mencionado por:Renato Rezende
menciona a:
Annita Costa Malufe
Ítalo Moriconi
Kevin Klaus
Maria Esther Maciel
Renato Rezende
Valéria Villela
poemas:
(DO LIVRO “A PRIMEIRA PEDRA”, NO PRELO, 7 LETRAS, 2006)
ELA VIVE DE MIM
Veja este braço que em volta do corpo dela.
Mal pode avançar nas conchas do banco.
Se outro homem esteve aqui,
arrancou areia,
seixos e o lodo colorido que
pomos rente às pedras
pra divertir os videntes.
O último
foi um forasteiro que prometeu mundos e fundos
e fugiu com outro na noite de Ano Bom.
Agora queremos aprender.
Ela me disse primeiro pelas mãos.
Então fiquei ali dentro da palma esperando
a hora de me mover sem luta.
(Pare um pouco de pensar
para não se perder com o que é banal.)
A gente sempre pensa
não é preciso mais nada,
pode parar tudo.
Mas é assim que é,
não pára de acontecer,
e mal podemos acompanhar a boca, as coxas,
avançando sempre sem fé.
Pensávamos que era aquele lábio, aquele dente,
ou ainda os rios descompostos
que elegêramos para o pálido janeiro.
Depois fomos descobrindo —
não era isso, não era eu, nem ela, nem nenhuma
parte dos beijos, por mais que voltemos.
Antes do mundo já sonhávamos.
Era um mundo estranho que queríamos.
Estivemos lá. Mas esquecemos o que ele era.
Queremos lembrar.
E o que lembramos
é mar.
A PEDRA DE LÁZARO
Não a que o filho de Deus mandou
levantar à primeira mão que
se julgasse limpa.
Não a do construtor
que faz o bloco de mármore
do templo onde
só teriam lugar os que lavassem
pés, sandálias, pensamentos
e o coração (pecador).
Seja a primeira pedra
a da caverna diante da qual
deteve-se Marta dizendo:
“Já cheira mal, Senhor.”
De novo à Judéia (o dia tem
doze horas) e ainda ontem
quiseram apedrejar-vos.
Foram ao jazigo morrer
também os condiscípulos
e viram a pior das pedras
lançada fora, no abismo.
Viram que uma palavra
acende o que está perdido —
como no poema o verso
que ia morrer comigo.
O QUE ELA ENGOLE
O que ela guarda na mão esquerda?
O que ela pede enquanto levita?
De quem se lembra em sórdido fracasso?
Por que não dorme com o antebraço
em vez do travesseiro? Que destinos
giza intrépida com olhos de víbora?
Que demônio se esconde no seu berço?
A noite pode ainda assim retê-la?
O que ela engole e prende dentro do
corpo, amarrando a saia às coxas?
O que lhe rompe o peito às horas
mortas e faz abrir-se o vento, selar-se
o rito, morrer este que escreve? Às vezes
acha tudo ultrapassado, e quer fechar
os braços, o corpo todo. Que nenhum
farsante venha tirar-lhe do vermelho...
Agora é ater-se à dança, conquanto
tenham-se fechado as portas, o teto,
as paredes, e estejamos presos na vitrine.
Não quero desistir de novo e morrer
pela boca como peixe. Pede-se tão pouco
aos poetas: que não mintam, e da sede
que os trucida edifiquem novas cartas
e esferas de granito. Um astronauta
contou-me num poema que os dias na nave
eram graves. Mas sem isso não há como seguir
no espaço o rumo dos sonhos, que desfibram
já os toca o homem. O nosso sangue
é turvo, e o ar que respiramos sem divisas.
She swallows the poisoned apple.
Eu — engulo a rosa do destino.
BIO / BIBLIO
Sérgio Nazar David. Mineiro, vive no Rio desde 1978, fugindo para Lisboa sempre que possível e necessário. Além de poeta, é professor de Literatura Portuguesa e ensaísta. Publicou: O romance do corpo (poesia, 7 Letras, 1997), Onze moedas de chumbo (poesia, 7 Letras, 2001), Freud e a religião (ensaio, Jorge Zahar, 2003). Organizou a edição crítica de Cartas de amor à Viscondessa da Luz, de Almeida Garrett (7 Letras / Instituto Português do Livro, 2004). Poemas publicados na Folha de São Paulo (Caderno Mais), na Babel, na Storm Magazine, na Revista Camoniana, Poesia Sempre, Interletras.
POÉTICA
( DO LIVRO “ONZE MOEDAS DE CHUMBO”, 7 LETRAS, 2001)
A poesia é impura.
Não posso escrever
sem saber que não sei escrever,
nem o que os homens pegam nas palavras
pra depois sair por aí
respondendo, comprando,
atravessando noites de vidro
e rios geométricos de silêncio.
Paro na janela dos meus cinco anos
ou ainda menos,
e lá está o meu pai
no volante do Chevrolet,
o cabrito que dependuraram sem cabeça
no galho da mangueira da casa da Elza
do Armandinho, onde fomos morar,
e o sangue no chão,
as minhas irmãs penteando cabelo
com aquelas escovas redondas,
a vitrola de pilha que punham pra tocar
as músicas que não dançávamos...
A poesia é impura, senhores.
Uma onda de tristeza...
Uma sombra de tristeza...
Um beijo
de manchas invisíveis
neste céu fundo...
Quero esquecer seu chamado.
E nem mesmo assim
escrever de fato.
menciona a:
Annita Costa Malufe
Ítalo Moriconi
Kevin Klaus
Maria Esther Maciel
Renato Rezende
Valéria Villela
poemas:
(DO LIVRO “A PRIMEIRA PEDRA”, NO PRELO, 7 LETRAS, 2006)
ELA VIVE DE MIM
Veja este braço que em volta do corpo dela.
Mal pode avançar nas conchas do banco.
Se outro homem esteve aqui,
arrancou areia,
seixos e o lodo colorido que
pomos rente às pedras
pra divertir os videntes.
O último
foi um forasteiro que prometeu mundos e fundos
e fugiu com outro na noite de Ano Bom.
Agora queremos aprender.
Ela me disse primeiro pelas mãos.
Então fiquei ali dentro da palma esperando
a hora de me mover sem luta.
(Pare um pouco de pensar
para não se perder com o que é banal.)
A gente sempre pensa
não é preciso mais nada,
pode parar tudo.
Mas é assim que é,
não pára de acontecer,
e mal podemos acompanhar a boca, as coxas,
avançando sempre sem fé.
Pensávamos que era aquele lábio, aquele dente,
ou ainda os rios descompostos
que elegêramos para o pálido janeiro.
Depois fomos descobrindo —
não era isso, não era eu, nem ela, nem nenhuma
parte dos beijos, por mais que voltemos.
Antes do mundo já sonhávamos.
Era um mundo estranho que queríamos.
Estivemos lá. Mas esquecemos o que ele era.
Queremos lembrar.
E o que lembramos
é mar.
A PEDRA DE LÁZARO
Não a que o filho de Deus mandou
levantar à primeira mão que
se julgasse limpa.
Não a do construtor
que faz o bloco de mármore
do templo onde
só teriam lugar os que lavassem
pés, sandálias, pensamentos
e o coração (pecador).
Seja a primeira pedra
a da caverna diante da qual
deteve-se Marta dizendo:
“Já cheira mal, Senhor.”
De novo à Judéia (o dia tem
doze horas) e ainda ontem
quiseram apedrejar-vos.
Foram ao jazigo morrer
também os condiscípulos
e viram a pior das pedras
lançada fora, no abismo.
Viram que uma palavra
acende o que está perdido —
como no poema o verso
que ia morrer comigo.
O QUE ELA ENGOLE
O que ela guarda na mão esquerda?
O que ela pede enquanto levita?
De quem se lembra em sórdido fracasso?
Por que não dorme com o antebraço
em vez do travesseiro? Que destinos
giza intrépida com olhos de víbora?
Que demônio se esconde no seu berço?
A noite pode ainda assim retê-la?
O que ela engole e prende dentro do
corpo, amarrando a saia às coxas?
O que lhe rompe o peito às horas
mortas e faz abrir-se o vento, selar-se
o rito, morrer este que escreve? Às vezes
acha tudo ultrapassado, e quer fechar
os braços, o corpo todo. Que nenhum
farsante venha tirar-lhe do vermelho...
Agora é ater-se à dança, conquanto
tenham-se fechado as portas, o teto,
as paredes, e estejamos presos na vitrine.
Não quero desistir de novo e morrer
pela boca como peixe. Pede-se tão pouco
aos poetas: que não mintam, e da sede
que os trucida edifiquem novas cartas
e esferas de granito. Um astronauta
contou-me num poema que os dias na nave
eram graves. Mas sem isso não há como seguir
no espaço o rumo dos sonhos, que desfibram
já os toca o homem. O nosso sangue
é turvo, e o ar que respiramos sem divisas.
She swallows the poisoned apple.
Eu — engulo a rosa do destino.
BIO / BIBLIO
Sérgio Nazar David. Mineiro, vive no Rio desde 1978, fugindo para Lisboa sempre que possível e necessário. Além de poeta, é professor de Literatura Portuguesa e ensaísta. Publicou: O romance do corpo (poesia, 7 Letras, 1997), Onze moedas de chumbo (poesia, 7 Letras, 2001), Freud e a religião (ensaio, Jorge Zahar, 2003). Organizou a edição crítica de Cartas de amor à Viscondessa da Luz, de Almeida Garrett (7 Letras / Instituto Português do Livro, 2004). Poemas publicados na Folha de São Paulo (Caderno Mais), na Babel, na Storm Magazine, na Revista Camoniana, Poesia Sempre, Interletras.
POÉTICA
( DO LIVRO “ONZE MOEDAS DE CHUMBO”, 7 LETRAS, 2001)
A poesia é impura.
Não posso escrever
sem saber que não sei escrever,
nem o que os homens pegam nas palavras
pra depois sair por aí
respondendo, comprando,
atravessando noites de vidro
e rios geométricos de silêncio.
Paro na janela dos meus cinco anos
ou ainda menos,
e lá está o meu pai
no volante do Chevrolet,
o cabrito que dependuraram sem cabeça
no galho da mangueira da casa da Elza
do Armandinho, onde fomos morar,
e o sangue no chão,
as minhas irmãs penteando cabelo
com aquelas escovas redondas,
a vitrola de pilha que punham pra tocar
as músicas que não dançávamos...
A poesia é impura, senhores.
Uma onda de tristeza...
Uma sombra de tristeza...
Um beijo
de manchas invisíveis
neste céu fundo...
Quero esquecer seu chamado.
E nem mesmo assim
escrever de fato.
1 comment:
apaixonar pelo não-dito, pelo tácito, pelo furtivo, pela conivência, estar a escuta, atento as leis do silencio. será que é dificil?
A embriaguez como irrupção triunfal ou um nao comunicar e responder por esse saite.
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