Monday, September 04, 2006

HEITOR FERRAZ


Leo Martinelli


poemas:


O coração no bolso

p/ Renata Games


No coração, o volume de
Lunch Poems, de Frank O’Hara,
que ganhei de uma amiga
que esteve em Nova York:
“um presente garimpado
numa das mais charmosas
livrarias de NY City –
e lido num café do East
Village”. Durante muito tempo
almocei com este volume
entre cadeados expostos no chão,
entre espelhos e vitrines,
entre motos enfileiradas
com suas caixas de fibra de vidro,
passando pelo carrinho
azul de cachorro quente,
onde eles comem, de pé,
com suas calças impermeáveis
e gingam o corpo
de um lado para o outro.
Este volume de bolso, com
poemas mastigados e
triturados, enquanto andava
contando janelas, contabilizando
sapatos e sandálias,
na dispersão da fome, do
horário erradio do trabalho,
quantas coisas no ar, como
estes poemas de uma outra cidade,
nesta mesma hora.

03/04/2006



O esquilo

Ela passa com uma camiseta verde
escrito SAMBA
A palavra vibrante
a gola amarela
Pode prender o cabelo
para trás, falar no celular
fazer cara de amuo
Ela tem os olhos enormes
mas que passam
só pelo canto dos olhos
São tantos em torno
de uma mesa
tantas mãos, vozes
em torno de uma mesa
Alguém fala de um doido
que no pátio do hospital
amarrava um amendoim
na ponta de um barbante
e jogava para os esquilos
E aquela camiseta
escrito SAMBA
isolado, em branco,
corre na distorção das garrafas
como se fosse
uma palavra estrangeira.



Avesso

Uma ratazana corre
por dentro do sonho
As imagens roídas
são de um corpo de feltro
uma galeria cinza
um saco de macarrão
e outro de balas de coco
São o brilho distribuído
do lado de fora
Deitado numa maca
na fila do hospital
A agulha procura
a raiz do grito, a cor
do sol pendendo,
perdendo leite, sua veia
não mostra caminhos
não é riacho, afluente
a dignidade perdida
num trapo verde
Todos os tetos
são de amianto, as vozes
são opacas, são feltros
abafando o som,
elevadores travados
levam ao inferno,
qual o protocolo?
O som abafado que
se mexe na caçamba
não é um cobertor velho,
mas um menino,
e o menino ainda dorme.



Mini-bio/biblio

É jornalista, mestre em literatura brasileira e autor do livro de poemas “Coisas imediatas [1996-2004]”, publicado pela coleção Guizos, da 7 Letras. Trabalha na editora Estação Liberdade e mantém a coluna “Poesia presente”, no site Trópico.


Poética
“Nossos sentimentos (instintos, emoções) estão completamente atolados; ele se encontram em conflito permanente com nossos interesses imediatos” (B.B.)



10 comments:

Anonymous said...

grande heitor!
cara, o teu "ontem como "hoje" já serviu p/ mim mais ou menos como o lunch poems do teu poema. "coração no bolso" é daqueles, como diria calixto, "da prateleira de cima". muito bacana.

@renatagames said...

heitorto, heitorto. você sabe que gosto muito do seus poemas. claro que o melhor é esse aí, o primeiro, "coração no bolso".

sem dúvida.

:)

@renatagames said...

heitorto, heitorto. você sabe que gosto muito do seus poemas. claro que o melhor é esse aí, o primeiro, "coração no bolso".

sem dúvida.

:)

Anonymous said...

Adorei os três poemas, são instigadores. Trata-se de uma abertura à prosa, mas uma abertura moderada, no tom certo. Grande abraço querido. andré luiz pinto.

Anonymous said...

heitor, bom saber que você está escrevendo. a gente precisa se encontrar de novo qualquer dia pra falar de poesia e de crianças, tudo tão junto. abraço grande, marcos.

Salga Canhotinha de Ouro said...

Heitor, continue sendo o mesmo paulistano gauche de sempre! Sem vc a poesia brasileira atual poderia ficar com anemia... poupe-nos desse transtorno, por favor... saudades, amigo.

Anonymous said...

Leitura sonante.

Anonymous said...

Oi, Heitor. Se você ainda checa a seção dos comentários, saiba que, ao ler seus poemas, me lembro de mim, como sou hoje, um pouco parecida com aquele "homem que copiava" (viu o filme?)e nunca lia nada por inteiro, só fragmentos - de figuras, de poemas, apostilas, manuais... - até que a moça por quem ele se apaixona lê um poema do qual ele só tinha na mente um pedacinho. Pois é, ao ler seus poemas, você é muitas vezes para mim essa moça. Beijos, Simone Brantes

Linda Graal said...

Ahhh Heitor...como agradeço-te...o grande hiato...a poesia calou epois que vc estava onde eu fui buscar-te...e agarrá-la.
Hoje o canto é outro, uma quina, na verdade! rsrs!
Todos os três são maravilhosos! aff! mas coração no bolso carrego no meu bolso!! amplexos outros...saudosos!

Anonymous said...

hein heitor, tem que convidar o wilson guerreiro para participar do escolhas ou criar um escolhas de musica, que acha? cada autor mostrando suas criacoes ou apreciacoes?