Saturday, January 13, 2007

ANNITA COSTA MALUFE



mencionada por:
Valeska de Aguirre
Fabricio Corsaletti
Heitor Ferraz
Sergio Nazar David
Daniela Ramos

menciona a:
Afonso Henriques Neto
Chantal Castelli
Fábio Weintraub
Roberto Piva
Ruy Proença



poemas


(1)

os livros o carpete a pilha de livros no chão a estante abarrotada de livros
o espaço sem lugar para respiro
o pó dos livros
eu me fazia lúcida em meio à fumaça de cigarro que se misturava com a poeira
a poluição do centro da cidade ao meio dia
a longa espera
e eu olhava para o teu rosto com uma pergunta insolúvel
que mal sabia formular
os teus olhos perdidos na neblina
(não sei se eram teus olhos que eu buscava
tampouco sei se era você)
teus olhos estavam voltados para dentro em uma acrobacia nunca vista
havia também os óculos e o suor havia os rasgos do teu rosto as rugas alguma ferida
havia alguma ferida mal cicatrizada
essas marcas o pó a brisa acinzentada que tingia os vidros o mofo nas páginas dos livros
tanta coisa preenchia o espaço entre a minha pele e a tua
(e eu nem sabia se eram teus olhos ou algo que estava por trás deles
por trás da acrobacia que teus olhos faziam)
tanta coisa prendia nossa respiração
que eu devia me fazer lúcida e aguardar
um banco a vontade de ir ao banheiro o café morno da garrafa
o cenário de uma vida em que os livros envelhecem antes dos corpos
eu não podia lamentar minha presença nem a dos papéis craft enrolados a coleção de papéis com as pontas amassadas
os arquivos de metal
era preciso ter algo por onde passear os olhos os meus olhos
(não sei se eram os teus que eu buscava
ou se buscava fugir)
passear os olhos no cartaz de uma peça da década de setenta o pôster de uma tourada espanhola o cardápio de um restaurante italiano em um vilarejo medieval
como fugir destes monumentos mínimos de uma vida
qual seria esta espera
teus olhos voltados para trás da cabeça e a minha pergunta reverberando entre as paredes entre o mofo das paredes
a minha pergunta grudada na umidade quente e abafada de um meio dia no centro da cidade
a minha pergunta que não chegava até você que não chegava em teus olhos voltados para dentro que não alcançava a acrobacia dos teus olhos e ficava pregada na fuligem dos ônibus nos ruídos que se misturavam com as palavras com as nossas palavras
nossas vozes que eram só fumaça e confusão algum pequeno fio que nos mantivesse ali que nos prendesse mesmo que momentaneamente entre aquelas estantes abarrotadas de livros caixas papelões objetos de acrílico de madeira jogos que já nem se fabricam mais
(e eu nem sei se era você que estava ali
por trás da minha respiração)


(2)

a imagem no aparador é mera alucinação
um meio nariz mal delineado a quarta parte de um olho
o queixo um pedaço de gola
a sombra de um tronco infantil
seria uma lembrança não fosse o fato
de não me reconhecer nestas unhas que saem de dedos compridos
no modo de cruzar as pernas
curvar o corpo inclinar o pescoço para a esquerda
para a direita
piscar nervosamente a quarta parte de um olho negro
cravado numa pele transparente
seria mera alucinação?
uma das mãos se mantém fechada
enquanto seguro o guarda-chuva e procuro
dentre os pedaços dispersos
o outro braço que alcançaria a maçaneta da porta a meu lado


(3)

dos fios desta separação, abre-se uma porta discreta, pequena
quase imperceptível
economizar uma ou outra palavra não faz diferença
são fios longos
um emaranhado de ondas e feixes de luz
não faz grande diferença a geografia das frases
falamos articulando tons e gestos apenas
nada transcorre de fato nas frases
nada nas palavras ou no entre-sílabas
mas fios
um emaranhado que às vezes transparece
às vezes some
um calar de expressões e olhares
a boca entreaberta
um fechar de pálpebras
ao alcance das mãos a maçaneta a porta
uma pequena porta que às vezes transparece
às vezes some
nesse longo emaranhado
de fios
em que se buscam e se perdem
nossas vozes nossos vãos
fios
e uma longa separação
a porta entreaberta
já não posso me conter
as curvas transparecem em meus dedos
a curvatura da maçaneta e a porta
tão pequena, ao fundo
a porta que se abre
a porta e a passagem para fora




(mini-currículo)
Annita Costa Malufe (1975) é autora do livro de poemas Fundos para dias de chuva (7Letras, 2004) e do ensaio Territórios dispersos: a poética de Ana Cristina Cesar (Annablume, 2006). Atualmente conclui o doutorado na Unicamp sobre poesia contemporânea brasileira.



(poética)
“Sem algo que force a pensar, sem algo que violente o pensamento, este nada significa. Mais importante do que o pensamento é o que ‘dá a pensar’; mais importante do que o filósofo é o poeta”. Minha poética é uma mistura da constatação de que “o essencial está fora do pensamento, naquilo que força a pensar” (roubando as palavras de Deleuze) e da idéia do Roberto Piva: Tudo o que chamo de literatura é meu esforço em fugir da civilização de vocês.







5 comments:

Anonymous said...

Olhos demasiados grande
corpo ex-ótico.

evoé para uma visão em Cuiaba.

Poética Hybris

Anonymous said...

Anibal, por que parou? parou por quê? ;)

Aníbal Cristobo said...

Nao desespere: daqui a pouco voltamos com mais!
abraços,
a.-

Anonymous said...

Annita, me ha gustado tu poesía. Esa forma de hablar del mundo desde la mera referencialidad de lo circundante, de lo atmosférico. Se disfruta poesía como la tuya.
Saludos desde México.
lp

tatiane marchi said...

Oi, Annita,

Sobre a sua tese, na verdade eu assisti a defesa. Explico: Em 2008 eu comecei a me interessar por Ana Cristina César, inclusive escrevi minha monografia de conclusão de concurso sobre a sua poesia.
Nessa época, vi pelos corredores do IEL o anúncio da defesa da sua tese. Fiquei curiosa e fui assisti-la, depois li a tese e "Territórios Dispersos". Gostei muito da sua perspectiva. Tanto é que na minha monografia dialogo com sua leitura em vários momentos.

A partir disso e do "as escolhas afectivas" conheci sua poesia e tenho gostado muito de lê-la.

Ah, Obrigada pela leitura e comentário do meu texto. Fiquei contente com o contato.
Abraços.
Tatiane Marchi