foto: Bel Pedrosa
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mencionado por:
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Antonio CiceroArmando Freitas FilhoPaulo Henriques-Britto
Ferreira Gullar
Nelson Ascher
Régis BonvicinoClaudia Roquette-Pinto
Carlito Azevedo
Ferreira Gullar
Nelson Ascher
Régis BonvicinoClaudia Roquette-Pinto
Carlito Azevedo
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poemas:
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(inéditos)
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VALSA PARA GRAÇA.
Abra-se tudo
em grande-angular:
alas a ela, abra-se tudo
em salas que se abram
em salas abertas, salões,
e o que se fechara
antes desabroche
numa sucessão de estrelas
em pleno dia claro.
Abra-se o teto
do planetário, abra-se
o coração do fogo
e nele toda dor
torne a nada e
nada lhe resista e
por onde passe alastre
sua leveza. Alas a ela,
e que ela me leve.
Porque nela tudo parece
mover-se sobre salto
alto, sobretudo a alma,
a alma que parece calçar
a mesma sandália que
as palavras e os gestos
dela, alas
a ela, que, assim
alta,
como que vai
descalça e dançasse
sobre-além dos alarmes
e do medo, largando
na sua valsa
um rasto só de beleza.
Alas a ela, alas,
e que ela me
leve.
A COSTUREIRA
Abra-se tudo
em grande-angular:
alas a ela, abra-se tudo
em salas que se abram
em salas abertas, salões,
e o que se fechara
antes desabroche
numa sucessão de estrelas
em pleno dia claro.
Abra-se o teto
do planetário, abra-se
o coração do fogo
e nele toda dor
torne a nada e
nada lhe resista e
por onde passe alastre
sua leveza. Alas a ela,
e que ela me leve.
Porque nela tudo parece
mover-se sobre salto
alto, sobretudo a alma,
a alma que parece calçar
a mesma sandália que
as palavras e os gestos
dela, alas
a ela, que, assim
alta,
como que vai
descalça e dançasse
sobre-além dos alarmes
e do medo, largando
na sua valsa
um rasto só de beleza.
Alas a ela, alas,
e que ela me
leve.
A COSTUREIRA
Para Danielle Jensen
Ouve o tecido, pousa
o ouvido, ouve com os olhos.
À fibra e ao feixe interroga
sobre o que se entrelaçara,
distinguindo a linha, o intervalo,
o vão, o entreato, atenta
para o que na fala geométrica
e repetida dos fios é um outro
vazio: o de antes da trama, ato
anterior ao enredo; óculos
postos para a escuta, a escuta
desfia-se no vento, o olho
flutua, folha, flor, agulha;
fecha os olhos; ouve
com as pontas dos dedos;
indaga do tecido o modo,
os limites, a função, a oficina,
a forma que ele quer ter,
a coisa, a casa que ele quer ser; e
costura como quem à mão e
à máquina descosturasse
o dicionário,
rasgando em moles móbiles
seus hábitos, o vinco de sua farda.
IMPRESSÃO
Da janela, impossível distinguir o vestido
apressado adeus na louça improvável, azul
dos paralelepípedos, menos ainda o passo,
tac-tac à borda esquerda do rio,
também ele tingido pela hora
e a ponte, a torre, as árvores.
Nada contesta a monocromia da tarde
(exceto a tristeza que sinto,
traço negro, nota pouco extensa
e, de resto, inteiramente dispensável,
à margem desta tarde,
tarde demais).
Ouve o tecido, pousa
o ouvido, ouve com os olhos.
À fibra e ao feixe interroga
sobre o que se entrelaçara,
distinguindo a linha, o intervalo,
o vão, o entreato, atenta
para o que na fala geométrica
e repetida dos fios é um outro
vazio: o de antes da trama, ato
anterior ao enredo; óculos
postos para a escuta, a escuta
desfia-se no vento, o olho
flutua, folha, flor, agulha;
fecha os olhos; ouve
com as pontas dos dedos;
indaga do tecido o modo,
os limites, a função, a oficina,
a forma que ele quer ter,
a coisa, a casa que ele quer ser; e
costura como quem à mão e
à máquina descosturasse
o dicionário,
rasgando em moles móbiles
seus hábitos, o vinco de sua farda.
IMPRESSÃO
Da janela, impossível distinguir o vestido
apressado adeus na louça improvável, azul
dos paralelepípedos, menos ainda o passo,
tac-tac à borda esquerda do rio,
também ele tingido pela hora
e a ponte, a torre, as árvores.
Nada contesta a monocromia da tarde
(exceto a tristeza que sinto,
traço negro, nota pouco extensa
e, de resto, inteiramente dispensável,
à margem desta tarde,
tarde demais).
bio/biblio
Eucanaã Ferraz nasceu no Rio de Janeiro, em 1961. Publicou, entre outros, os livros de poemas Livro primeiro (Edição do Autor: 1990), Martelo (Sette Letras, 1997), Desassombro (Portugal, Quasi 2001 e 7 Letras, 2002 - Prêmio Alphonsus de Guimaraens, da Biblioteca Nacional, melhor livro de poesia de 2002) e Rua do mundo (Companhia das Letras, 2004).
Organizou Letra Só, seleção de letras de Caetano Veloso, editado em Portugal (Quasi, 2002) e no Brasil (Companhia das Letras, 2003). Em parceria com Antonio Cicero, elaborou a Nova Antologia Poética de Vinicius de Moraes (Companhia das Letras, 2003). Organizou ainda Poesia completa e prosa de Vinicius de Moraes (Nova Aguilar, 2004) e a antologia Veneno antimonotonia (Objetiva, 2005), onde reuniu poemas e letras de grandes de importantes nomes da poesia e da música brasileiras.
É professor de Literatura Brasileira na Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde obteve o título de mestre com dissertação sobre Carlos Drummond de Andrade, e o de doutor com tese sobre João Cabral de Melo Neto.
Na web: http://www.eucanaaferraz.com.br
Organizou Letra Só, seleção de letras de Caetano Veloso, editado em Portugal (Quasi, 2002) e no Brasil (Companhia das Letras, 2003). Em parceria com Antonio Cicero, elaborou a Nova Antologia Poética de Vinicius de Moraes (Companhia das Letras, 2003). Organizou ainda Poesia completa e prosa de Vinicius de Moraes (Nova Aguilar, 2004) e a antologia Veneno antimonotonia (Objetiva, 2005), onde reuniu poemas e letras de grandes de importantes nomes da poesia e da música brasileiras.
É professor de Literatura Brasileira na Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde obteve o título de mestre com dissertação sobre Carlos Drummond de Andrade, e o de doutor com tese sobre João Cabral de Melo Neto.
Na web: http://www.eucanaaferraz.com.br
poetica*
Não tenho aptidão para a filosofia. Interessa-me a pintura, a arquitetura, a fotografia. Interesso-me por aquilo que posso ver. Tenho bem clara a noção de que esta é uma limitação enorme. E se algumas vezes procurei, sem muito sucesso, diminuir esta insuficiência, a certa altura imaginei que talvez devesse procurar, pelo contrário, extrair desta minha deficiência alguma coisa positiva. E, de fato, acabei por tentar explorar certas possibilidades, o que, no fim das contas, talvez tenha apenas tornado mais estreito o alcance reflexivo do que escrevo. Mas, de qualquer modo, adquiri consciência de que deveria converter em projeto estético a minha particular sensibilidade quando ia escrevendo os poemas de Martelo, livro que é, em larga medida, marcado pela busca de um mundo apreendido como matéria, como corporeidade. Há, por exemplo, uma pequena série de poemas chamados “Figura”, “Figura com mulher”, “Figura II” e “Figura III” que dialogam diretamente com a pintura de Matisse, que é a referência plástica mais forte e decisiva da minha vida. Descobri a arte moderna com o “Grand nu couché/Nu rose”. Eu era uma menino sem livros em casa. Aos poucos, fui lendo os romances que a escola exigia, de Alencar e de outros outros românticos. Tinha como única referência poética o Eu de Augusto dos Anjos. A arte, para mim, era uma coisa do passado. Um dia, no entanto, o menino deu de cara com a reprodução da tela de Matisse. Pronto! Foi um choque e um deslumbramento. Conheci a pintura moderna antes de saber sobre a literatura moderna. Eu desenhava bem e com muita desenvoltura. Depois cheguei a pintar. Gostava de fazer colagens. Podia passar, e passava, horas recortando papéis, figuras, sem nenhuma necessidade de leitura, sem nenhum pensamento que não a avaliação do quanto uma forma e uma cor podiam ser belas. A beleza, que considero a mais alta qualidade que a arte pode alcançar, para mim está diretamente ligada à visibilidade. Para mim, a beleza, que é uma abstração total, é algo que reconhecemos sobretudo naquilo que vemos. Claro que há outras belezas, mas sinto as coisas visíveis como mais belas que as outras. Voltando à série das figuras, no “Figura com mulher” digo que a “odalisca” (referência direta a um dos motivos mais recorrentes da obra matissiana) “não sonha” e “vive a delícia – cor/ e perfume – de estar totalmente/ neste mundo.” A visibilidade é, para mim, uma afirmação da vida, do viver, do mundo, da existência como absoluta presença. Num outro poema de Martelo, ao falar de Deus, imagino que um navio talvez possa ser “um pedaço de um pedaço/ de um pedaço do seu nariz (…)” Só sei pensar as coisas mais abstratas e vagas como matéria, corpo,coisa que se vê. Penso com o olho. O olho é minha sensibilidade. E creio que a poesia que escrevo reflete isso. Tudo o que escrevo aspira ser como aquele grande nu de Matisse, absolutamente aqui, absolutamente agora, aberto à vida e ao olhar.
* Frag. de entrevista concedida a Nonato Gurgel para sua tese de doutorado, “Seis poetas para o próximo milênio”.
Não tenho aptidão para a filosofia. Interessa-me a pintura, a arquitetura, a fotografia. Interesso-me por aquilo que posso ver. Tenho bem clara a noção de que esta é uma limitação enorme. E se algumas vezes procurei, sem muito sucesso, diminuir esta insuficiência, a certa altura imaginei que talvez devesse procurar, pelo contrário, extrair desta minha deficiência alguma coisa positiva. E, de fato, acabei por tentar explorar certas possibilidades, o que, no fim das contas, talvez tenha apenas tornado mais estreito o alcance reflexivo do que escrevo. Mas, de qualquer modo, adquiri consciência de que deveria converter em projeto estético a minha particular sensibilidade quando ia escrevendo os poemas de Martelo, livro que é, em larga medida, marcado pela busca de um mundo apreendido como matéria, como corporeidade. Há, por exemplo, uma pequena série de poemas chamados “Figura”, “Figura com mulher”, “Figura II” e “Figura III” que dialogam diretamente com a pintura de Matisse, que é a referência plástica mais forte e decisiva da minha vida. Descobri a arte moderna com o “Grand nu couché/Nu rose”. Eu era uma menino sem livros em casa. Aos poucos, fui lendo os romances que a escola exigia, de Alencar e de outros outros românticos. Tinha como única referência poética o Eu de Augusto dos Anjos. A arte, para mim, era uma coisa do passado. Um dia, no entanto, o menino deu de cara com a reprodução da tela de Matisse. Pronto! Foi um choque e um deslumbramento. Conheci a pintura moderna antes de saber sobre a literatura moderna. Eu desenhava bem e com muita desenvoltura. Depois cheguei a pintar. Gostava de fazer colagens. Podia passar, e passava, horas recortando papéis, figuras, sem nenhuma necessidade de leitura, sem nenhum pensamento que não a avaliação do quanto uma forma e uma cor podiam ser belas. A beleza, que considero a mais alta qualidade que a arte pode alcançar, para mim está diretamente ligada à visibilidade. Para mim, a beleza, que é uma abstração total, é algo que reconhecemos sobretudo naquilo que vemos. Claro que há outras belezas, mas sinto as coisas visíveis como mais belas que as outras. Voltando à série das figuras, no “Figura com mulher” digo que a “odalisca” (referência direta a um dos motivos mais recorrentes da obra matissiana) “não sonha” e “vive a delícia – cor/ e perfume – de estar totalmente/ neste mundo.” A visibilidade é, para mim, uma afirmação da vida, do viver, do mundo, da existência como absoluta presença. Num outro poema de Martelo, ao falar de Deus, imagino que um navio talvez possa ser “um pedaço de um pedaço/ de um pedaço do seu nariz (…)” Só sei pensar as coisas mais abstratas e vagas como matéria, corpo,coisa que se vê. Penso com o olho. O olho é minha sensibilidade. E creio que a poesia que escrevo reflete isso. Tudo o que escrevo aspira ser como aquele grande nu de Matisse, absolutamente aqui, absolutamente agora, aberto à vida e ao olhar.
* Frag. de entrevista concedida a Nonato Gurgel para sua tese de doutorado, “Seis poetas para o próximo milênio”.
4 comments:
Sou suspeito porque foi meu professor. Mas acho Eucanaã o máximo.
Leo Soares
quanto a mim é mais pra frente. ele ainda vai ser meu professor. salve os poetas da letras, que salvam a letras. incrível: vejo o sujeito o tempo todo, agora só venho a conhecer essa lindeza aqui, abundado em frente a uma tela que poderia estar no japão. que mais e mais poetas apareçam na rede. aliás, se você, eucanaã, der uma olhada aqui, vê se passa no meu blog, numa hora de tédio qualquer.
Leves ventos, repetidos nos mesmos tecidos
feitos pela mão nos cabelos da voz
Repousa como beija-flor-chão
ocioso
Migro-finito-clamando - través ilusão-rapida de vários pensamentos
evoé
encontrei voce no erratica.com.br
maravilhoso.
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