conhece algum poema que toque nesta aventura temática?...
Caso alguém conheça adianto que gostaria de ler para um possível trabalho de "ação-poética" com eles.
Abs, Bya Braga (atualmente RJ)

Lucas Nicolato said...

Como sou uma pessoa que começou a escrever poesia nos anos 00, acho que tenho algo a dizer sobre minha experiência.

Em primeiro lugar acho que a poesia no Brasil está passando por um momento incrível, e que tudo indica que não será só um momento. Nunca se teve tanto acesso a um número tão grande de poemas como nos últimos dez anos. Qualquer pessoa com um PC e uma linha telefonica pode navegar entre milhares de poemas. Mais importante, qualquer pessoa com um PC e uma linha telefônica pode publicar poesia. Existe um oceano de poemas por aí: bons, ruins, antigos, novos. Qualquer pessoa com um PC e uma linha telefônica pode criticar poesia.

Por outro lado, vejo que muitas pessoas ainda vêem poesia e crítica de poesia como se vivêssemos na época dos monges copistas. Não vale a pena perder tempo discutindo "o que vale a pena em poesia". No passado tínhamos recursos escassos para escrever, publicar e divulgar poesia, fazia todo o sentido do mundo discutir se determinado autor tinha ou não valor, afinal ele poderia estar ocupando espaço que seria melhor aproveitado com outro autor. Hoje isso não acontece. Simplesmente existe espaço pra todo mundo! Os recursos para divulgação de poesia são milhares de vezes superiores à demanda. Essa não é a hora de ficar pensando se um autor é bom ou ruim, se deve ou não ser lido. O leitor de poesia provavelmente vai gastar menos tempo lendo toda a obra de um autor do que tentando encontrar textos que o orientem a ler ou não aquela obra.

E, obviamente, hoje, não é só um grande desperdício de tempo e talento realizar crítica negativa, como totalmente inviável. Nem se todos os críticos concordassem em trabalhar juntos seria possível enumerar todos os autores que não merecem ser lidos. Eles brotam como as cabeças da hidra. E, sinceramente, eu acho isso ótimo. O mesmo se aplica a tentar estabelecer critérios de exclusão.

Por favor, amigos críticos, não gastem seu tempo tentando separar o joio do trigo. O que eu gostaria de ler, e creio que muitas outras pessoas também, é uma crítica que ajude a tornar o trigo mais trigo. Gostaria de uma crítica que me mostrasse poetas e poemas, e me ajudasse a tornar a leitura desses poemas uma experiência mais proveitosa. Quem sabe até me ajudasse a tornar a experiência de escrever poemas mais proveitosa, e a tornar meus poemas experiências mais proveitosas para meus leitores.

Esse é o meu pedido. Peço por favor e com lincença. Porque eu não me sinto capaz de produzir essa crítica que eu gostaria de ver, mas acho que vocês são. Se não quiserem atender, tudo bem, se curtem escrever esse tipo de crítica, va bene. Tenho certeza de que outras pessoas se darão ao trabalho de ler.

Um abraço a todos,
Lucas

Anonymous said...

Começando, sou novo nessa história de Internet, e a mera existência de um debate desses me deixa muito feliz. Coloca então as minhas opiniões sobre esse tema: 1º em relação à esse debate proposto por Carlito, penso que essa ânsia pela novidade é uma característica que herdamos do movimento romântico, e, portanto, ultrapassada. 2° Posto isso, já que não existem mais estilos, e que o pós-moderno é a colcha de retalhos deles todos, a crítica é desnecessária, e toda produção artística pode ser dividida nas categorias "eu gosto" e "eu não gosto". Rui Xavier

Ivo Korytowski said...

Poetas geniais sempre existiram e continuam existindo. Caberá ao tempo, somente ao tempo, filtrar em meio à "balbúrdia" o que merece se eternizar. Uma poetisa pouco divulgada que considero genial é a Maria Thereza Noronha. Eis um modesto apanhado de sua obra:

Poemas de Maria Thereza Noronha

Cores

A dama em preto e branco nos cinzentos
domingos. A amarelinha nos azuis.
Papagaios carmim rosa magenta
levantados no céu, braços em cruz.

Verdes anos. Do rio as pardacentas
águas acalentavam corpos nus.
Mexericas e ameixas cismarentas
ao pôr-do-sol filtravam ouro e luz.

Da imprensa marrom não se sabia.
Laranja, só a fruta merecia
o nome. Na inocência iam as horas.

O bispo em sua roupa solferino.
Nos dedos andarilhos dos meninos
o roxo corrompido das amoras.

Do livro O verso implume

O profeta

Chegou sem deixar claro porque vinha.
Viveu ao Deus-dará, lírio do campo
coberto de esplendor, como convinha
a um servo de Deus. Um pirilampo

alumiava suas noites pardas.
Dizia-lhe bom-dia um rouxinol.
Algum lampejo em sua face tarda
à visão de uma garça ou um girassol.

Alimentou-se de ervas e raízes.
Não teceu nem fiou. Tentado, acaso,
rechaçou o demônio e seus matizes.

Partiu como chegou, ao fim do prazo.
E, por anos de vida tão felizes,
lavrou o seu recado em ferro e brasa.

Do livro A face dissonante

Luz e treva

Assim, ensolarado, o dia nasce
na lânguida mangueira. E a sebe ébria
de verde, em breve, reverbera. A face
da natureza é um solo que a celebra

em sonatas de luz. Embriagados,
os brincos-de-princesa, os brancos cardos
parecem levitar. E abreviados
sejam nossos suspiros nessas tardes.

Assim, ensimesmada, a noite túrgida
em sua negra túnica, ressurge
e, em trevas, entretece o brusco manto.

E encobre o trevo, a trova, o torvelinho
do trêfego pomar, e o desalinho
de nosso destramado e urgente canto.

Do livro A face dissonante

Imponderável

De onde tira a poesia sua lâmpada?
Onde lapida a pedra em que germina
o caroço da amêndoa, a casca fina
de cerejas colhidas numa estampa?

Como se torna o ímpeto na lânguida
maçã a se ofertar em purpurina
e seda, aos olhos presos na retina
desatados em asas de lavanda?

Como nasce do pântano a serena
flor, da náusea o canto, do ódio a pena
e da lâmina o corte sem vestígio

de sangue? E a rosa incerta na mandala
faz-se nítida à mão que a despetala
ou é a mão que a inventa, num prodígio?

Do livro Poesia em três tempos

Cruzadas

Cruzei palavras com o vento.
Suspiros e folhas secas
vieram na horizontal
desinências, dissonâncias
na vertical
sussurros e amendoeiras
sopraram em diagonal
anáforas e amor-perfeito
na transversal.

Cruzei palavras com o vento.
Vieram textos canônicos
na vertical
pássaros brancos em bando
na horizontal
sonetos camonianos
no original
e sapos bandeirianos
no Carnaval.

Cruzei palavras com o vento.
Cartas Chilenas chegaram
na horizontal
Castroalvinas flutuantes
espumas na vertical
sermões de Padre Vieira
no areal
Machado de Assis é Aires
no memorial.

Com o vento cruzei palavras.
Vieram folhas em branco
na vertical
vagas estrelas da Ursa
na horizontal
a roca sem fuso ou uso
no vendaval
e um poema esfacelado
na marginal.

Do livro Poesia em três tempos

No Tempo em Que a Canção



A música eletrônica me faz nervosa e insone
centopéia no ar gritando com cem pernas
queria envelhecer ao som do gramofone
no tempo em que a canção era abafada e terna.

O tempo onde o mocinho vencia o bandido
e a vida em preto e branco alternava mistérios
vivia-se e ninguém falava ao telefone
e o pai levava o filho a ver o trem de ferro.

Vivia-se e ninguém falava em Microsoft
e a vida, delicada, punha os pés na terra
queria envelhecer ao som de um foxtrote
no tempo em que a canção era abafada e terna.

Do livro O verso implume



Maria Thereza Noronha, mineira de Juiz de Fora, considerada por Ivan Proença "uma das melhores poetas do Brasil-hoje". Formou-se em Direito pela UFJF e trabalhou como advogada no BNH e Caixa Econômica Federal. Participou do Grupo Edições de Minas, de poetas de Juiz de Fora. É aluna da Oficina Literária Ivan Proença. Livros: A Face na água (edição da autora, 1990), Pedra de limiar (Edições de Minas, 1993), A Face Dissonante (Oficina do Livro, 1995), "Alaúde", parte do livro Poesia em três tempos (Editora Bom Texto, 2001), O verso implume (Oficina do Livro, 2005 - a ser lançado em 17 de maio próximo, a partir das 19 horas, na Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro). Reside no Rio de Janeiro, aposentada.

Paulodaluzmoreira said...

Quando algumas pessoas falam sobre poesia [ou prosa] contemporânea no Brasil, sinto um certo ranço saudosista, dos bons tempos em que a produção era bem menor e os grandes mestres modernistas escreviam seus clássicos. Só que esse saudosismo é alimentado por uma visão altamente distorcida do nosso passado recente. A produção não era tão pequena assim e muita porcaria foi escrita naquela época e depois completamente esquecida e os tais clássicos modernistas não eram absolutamente vistos assim.
Há quem se queixe da falta de “direção” da poesia contemporânea e critique o “ecletismo” em vigor. Essa tal “direção” tão clara que as pessoas vêem na produção anterior é um construção feita posteriormente por pessoas que tinham um certo [não necessariamente suficiente] distanciamento e fizeram uma seleção, um corte na produção variadíssima da época. Nada contra fazer seleções ou cortes, mas não dá para achar que a seleção representa o todo. Ou alguém aqui acha mesmo que absolutamente ninguém escrevia sonetos parnasianos ou simbolistas nos anos 30?
O que acontece hoje é que as pessoas publicam com muita facilidade por causa da tecnologia acessível e mais barata, ou pelo menos enchem páginas e páginas da internet com seus poemas. Obviamente a maioria é uma porcaria. Antigamente essas porcarias seriam esquecidas em revistas literárias de poucos números encalhadas em baús mofados. Hoje vivem boiando no espaço da www ou enchendo outros baús, cheios de livros que ninguém leu e que começam a tomar bolor.
O aumento da produção em si é positivo; acho mesmo que todas as pessoas que gostam de poesia [infelizmente não são tantas assim; sou professor universitário e sei disso] deveriam escrever poemas antes de tudo para si mesmas e depois oferecê-los livremente uns aos outros. Faria bem às pessoas e não tão mal aos outros, que na pior das hipóteses podiam forrar com os poemas a gaiola dos seus passarinhos.
O que me incomoda um pouco na produção contemporânea é o corporativismo das pessoas que se organizam em grupos que se elogiam mutuamente e criam um clima em que o espírito crítico é substituído pela linguagem rasteira da resenha promocional de jornal. Também vejo em muitas pessoas o sonho meio aburguesado [e bastante ingênuo] de que elas podem um dia tornar-se escritores "profissionais", escrevendo em tempo integral e vivendo das vendas de seus livros, algo que leva muitas pessoas a toda sorte de populismos bobos em vão.

Pedrinho RENZI said...

escolhas afetivas
A CARA DA POESIA BRASILEIRA...
FEITA de gente:
COYOTES! SALAMES BALAS E BOBOS...
eruditos e anônimos campus...cemitirus...academicus...
SILIBA BABEL CIGARRA ARTÉRIA
ruas avenidas e palácios da corrupção...
a POESIA VAI INDO..JURO QUE NÃO FUI EU QUEM MATOU A POESIA BRASILEIRA...
silubus inimigos rumor AZOUGUE e

COYOTESSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSCOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOTEEESSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSCOYOTE!!!!!!!!!!!!!!
coyces em mulas-midiáticas!!!

Aníbal Cristobo said...

Estamos com sorte
todos os bobos daqui:
chegou o pedro renzi
pára nos salvar.

un saludo para todos aquellos que de verdad colaboran (leyendo, pensando, divulgando, sugiriendo cambios, etc) con este blog:
a casa é de vocês.-

Aquele abraço,
Aníbal Cristobo.-

Franklin Cirino said...

Venho observando uma tendência, digamos, "Ultra-Romântica", guardadas quase que todas as excessões. Observo uma ânsia de fuga de um mundo apocalíptico, ferido por chagas incuráveis. De outro lado há poetas que preferem acreditar num mundo melhor, outros ainda idealizam um mundo de características etéreas, translúcidas, arejadas. Enfim, há mesmo um afã por escapar do mundo atual. Venho interpretando isso em bons autores contemporâneos.
Penso que ainda há resquícios pulsantes do Pós-Modernismo, que, na minha opinião pretensiosa e sem sentido, foi a última relevante escola literária.
Um liame tênue interliga o Pós-Modernismo e a atualidade literária brasileira. Esse liame traspassou toda a paraliteratura e nos alcança hoje.
Reparei também a valorização da rima.