Thursday, September 07, 2006

CLAUDIO DANIEL

Horácio Costa
Jorge Lucio de Campos
menciona a:
Augusto de Campos
Arnaldo Antunes
Frederico Barbosa
Horácio Costa
Virna Teixeira
Ademir Assunção
André Dick
Rodrigo Garcia Lopes
Adriana Zapparoli



poemas


ESCRITO EM OSSO (I)


(...)

Fósseis argumentos
Esqueléticas grafias
Autofágica página
Inescrita, devoluta.



*
lepra da língua simulando sêmele.
mão-do-caos
olho-de-treva
um corvo azul irrompe
no poema.



*
Extinção de estrela ou
Mudez do mar.



*
falange deslabiada contradição
entre memória e mundo.


*
Fossem falcões de simetria,
Mas apenas figuras
Expiradas.



*
palavras desventradas
da cadela, sons fecais
em hinos de desmemória.



*
Pois toda história humana
É um volume fechado
De cíclica desleitura.


*
um corvo azul irrompe
no poema.


*
Essa a letra fosca a peripécia
O motejo expandido
Em espelhismo de lacraias.

(...)


2006


ESCRITO EM OSSO (II)


(...)

sou espectro de mim.

*
no extravio das hipóteses,
expansão de territórios
fermentando fêmures

(ruínas de um vocabulário;
escura caligrafia
rasurando crânios).

desfoliante na curva do vento,
onde o leão do labirinto
recifra-se em ecos.

(...)

sou alimária de mim.
*

a mente como um focinho
escavando raízes
no aterro da memória

(palavras são despojos,
o sentido fraturado de tudo:
cegueira inventando cores).

precárias percepções
do caos ensimesmado:
nenhuma música aqui.

(...)

sou descosturado de mim.
*

flagelar os chifres do céu,
catarata-capricórnio
esfumada em carbono

(destrinchar o mapa celeste
com cálculos e equações
até o nada absoluto.)

num ponto qualquer
do planeta, órgãos retirados
de corpos sem autópsia.


2006

GRAFITO PARA HAROLDO DE CAMPOSMurmúrase algo por allí.
— Vallejo
Nome:
sim, desabitado.
Montou
no dorso de Garuda
rumo à galáxia-de-nébula.
Desvinculado dos livros,
investe agora em esfinges
de outros círculos obsessivos.
Ele, que conhecia
— como ninguém —
a excêntrica máquina
de vocábulos e sentenças,
agora mudo
(Bashô: a cigarra cantou-se toda).
Ele, o Manco Capac.
Ele, o Colombo de barba rabínica.
Talvez Ganesha,
que escreveu o Mahabharata
com a presa marfínica.
Pousando os pés sobre a mínima banqueta
marroquina, olhou-me,
entre máscaras de teatro chinês
e um volume de Guenádi
Aigui. Olhou-me,
com pupilas de rishi,
desvendando um verso neogrego,
como quem soletra
o sol. (No fundo da sala,
soava outro sol
na tela de Tomie Othake.)
Falávamos de Lezama;
de hinos egípcios, gatos hieráticos
e canções astecas.
Até a hora satúrnica da despedida
(Houve um último telefonema,
do hospital, e uma conversa
sobre Salvador Elizondo).
Agora — murmura-se —
ensina música para as esferas.

2004


(Poemas do livro inédito Fera Bifronte)


bio/biblio



Claudio Daniel, poeta, tradutor e ensaísta, nasceu em São Paulo, em 1962. Publicou os livros de poesia Sutra (edição do autor, 1992), Yumê (Ciência do Acidente, 1999), A Sombra do Leopardo (Azougue Editorial, 2001) e Figuras Metálicas (Perspectiva, 2005). Este último título é uma antologia de seus três primeiros livros, mais o inédito Pequenas Aniquilações, que o autor organizou, a convite de Haroldo de Campos, para a coleção Signos. O autor publicou também o volume de contos Romanceiro de Dona Virgo (Lamparina, 2004) e a
antologia Na Virada do Século, Poesia de Invenção no Brasil (Landy, 2002, em parceria com Frederico Barbosa). Como tradutor, publicou Jardim de Camaleões, A Poesia Neobarroca na América Latina (Iluminuras, 2004) e coletâneas de autores como o cubano José Kozer, o dominicano Leon Félix Batista, o argentino-peruano Reynaldo Jiménez e os uruguaios Víctor Sosa e Eduardo Milán. No momento, o autor faz pesquisas sobre poesia africana de língua portuguesa. Claudio Daniel é editor da revista literária eletrônica Zunái (www.revistazunai.com.br) e mantém na Internet o blog Cantar a Pele de Lontra (http://cantarapeledelontra.zip.net).

Antipoética
Acho interessante a proposta de romper, na escritura poética, com as normas e limites de uma suposta "realidade" objetiva, incorporando referências simbólicas e culturais, conteúdos e fatos de outras realidades, presentes em mitologias, filosofias, sonhos, poemas e demais experiências. Como já fizeram, séculos antes de Breton, pintores como Bosch e Brueghel ou escritores como Shakespeare, Dante e Goethe (para não falar do Sousândrade do Inferno de Wall Street.) Discordo, porém, de aspectos básicos da estética e do pensamento surrealista, em especial no que diz respeito à escritura automática. Minha poesia é planejada; calculo os efeitos, os recursos, a linguagem, ainda que incorporando sugestões da intuição e do acaso. Por outro lado, os surrealistas conservaram intactos o “verso”, ainda que verso livre (unidade melódico-sintática do poema), a gramática e a linearidade do discurso; todo meu esforço vai no sentido oposto, ou seja, rumo à fragmentação da sintaxe e desarticulação da lógica discursiva, através de outras formas de associação entre as palavras. Claro que, em alguns textos, misturo de maneira deliberada objetos banais (arame, garrafas, botas de borracha) com imagens de jaguares e minaretes. Para quê? Para provocar estranhamento e subverter a suposta "normalidade" do cenário (e da escritura), numa espécie de ação de desmascarar o cotidiano, mostrar seu absurdo, sua tênue fronteira com a irrealidade. São caricaturas, sátiras verbais, com todo o exagero sugerido pela própria loucura do “real”.


4 comments:

Anonymous said...

amei, claudio, um beijo!
dri zapparoli

Thiago Ponce de Moraes said...

Ler o Claudio é sempre novidade!

Parabéns pelo belo site.

Ponce.

Anonymous said...

aqui, e no pele de lontra: como é bonito de se ler! um beijo, lígia

Anonymous said...

Sou do cerrado
ariranha
nao conheço o mar
e nem o ar carregado