Wednesday, September 06, 2006

JÚLIO CASTAÑON GUIMARÃES

Danilo Bueno

menciona a:
Affonso Ávila
Duda Machado
Carlos Ávila
Cláudio Nunes de Morais
Mário Alex Rosa
Júlio César Abreu



poemas:


[sem título]
pois que não
nas hipóteses
que se tresmalham
seja em ensimesmo
seja à flor da voz
nem como projeto
numa sintaxe de ardis
nem como palpável ofego
não nenhum animal
nem seu pelame de aversão
nem a traição de seu salto
não nenhum ou talvez um
um que talvez não haja
na ferocidade do nada
ou tudo o que em si
sub-reptício nega
espreitas forjadas
pois que a própria imagem
e não
se entredevoram

(do livro Ensaios, figuras)



TARDE DE DOMINGO

assim
disposta num terraço
aberto ao tempo
a cadeira se balança
com cuidado e conforto
mas leve indecisão
quanto ao ritmo


não tanto
pelo frágil frêmito
da imagem do mar
seu brilho
de espelho fraturado
sob o sol

mas sobretudo
pela regularidade
do movimento mesmo do mar:
avanço sistemático
e recuo estratégico
a tracejar
uma linha de ameaça
ou simples prenúncio
de perigos mais fundos
– o frio dos abismos
e os restos
que habitam esta baía

não fosse vir
de dentro da casa
essa música
feita de limpidez
e medida
maquinaria impalpável
de emoção à flor da matéria
que numa recusa ao devaneio
se articula avessa à dispersão
para expor
por entre sombras
iluminadas pela razão
todo o seu desalento

(do livro Matéria e paisagem)



NOTURNO À JANELA

certas noites
a névoa invade
tão densa tudo
que impede ver
o outro lado da baía

não apenas
a linha do horizonte
ou o corpo das montanhas
ou mesmo o espaço de mar
e as ilhas interpostas

que toda noite
quase ocultos
já tendem a se tornar
mera hipótese
salvo a brisa
e o que nela há
de memória e suposição

mas sobretudo
os faróis
suas luzes intermitentes
ora pontuações do silêncio
ora suturas de uma arquitetura
sem limites sem traves
volumes insuspeitos opacos
sim um tudo desmesuradamente nada

(do livro Matéria e paisagem)



bio/biblio

Júlio Castañon Guimarães, mineiro, de 1951, publicou, além do estudo Territórios/conjunções: poesia e prosa críticas de Murilo Mendes (Imago, 1993), os seguintes livros de poemas: Vertentes (1975), 17 peças (1983), Inscrições (1992), Dois poemas estrangeiros (1995), Matéria e paisagem (1998) e Práticas de extravio (2003). Todos estão reunidos no volume recém-publicado Poemas (Cosac Naify, 2006), que inclui ainda uma pequena coletânea até então inédita intitulada Ensaios, figuras.



poética

Freqüentemente ando às voltas com uns versos de João Cabral: “Fazer com que a palavra frouxa / ao corpo de sua coisa adira”.

1 comment:

Anonymous said...

Júlio,
já tenho comigo Poemas.
Ele próprio, "maquinaria impalpável/de emoção à flor da matéria".