Alberto Pucheu
menciona a:Alberto Pucheu
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Claudia Roquette-Pinto
3 poemas
Amuo
A não ser pela sobriedade, não se percebe
o que se aproxima. Devagar, limítrofe, o
corpo desperta, lasso. Embriaga-se com
pesar. O olho pára, interrompido. Assiste-
se aos sons, ao tempo ausente, à eternidade do
dia.
Amiúde pressente-se - o pulso caído, o
gesto recolhido - qualquer coisa indevida:
todo lugar, distante; todo rumor, ruído.
Produz-se o intervalo, o estado inerte.
Cresce o mato, fica o pó. Vê-se que não é
nada.
E depois, sem que se resista, sem que quem
quer se debata, parte, torna à ronda; mas
deixa o cheiro de chuva caída, de telha
úmida, de terra orvalhada. Devolve tudo à
tenra tez: o ar, o senso, a sede, que se
apura, e de novo a
vida.
A tarde e eu
Por detrás do vidro do carro, vejo, nesta tarde em que chove, a tarde que esquecerei. E porque a esquecerei, esta tarde possui uma beleza diferente da de todas as outras tardes que não esquecerei. Desta tarde, nada ficará, embora a veja, agora, fugaz, diante de mim. Não posso tê-la, apenas perdê-la. É real esta tarde que esquecerei. As tardes que não esquecerei, ao contrário, são as tardes que inventei. Esta tarde que tenho diante de mim, por detrás do vidro do carro, esta tarde em que chove, não posso inventá-la. Só posso inventá-la como a tarde que esquecerei. Por isso, escrevo sobre esta tarde. Para ficar registrado esse esquecimento.
Eu mesmo, tão inventado quanto as tardes que não esquecerei, diante desta tarde que esquecerei, tão real e fugaz, sinto-me também fugaz e real. Eu mesmo sou este que esquecerei: a tarde, mas também esse (eu?) que vê a tarde e que esquecerei ter sido; este que não pude inventar, senão como aquele que esquecerei, e que esquecerei ter esquecido.
Le silence de la mort
Mais fácil esconder-se nas palavras que no silêncio,
mas inda mais fácil esconder-se no silêncio sem palavras.
Por trás do sonho, o sono.
Mais sans le rêve, pas de sommeil.
Où est le sommeil du rêve?
Sinon dans le rêve de ne pas être un rêve?
Sinon dans le rêve de n’être qu’un rêve?
Sans le rêve, quoi du Dieu?
Et pas de Dieu sinon d’après le rêve.
Por trás da mentira, a verdade.
Mais sans le mensonge, pas de vérité.
Où est la vérité du mensonge?
Sinon dans le mensonge de ne pas être un mensonge?
Sinon dans le mensonge de n’être qu’un monsonge?
Sans le mensonge, quoi de la femme?
Et pas de femme sinon d’après le mensonge.
Por trás da palavra, o silêncio.
Mais sans le mot, pas de silence.
Où est le silence du mot?
Sinon dans le mot du silence?
Sinon dans le silence du mot?
Le mot songe? Le mot ment? Le mot mort.
Mais sans le mot, quoi de la mort?
Et pas de mort sinon d’après le mot.
Le mot a son mot à dire.
Il dit mot. C’est un enigme.
C’est son dernier mot:
La mort, le mot gros de silence.
Bio/biblio
Cláudio Oliveira é Doutor em Filosofia pela UFRJ e professor do Departamento de Filosofia da UFF. Co-organizador de Clínica Psicanalítica das Psicoses ( Niterói: Eduff, 2005) e um dos autores da coletânea 10xFreud, organizada por Angela Bernardes (Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2005). Em sua trajetória se cruzam os caminhos entre filosofia, literatura e psicanálise. Considera-se um escritor bissexto, e dois de seus textos foram publicados nos sites da "revista.doc" (http://www.letras.ufrj.br/ciencialit/revista.doc.htm) e "confraria do vento"(www.confrariadovento.com).
Poética
É claro que todo mundo sabe o que é um poema, mas poesia é algo mais difícil de definir. Nâo me considero um poeta e acho até que uma denominação como essa, hoje, é meio anacrônica. Soa cafona. Acredito mais na escrita. No mundo, hoje, há muitas pessoas que escrevem. O difícil é definir a partir de que momento uma escrita passa a ser literária. Para mim, escrever é uma coisa que se faz porque é preciso. Mas para ser literatura é preciso um pouco mais. Acho que o diálogo com a tradição é fundamental. Um escritor é alguém que escreve porque foi um leitor. A literatura, para roubar uma frase de Freud, é uma modo de transmitir a peste.
3 poemas
Amuo
A não ser pela sobriedade, não se percebe
o que se aproxima. Devagar, limítrofe, o
corpo desperta, lasso. Embriaga-se com
pesar. O olho pára, interrompido. Assiste-
se aos sons, ao tempo ausente, à eternidade do
dia.
Amiúde pressente-se - o pulso caído, o
gesto recolhido - qualquer coisa indevida:
todo lugar, distante; todo rumor, ruído.
Produz-se o intervalo, o estado inerte.
Cresce o mato, fica o pó. Vê-se que não é
nada.
E depois, sem que se resista, sem que quem
quer se debata, parte, torna à ronda; mas
deixa o cheiro de chuva caída, de telha
úmida, de terra orvalhada. Devolve tudo à
tenra tez: o ar, o senso, a sede, que se
apura, e de novo a
vida.
A tarde e eu
Por detrás do vidro do carro, vejo, nesta tarde em que chove, a tarde que esquecerei. E porque a esquecerei, esta tarde possui uma beleza diferente da de todas as outras tardes que não esquecerei. Desta tarde, nada ficará, embora a veja, agora, fugaz, diante de mim. Não posso tê-la, apenas perdê-la. É real esta tarde que esquecerei. As tardes que não esquecerei, ao contrário, são as tardes que inventei. Esta tarde que tenho diante de mim, por detrás do vidro do carro, esta tarde em que chove, não posso inventá-la. Só posso inventá-la como a tarde que esquecerei. Por isso, escrevo sobre esta tarde. Para ficar registrado esse esquecimento.
Eu mesmo, tão inventado quanto as tardes que não esquecerei, diante desta tarde que esquecerei, tão real e fugaz, sinto-me também fugaz e real. Eu mesmo sou este que esquecerei: a tarde, mas também esse (eu?) que vê a tarde e que esquecerei ter sido; este que não pude inventar, senão como aquele que esquecerei, e que esquecerei ter esquecido.
Le silence de la mort
Mais fácil esconder-se nas palavras que no silêncio,
mas inda mais fácil esconder-se no silêncio sem palavras.
Por trás do sonho, o sono.
Mais sans le rêve, pas de sommeil.
Où est le sommeil du rêve?
Sinon dans le rêve de ne pas être un rêve?
Sinon dans le rêve de n’être qu’un rêve?
Sans le rêve, quoi du Dieu?
Et pas de Dieu sinon d’après le rêve.
Por trás da mentira, a verdade.
Mais sans le mensonge, pas de vérité.
Où est la vérité du mensonge?
Sinon dans le mensonge de ne pas être un mensonge?
Sinon dans le mensonge de n’être qu’un monsonge?
Sans le mensonge, quoi de la femme?
Et pas de femme sinon d’après le mensonge.
Por trás da palavra, o silêncio.
Mais sans le mot, pas de silence.
Où est le silence du mot?
Sinon dans le mot du silence?
Sinon dans le silence du mot?
Le mot songe? Le mot ment? Le mot mort.
Mais sans le mot, quoi de la mort?
Et pas de mort sinon d’après le mot.
Le mot a son mot à dire.
Il dit mot. C’est un enigme.
C’est son dernier mot:
La mort, le mot gros de silence.
Bio/biblio
Cláudio Oliveira é Doutor em Filosofia pela UFRJ e professor do Departamento de Filosofia da UFF. Co-organizador de Clínica Psicanalítica das Psicoses ( Niterói: Eduff, 2005) e um dos autores da coletânea 10xFreud, organizada por Angela Bernardes (Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2005). Em sua trajetória se cruzam os caminhos entre filosofia, literatura e psicanálise. Considera-se um escritor bissexto, e dois de seus textos foram publicados nos sites da "revista.doc" (http://www.letras.ufrj.br/ciencialit/revista.doc.htm) e "confraria do vento"(www.confrariadovento.com).
Poética
É claro que todo mundo sabe o que é um poema, mas poesia é algo mais difícil de definir. Nâo me considero um poeta e acho até que uma denominação como essa, hoje, é meio anacrônica. Soa cafona. Acredito mais na escrita. No mundo, hoje, há muitas pessoas que escrevem. O difícil é definir a partir de que momento uma escrita passa a ser literária. Para mim, escrever é uma coisa que se faz porque é preciso. Mas para ser literatura é preciso um pouco mais. Acho que o diálogo com a tradição é fundamental. Um escritor é alguém que escreve porque foi um leitor. A literatura, para roubar uma frase de Freud, é uma modo de transmitir a peste.
5 comments:
Mais ágil esconder-se nas palavras que no silêncio, sem porques e sem piscar.
silêncio sem palavras, lavradas a repeticao, infelizmente necessária.
Por trás do sonho, o sono.
atrás do sono, olhos rápidos
O Cláudio se autodefine como poeta bissexto...
Vejam só, a definição primeira de bissexto é também a correção regular que somos obrigados a fazer no tempo do mundo: então, segundo o próprio, o poeta bissexto é aquele que, necessariamente, inexoravelmente, deve impor sua correção ao nosso tempo, incrustando um dia na vida dos dias que vivemos...
Caio Meira
Maravilhoso, poesía, bucear no abstracto á percura de perlas preciosas, ainda que moitos dos que viven todo o tempo na superficie non sempre as aprecien...
blog-poesia!
amei! não... muito mais q isso!
Fui aluna do Cláudio em 1995, na UFF. Eu era de Letras minhas afinidades eletivas me levavam à filosofia assim como ao cinema. Bom confirmar que aquele dom para o ensino da filosofia era já atuação do poeta.
abraço
Tânia Lúcia Barros
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