Thursday, August 31, 2006

ALBERTO PUCHEU





menciona a:

Antonio Cicero
Caio Meira
Cláudio Oliveira
Maurício Chamarelli
Vicente Franz Cecim



poemas:


Os 3 poemas que seguem são inéditos em livro, fazendo parte de A Nobre Arte, inserido na obra reunida A Fronteira Desguarnecida, a sair pela Azougue Editorial.




A LUTA ANTES DA LUTA


Você sabe, de nada adianta rezar no canto do ringue.
Aquele que o sobe, sobe sozinho.
As bravatas lançadas na hora da pesagem
e o peso da multidão colado em sua carne,
você sabe, lá em cima, só aumentarão seu abandono.
Você sabe também o preço que terá de pagar
se deixar que qualquer vagabundo desfigure
sua fisionomia. Mas é isso que você quer?
Não é isso que você quer. Aconteça
o que acontecer, não jogarei a toalha, não é para isso
que chegamos até aqui... Você ainda é muito novo
para perder, e sua família, muito necessitada. Você sabe,
você tem de deixar seu passado para trás, eu sei que você
não quer voltar para as ruas, para o crime, para a cadeia...
Portanto, quando subir lá em cima, eu lhe digo,
não deixe que o adversário veja medo em sua face:
se, ainda antes do primeiro soar do gongo, ele
vislumbrar uma mínima expressão de temor em seu rosto,
conhecerá o caminho mais rápido
para encontrá-lo durante o combate. Mas você
não terá nenhum instante de fraqueza nesse combate,
você está preparado, eu sei que você está preparado,
e você também sabe disso. Ninguém quer acordar amanhã
num quarto de hospital... você quer acordar
num quarto de hospital balbuciando palavras desconexas?
Ein? Você quer acordar num quarto de hospital,
com sua mulher chorando preocupada ao lado da cama?
Não, você não quer isso pra você nem pra sua família,
nem eu quero isso para o meu garoto de ouro. Por isso,
treinamos duro, por isso, treinamos tanto. Então, vá lá
em cima, já estão anunciando seu nome, suba
para o quadrado, suba, já começaram a tocar a música,
vá para o ringue e, no meio do entrevero,
por entre as saraivadas de golpes,
faça seu adversário sentir o peso do esquecimento
carregando-o para longe do estádio, carregando-o
para longe de todo e qualquer lugar.





A VOZ DO SANGUE, O SANGUE DA VOZ


Tanto silêncio no ringue, no ringue
e na fome, tanto burburinho zoando simultaneamente,
que não posso distingui-los. E mesmo antes dos golpes
na cabeça, e mesmo antes de qualquer golpe
revolvendo as entranhas pelo avesso
(antes dos 4.500 quilos por impacto), e, mesmo antes,
tanto silêncio no ringue, no ringue
e na fome, tanto burburinho zoando
simultaneamente, que não posso distingui-los.
O ringue é o ringue, a fome é a fome, mas no ringue
(como na fome, como na fome do ringue, como no ringue
da fome), o silêncio é silêncio e burburinho,
e o burburinho, burburinho e silêncio. Quando,
no canto do amparo – sentado, curativos imediatos,
os segundos trabalhando a meu favor, a respiração em busca
de um ponto pacífico –, ouço a voz nítida do treinador
se erguendo do alarido da multidão e de ninguém,
não a escuto como um mandamento: infiel
e pecador, poderia traí-la. Escuto essa voz
desenrolar as últimas ataduras que envolvem o punho
do meu coração, espremê-lo ao sumo,
ao ponto de o gosto do sangue (de o gosto da fome) brotar comprimindo as gengivas por entre os dentes e o protetor,
me dando a certeza de que o próximo soar do gongo
será o último badalo com o qual meu adversário sonhará
antes de beijar a encardida lápide da lona.



ARRANJO PARA ESSES CAMPEÕES DA PALAVRA


Não posso ser poeta, não sei contar histórias... Se eu fosse um toureiro, faria o público acreditar que eu estava a poucos centímetros da morte, mas manteria minha margem de segurança. Foi o que fiz no ringue. Nós, lutadores, compreendemos as mentiras. O que é uma simulação? O que é pensar uma coisa e fazer outra? Os melhores garotos são aqueles que até podem tomar um murro na cara, mas são inteligentes o bastante para não o querer. Quando soa o gongo, somos apenas duas solidões. Não temos medo de apanhar, mas temos medo de perder. Uma derrota no ringue não se compara a nenhuma outra. Eu combatia com qualquer um. Não me interessava quem eram. Era simplesmente indiferente para mim. Eles me batiam, eu não me importava. Quando estou no ringue, luto pela minha vida. A luta pela sobrevivência é a única luta. Por cinco dólares, eles podiam me golpear no queixo com uma marreta. Quem já ficou dois dias sem comer poderá entender. E comer é um vício difícil de largar. Quando se luta, se luta por uma coisa: dinheiro. Acho que o campeão que eu sou hoje é pela dificuldade que eu passei. Nunca fui nocauteado. Já estive inconsciente, mas sempre de pé. Detesto afirmar isso, mas é verdade: quando começa a doer, é quando eu mais gosto deste negócio. Quando vejo sangue, fico como um touro. Sou um animal selvagem, inimigo declarado de toda a raça humana. Uns dizem que sou arrogante, outros, que preciso de uma boa surra, e outros, que falo muito. Mas eu garanto o que digo. Eu não quero nocautear meu adversário... quero golpeá-lo, me afastar e vê-lo ferido. Quero o seu coração. Ele pode fugir, mas não pode se esconder. Tento acertar na ponta do nariz do meu adversário porque tento lhe enfiar o osso no cérebro. Se abrirem minha careca, vão encontrar uma grande luva de boxe. É tudo o que sou. É disso que vivo. Celebridade? Eu? O pessoal lá de onde venho diz que eu sou um vagabundo sortudo que sabe dar umas porradas. Quando você não é mais o campeão, está sozinho. Alguns ficam insanos, outros começam a beber, pois o boxe é muito intenso, e muita gente se perde. Você agüenta até certo ponto, depois quebra. Tenho tudo de que preciso: o médico mora aí em frente, o farmacêutico trabalha na esquina; daqui, posso ver a câmara-ardente, e o cemitério é logo ali embaixo na rua.




bio/biblio


Nascido em 1966, no Rio de Janeiro, Alberto Pucheu é poeta, tendo publicado Escritos da Indiscernibilidade (Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2003), A Vida É Assim (Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2001), Ecometria do Silêncio (Rio de Janeiro: Ed. 7 Letras, 1999), A Fronteira Desguarnecida (Rio de Janeiro: Ed. 7 Letras, 1997), Escritos da Freqüentação (Rio de Janeiro: Ed. Paignion, 1995) e Na Cidade Aberta (Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 1993). Organizou o livro Poesia (e) Filosofia; por poetas-filósofos em atuação no Brasil (Rio de Janeiro: Ed. 7 Letras, 1998). É professor de Teoria Literária da UFRJ e ensaísta.




[poética, muito breve]
O que me importa é o nevrálgico entrelaçado ao pensamento, o que tem de utilizar o "literário" para poder descobrir-se e ultrapassá-lo... mas não acaba sendo o ultrapassamento do "literário" justamente seu ápice? – um dos inúmeros paradoxos que a escrita nos coloca...

Flávia Nascimento

menciona a
Aníbal Cristobo
Ricardo Domeneck
Valeska de Aguirre
Carlito Azevedo
Simone Brantes
Marcos Siscar
Paula Glenadel
Manoel Ricardo de Lima


poemas:

Svetlana

na véspera de sua partida para
ny, emmanuel hocquard datilografa
um poema de george oppen
em sua máquina de escrever
underwood n. 3. é como svetlana querendo voltar
para barcelona
aqui não fico
mais nem um dia
dizia no café
com nome grego que
lhe fazia falta ver as coisas
invisíveis daquela cidade e seu marido
na contramão carregando
no braço o menino sem língua,
tentando alcançar o que
aparecia do outro lado do mar
se alguém ainda viria
para ajudá-los
nesta época
do ano a tormenta não costuma
demorar (o poema era em inglês)
e tinham medo de se perder,
ela dizia, por isso a distância,
ritmo de degrau seguindo
cortado, por isso
o modo de andar e
o ziguezague do avião sempre que saíam juntos.
tinham medo e todos os dias fazia
algo para evitar. depois queria
encontrá-lo na rua,
perdido, como um acidente:
cruza uma esquina e vê. desligou
a chamada na hora
precisa, a voz cortada outra
vez antes de seguir
pelas ramblas.



Le pays n’est pas la carte,

pensa bem mas
se tivesse as ruas quadradas
teria ido a outro café, teria dito tudo de
outro modo e visto de
cima a cidade em vez de se
perder toda vez
na saída do metrô.
não é desagradável
estar aqui, é apenas
demasiado real
diz com cílios erguidos
procurando um mapa

II.não é o avião em rasante sobre
a água e nem o corpo
na janela semi-aberta
vendo o desenho
dos carros embaixo — não comenta nada
porque prefere armar planos
em silêncio
(estaria sonhando
com colinas?)
IIIde lá manda longas
cartas descrevendo o país,
os terremotos e a forma da cidade.
pode me dizer que nunca se
espanta mas não percebe que
caminha perguntando:
é de plástico a cabine? é sua voz
na gravação? é um navio no
horizonte? pode ser apenas
uma margem de erro mas
não pensa nisso
com freqüência

(pode ser apenas a janela
aberta que carrega os papéis)


Classificação da securaIagora já é quase amanhã mas queria
dizer apenas que é muito
tarde: acrescentar quatro horas ao relógio
indica que já é depois. lá é sempre
depois. parecia um nome
italiano com aquele som ecoando e a
resposta em outra língua mostrava
a cor das linhas no mapa,“é lilás”, para
não dizer algo preciso
para não terminar:
com ela
saio cedo todos os dias. fico de
vez em quando escondido
no porto. tomarei
o transmediterrâneo e comerei
calçots,
até chegar o instante antes
do instante
, momento em que olha para o relógio
e diz: não. já conhece todos os erros
do sistema e a retina derretendo
sempre que levanta
para sair dali.
(precisão é o retângulo do degrau
inferior.)
II.alguém que não consegue se mover
e uma semana de vozes cortadas, deve
se acostumar aos movimentos em câmera
lenta, à descida pela escada em
espiral: recorta os sons
de cada quarto e apaga as
perguntas que mais detesta
responder. como aquela noite
no ônibus, ruídos do rádio e
pedaços de frases atiradas,
sempre girando as horas.
ver a paisagem
sem ela e precisar o tamanho da ausência
com poucos dados. sabe que as baleares ficam
do outro lado do mar, e custa muito chegar
anos depois e dizer. ergue os olhos para
fixar o que tem ali e não perder
de vista a secura.



bio/biblio
Marília Garcia nasceu no Rio de Janeiro em 29 de novembro de 1979. Publicou o mini-livro encontro às cegas, pelo selo Moby Dick (2001).


poética
Not exactly a mark, not exactly a trace.
More like a segment of recording tape.
(Michael Palmer)
BIANCA LAFROY



mencionada por:

Ricardo Corona


menciona a:

Dennis Radünz
Glauco Mattoso
Joca Reiners Terron
Michel Melamed
Wilson Bueno
Augusto de Campos





poemas:



Transformar,
descategorizar a intuição.
Entre intro e extro,
inverter, subverter
a percepção dos sentidos.
Acariciar objetos e
desejar (apenas desejar)
que estampem outras cores
e formas. O dentro,
fora. As filhas,
ao não terem sempre a semelhança MATERNA,
consomem em seus rostos
a profanação de seu pai.






a
BRANQUÉRRIMA pele fina e
sem pêlo do ex-hermafrodita
à POLAQUINHA de utilidade pública
– face fácil para a saliva espessa
do celibato.

Por qué seremos tan perversas, tan mezquinas
(tan derramadas, tan abiertas)
y abriremos la puerta de la calle al
monstruo que mora en las esquinas, o
sea el cielo como
una explosión de vaselina
(...)
por qué seremos tan despatarradas, tan obesas
sorbiendo en lentas aspiraciones el zumo de las noches
peligrosas
tan entregadas, tan masoquistas, tan
(...)





Faça sua oração ao buda
esculpido no ecstasy .
Vire a página.
Ela saberá
tirar proveito
da sua lordose
no VENTRE
JESUS.







Em si mesmo,
em seus órgãos que eu imaginava elementares
mas de tecidos sólidos
e de vislumbres matizados
muito belos,
nas TRIPAS QUENTES E GENEROSAS,
eu acreditava que ele elaborava sua vontade de impor,
de aplicar,
de torná-las visíveis,
A hipocrisia,
A besteira,
A maldade,
A crueldade,
A servilidade
e de obter na sua pessoa inteira o mais obsceno êxito.






Mesmo à paisana
(do lar, solar) quando
saio às ruas
vou a lugares de bem
(supermercado, lanchonete, shopping)
sou reconhecido
(a).

As famílias miram olhos de fuzis.
Homem-silicone
à luz do dia azul.

Sabem quem amarra
seus crocodilos sorridentes
com o fino e frágil fio
que segura minha moral.

Que pai suportaria a luz do sol
caso fosse revelado
o gemido do toque
desse LÁBIO LEPORINO
em seus freios
?






O tomate
A fruta

penso que não deveria ser
comida como salada e molho.

Perceba o som (distante)
da QUEDA de um prato
que não se quebrou.

Saiba que é louça
(ele dirá que é plástico).







SEM QUERER cruzo uma linha e ouço:

“Não foi por nada que David Wark Griffith,
um dos maiores cineastas hollywoodianos
do início do século, afirmou, acerca do ensino de História:
‘chegará o momento em que nas escolas se ensinará
praticamente tudo às crianças através de filmes’”

aí ouço o que ela também ouve:

“John Cage
disse que a existência da aids forçará a classe média
que detém o poder da informação
a patrocinar educação sexual para os pobres.”

“A aids elevou o preço do sexo oral”
(agora sou eu que estou do lado de cá)



Do livro-poema Embrulho líquido (a sair pela Editora Lumme)


bio/biblio

BIANCA LAFROY nasceu em 1975 em Curitiba (PR). É poeta e ficcionista. Abandonou o curso de jornalismo no terceiro ano e ganha a vida como travesti nas ruas de Curitiba.


poética

Tenho uma dificuldade imensa de discernir entre vida e arte. Não sei o que é poesia, isoladamente. Por isso, envio três respostas (e três perguntas) que já dei:

Quando você optou pela literatura em sua vida?
Quando entendi que um dos desdobramentos da literatura é a desconstrução da vida real. A minha vida, feito a literatura, jamais pertencerá à realidade. Ao me transformar no que sou, um travesti que vende o próprio corpo para celibatários e anjos gozosos, também sou um ser borgeano, no sentido de que tudo é ficção. O que não significa que a literatura seja o mundo possível.
A poesia é questão de preferência ou necessidade artística?
Talvez porque tenha lido mais prosa e minha história de vida seja mesmo transbordante, a minha poesia parece nascer daquele vacilo da prosa, ou melhor, daquele momento em que a prosa se transforma em poesia. É como se a minha poesia estivesse na crista da prosa. Apesar de eu não me considerar escritora, só poeta. O fato é que não consigo separar preferência e necessidade.
Você é uma profissional do sexo por opção ou necessidade?
Optei por este trabalho por puro prazer. Mas claro que também ganho dinheiro com esta “atividade”. Ela sustenta a escritora que quero ser. Mas poderia ter sido jornalista. Só não sei se poderia ter sido as duas coisas. Imagine um travesti que é também jornalista? Já como escritora eu tenho como fundir prazer e texto.





FABIANO CALIXTO



menciona a:
Carlito Azevedo
Ricardo Domeneck
Zhô Bertholini
Andréa Catropa
Marília Garcia




poemas:



TAKKA TAKKA
Para Zhô Bertholini
entre arcos, carros, pactos, a vida escorre
viscosa, com o veneno da esperança,
já sem biografia, sem a umidade dos dedos
degustando-a em contorno de dicionário.


a luz, redimida do inferno, estilha
sobre a coragem do dia-a-dia, cai,
desaba. a luz é uma sangria. porém,
grita (outra luz) sonhos e coleção
de casamentos, onde a felicidade
acaba antes do noticiário. nítidos, todavia,
socos nos tímpanos, formigas de chumbo
a escavar as vísceras, pântano no estômago.


a ternura fria com que a madrugada
desperta a manhã -sem canhões, distanciando-se
com seus pesados passos, guardando suas
tralhas no esquecimento das estrelas.

nas sobras da cidade (da noite)
um rosto esguio, juvenil, debaixo
de olhares nublados de sono,
ponteado a benday, já-ido,
vaza



E-MAIL A TORQUATO NETO

do lado de dentro do vento
um cisco no olho do furacão
anjo fáustico declamando ácido sulfúrico
colhe um vocábulo em cada lábio
alivia a lira com a saliva da dríade
não revela ressalvas ao poema
escancara o riso da partida
sabendo que o fim não tem fim
deseja a linda ítaca na língua da morena
recita a ira ácida deciana (geléia geral)
para incitar o demônio dentro da vulva da devota
toma partido do caminho do passeio
lava a palavra lírio com o sangue do tiroteio



TRAMÓIA TRAPAÇA E TRETA

“Vossa excelência é
mais transparente do que
o líquor de uma pessoa
que não tem meningite!”
: orgulha a goela do nobilíssimo
ao naco patético do sufoco nacional.

a máfia pudibunda escoa seu scotch
à paisagem de nádegas especuladas
da abundante suruba monetária.

como sempre (para sempre),
a pátria pária patina na escória.
- diante tal disparatada partilha
(fundadora já antiga de desastres,
perfeita má fé que a tudo anula)
ser seria um refrão pequeno, mínimo,
aziago?


(poemas inéditos do livro em preparo Sangüínea)




bio/biblio

Fabiano Calixto nasceu no dia 08 de junho de 1973 em Garanhuns/ PE e reside em Santo André/ SP. Publicou Algum (ed. do autor1998), Fábrica (Alpharrabio, 2000), Um mundo só para cada par (Alpharrabio, 2001) – este em parceria com Kleber e Tarso, e Música possível (CosacNaify/ 7Letras, 2006). Organizou, com André Dick, o livro A linha que nunca termina – Pensando Paulo Leminski (Lamparina, 2005). Traduziu, com Claudio Daniel, poemas do dominicano Leon Félix Batista, reunidos no livro Prosa do que está na esfera (Olavobrás, 2003). Atualmente prepara uma revista de poesia, cujo primeiro número sairá em breve.


poética
"Será que eu ainda penso poesia em termos de poética? Creio que não. Acho que uma outra coisa está querendo acender-se no incêndio de nossos dias. Aguardemos, pois." Fabiano Calixto


ANDRÉ LUIZ PINTO




mencionado por:
Armando Freitas Filho
Donizete Galvão

menciona a:

Marcelo Diniz
Donizete Galvão
Túlio Villaça
Diego Vinhas
Lígia Dabul



Poemas inéditos do próximo livro, Ao Léu:

i.
Meu espelho-labirinto.
Cravo os olhos para vê-la
no mistério do quarto.
Nenhum rato, silêncio.
É no que se dobra em ruga
ao se olhar o infinito
que se dobra para eu vê-lo
pois meu olhar embora
selvagem, é ínfimo
no infinito das pétalas
que o contém, afinal,
no convés do navio
o que se olha é através
do mar, através das
borbulhas de sangue
com o que já perdeu:
metade de mim é
o acaso das palavras
que volta e meia
pingam da mão
analfabeta, de abusar
da fama e se impor
aos pais – Filho
que à terra desce.



ii
1.Venéreo

Nada resulta
em seu
nome

:morada dos
deuses:

Da morte?
Que a vida destrua
primeiro.

2.Brancas
nuvens
novo destino

sorri
a cada bouquet
da manhã

(...)

domando a própria
alma
dizendo adeus.


iii

A miséria começa em casa,
com seus filhos, a lamúria cega mas certa
de seu pai, o tiroteio marca os valentes
o vento caudaloso nos adoça, é podre, talvez
áspero, saber que alguém veio aqui;
bato palmas, você não sabe o que escreve,
pensa que a imaginação decifra a dor
mas ela não decifra; você, que nem devia
ter pensado, agora é assim:
poetas sobem o morro, fazem suas pesquisas
acham que a vida rude lhes inspira
como nos cardápios escritos com giz,
ou pombos que mastigam num despacho
um pedaço de galinha (tudo é canibal
faz parte da cultura, é matinal
sangrar na latrina, enquanto
do alto dos edifícios, ao som
do baile quente, ainda se decide
ao pé de uma fogueira
o preço de uma vida).



bio/biblio
André Luiz Pinto nasceu em 1975, bairro de Vila Isabel, no Rio de Janeiro. Formou-se em Enfermagem e Obstetrícia pela faculdade de Enfermagem Alfredo Pinto, Uni-Rio, chegando a exercer a profissão por três anos. Anos mais tarde, graduou-se em Filosofia, bacharelado e licenciatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ, cursando atualmente o mestrado em Filosofia pela mesma universidade, tendo como área de pesquisa, filosofia da ciência e teoria do conhecimento, na qual desenvolve dissertação sobre a obra de Emmanuel Lévinas no que diz respeito ao papel da sensibilidade enquanto ponto de ruptura da ontologia fenomenológica e reafirmação da metafísica. Publica poemas e ensaios há quase dez anos em revistas especializadas e jornais de grande circulação, tais como o JB e a Folha de São Paulo. Edita, com Eduardo Guerreiro, desde 2000, a revista .doc, integrada, desde 2003, ao programa de pós-graduação de Ciência da literatura da UFRJ. Publicou até o momento três livros: Flor à margem, 1999, edição independente, Rio de Janeiro, Primeiro de abril, 2004, Editora Hedra Ltda, São Paulo e ISTO, Espectro Editorial, Belo Horizonte, 2005, estando em prelo seu próximo livro, Ao Léu.



poética:
Só espero que toda delicatesse não abandone a existência de lado.


PEDRO CESARINO


mencionado por:
Claudia Roquette-Pinto


menciona a:
Daniel Bueno Guimarães
Fabricio Corsaletti
Leonardo Fróes
Luiza Leite
Sergio Cohn



poemas:

13

no primeiro dia, o moleque sonhou
que eu morria afogado
quem sabe enforcado na árvore
sonhou o moleque que eu morria
no primeiro dia, ele sonhou
e fiquei pensando talvez
fosse bom apodrecer assim
entre os cipós de carne
dormentes sob as águas
apodrecer bom seria
indiscernível entre os troncos
amputados na enxurrada



mitológica

coração não queima
anti-fogo lançado
nas chamas permanece
como cristal de carne
deixando ao redor
um mar de brasas
alimento seu

entre as cinzas
segue pulsando
até que o tomem
e o arremessem
para longe

onde acabará
por germinar
uma montanha



buscapé
você pergunta
em copacabana:

“e a pólvora,
de que é feita?”

a pólvora, ora
de que é feita
a pólvora?

estes fogos
em seus olhos

eu queria engolir
essas faíscas

eu queria te dar
uma resposta aberta
em fogo no céu
eu queria dizer:

“você fez a pólvora
com um beijo.”



bio/biblio
Pedro de Niemeyer Cesarino nasceu em São Paulo em 1977. Formou-se em Filosofia pela USP. Está atualmente terminando um doutorado no Museu Nacional (UFRJ) sobre a poética e a cosmologia dos Marubo, povo indígena da Amazônia ocidental. Junto com Sergio Cohn, editou os três últimos números da revista Azougue. Tem artigos publicados em revistas especializadas em Antropologia, e uma coletânea de poesias (Oceanos, Azougue Editorial, 2002).


RODRIGO DE SOUZA LEÃO

mencionado por:
Leonardo Gandolfi
Franklin Alves Dassie

Jorge Lucio de Campos

menciona a:
Adelaide do Julinho
Ademir Assunção
Antônio Mariano
Claudio Daniel
Donizete Galvão
Fernando Koproski
Franklin Alves
Frederico Barbosa
Glauco Mattoso
Greta Benitez
Jorge Lucio de Campos
Horacio Costa
Leonardo Gandolfi




poemas:

Hoje em dia, quando alguém está doente, a família chama a polícia.

A polícia vem e bate um papo com o cara. Se for preciso, colocam a camisa de força.

Não tinha como resistir: eram três caras mais fortes do que eu.

Eles me levaram junto com o meu irmão. Acharam que eu não tinha nada, mas meu pai sentia um medo danado que eu fizesse alguma loucura.

Mas eu era um perigo só para mim mesmo.

Do meu começo podia sair o fim, mas não quero rimar pobre com nobre em versos de impacto, só quero um pacto entre mim e você.

Jamais poderia dizer que só faria mal a uma mosca.
Eram centenas e centenas delas, matei algumas por prazer.


SURTO
1. Pânico no circo
aladodas têmporas

Endorfinas macaqueando
a goiabada pineal

Volts em volta
Eletrodos todos

De branco culpados
culpas pecados

Haldol no leite
Ralo do tempo

Clitóris de plástico
na sopa de adrenalina

2. Nódoas nuas cristalizadas na nuca
Nunca injete tudo

3. Camisa sem mão sem mangas
Nos olhos apenas antolhos

Na janela áurea de peristilos
punção de morte fode

4. Peixes fisgando anzóis comicham no corpo
Baleias de chupeta

5. Na veia sossegada o leão caminha
inválido de juba cortada, cuspindo
vida curta

Em curto circuito fechado
faixas vendas ferem as paredes

Sem degraus as pilastras
Sem grade degrade

Degradado de sol
de lua

Chuva desbotada
Eletrochoque natural

Enguias guiam os volts
na cabeça dos cegos de si


BRANCOMuito marfim. Esporra. Nuvem. Branco sobre branco. Um quadro de Picasso. Neve. Uma tela de computador em branco. Um grão de areia da praia W. Branco sobre branco. A pele caucasiana de virgens francesas. O branco dos olhos. Do dente. Do pâncreas. Da extremidade das unhas. O branco da barriga da baleia. Do urso polar. Branco sobre branco. Açúcar. Cocaína. Mármore. Todo o branco do mundo. Toda população branca. A tecla branca do piano. A teta branca. O branco das rosas. Das tulipas. Da mortalha. Do algodão. O peão do jogo de xadrez. Branco do banco branco. Onde sentada, as ancas brancas expelem cupidos brancos anjos de asas brancas. Da pele branca da cor de santo. O branco das garças. De algumas gaivotas que comem o infinito e mastigam o branco dos cabelos da aurora. O branco das galáxias. O branco que não tem nada a dizer. O branco da memória. O branco da história. O muro branco. O elefante branco. O rinoceronte branco. A cobra branca. Os albinos. O branco das noivas. Das lápides. Do lápis. Do cavalo branco. Do hamster. O álbum branco dos Beatles. O terno branco do pai de santo. Cocada. O branco do luto. Da vaca branca. Da magia. O branco da pelúcia do boneco. Ouro branco. Diamante branco. A casa branca. Branca de neve. O origami branco. O branco dos neurônios. Velas acessas. Cera. Sírios. A guitarra branca de Hendrix. O branco dos médicos. Da enfermeira. Da camisa de força. O branco das bombas nucleares. O cogumelo branco. As espumas das ondas. Milk shake de baunilha. Pão branco. O branco da folha de papel. O branco das zebras negras. O branco do cordão umbilical explode em várias cores. Nasce o negro também. O negro das zebras brancas. Tudo sendo engolido por um buraco negro. Tudo sendo regurgitado. O branco do leite. Do vômito.



bio/biblio

Poeta, jornalista e músico, Rodrigo de Souza Leão nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1965. Publicou dez e-books de poesia, entre eles Impressões Sob Pressão Alta, 25 Tábuas, No Litoral do Tempo e Síndrome, todos pela Virtual Books. Tem poemas publicados nas revistas Coyote, Oroboro, Poesia Sempre, El Pez Náufrago (Mexico), Et Cetera e participou, como músico, do CD Melopéia, de Glauco Mattoso. Participou da antologia Na Virada do Século, Poesia de Invenção no Brasil, organizada por Claudio Daniel e Frederico Barbosa (editora Landy, 2002). Criou o site Caos (
www.geocities.com/seumario) e veicula na Web o e-zine Balacobaco, com entrevistas com mais de 150 poetas e escritores. É co-editor do site Zunái, Revista de Poesia e Debates (www.revistazunai.com.br/). Foi premiado no Concurso de Contos José Cândido de Carvalho 2002. Tem trabalhos publicados no blog http://lowcura.blogspot.com e dois livros em papel: "Há Flores na Pele" (Ed. Trema, 2001) e Branco & outros poemas (Col.pesa-nervos).
DIEGO VINHAS


mencionado por:
Carlos Augusto Lima
André Luiz Pinto

Franklin Alves Dassie
Ruy Vasconcelos

menciona a:

Fabiano Calixto
Ricardo Domeneck
Franklin Alves
Ruy Vasconcelos
Júlio Lira
Juliana Krapp
Antônio Moura
Laura Erber



poemas:
Tateando Alguém sem Nome

não é bem assim. trata-se apenas de uma foto,
e este rosto em que você imprime rugas por
digitais deve ter nome, certo que deve, só se
desconhece ) e se enxerga aí tanta diferença? )
? ) digo, o que me salta é o corpo desarmado,
que ao receptor se oferece sem qualquer selo
de batismo, não sei, assim mais indefeso ) mas
não é ínsito à própria idéia de foto? ) ?? ) as fo-
tos são signos que não prosperam bem, que coalham,
como leite. seja o que ela dê a ver e qualquer que seja
a maneira, uma foto é sempre invisível: não é ela que
vemos.
) Barthes? ) é. ) da tradução do Júlio? ) é.
) sei, você sugere uma condição em que o su-
porte sonega proteção, digamos assim. ) ! ) mas
me ocorre quanto isso pode ser, ã, um problema
bom: a foto abriga, de certa forma, mas ela não
se habita. a foto não é casa, corpo ou cidade. )
... ) e, voltando, se eu não sei como se chama, e
se sei que o tenho em meus dedos, e deixo man-
chas, nesse momento ele é alguém que é limbo )
te diz tanto o garoto da foto? ) talvez. ou seja só
essa impressão de escorrego, de que meus dedos
passeiam por algo que pertence além ) sem nome

(poema inédito)



Antes do Zero

às vezes tarda
para o vazio derrotar recato
e, já pouco estrangeiro, deitar-se ao lado:

começa

com despregar-se do rumor
que de fora ainda goteja pelas
frestas (caminhão mordendo lixo
com a boca aberta, farelo de ruído
humano, osso contra metal)

então, modelado o claustro,

deslembrar

da sombra híbrida, corpo e toalha
que atravessa a metro e meio, ocupando
com lavanda mais que o alcance
dos passos,

da preguiça em par, ou chiste de algum
ships are docking planes are landing
sha-la-la (ela fixar justo a canção
mais kitsch dos Ramones?)

até que do teto
a procissão de formigas
em improvisado arabesco
demande distração, até

sentir que hoje é aniversário
de uma outra noite
exatamente igual

(poema inédito)




Super 8
para Flávia, acordada



------------- perto e calor, perto ---------------

placebo ao vigiar a respiração -------- se é
simples (e quase é) ---------------- (coisa de
não saber tamanho: ela dorme ------------ e
respira ---------- ) e o cerco de cama quarto
mobília e além-persianas chuva rouca
bate-estacas e depois ao longe a cidade e o
que se oblitera -------- aloha, --------- prumo
sem tumulto sem presságio sem --------- de
onde não escuta -------------------- e o que a
transportara: --------- a fadiga, o êmbolo da
tarde, revérbero em refrão de rock inglês ?
--- de entre as ferragens do sono -----------
------------- (onde instala um sim ) ------------


--------- ela respira mais bonito que silêncio

(poema inédito)



MINI-BIO:
Diego Vinhas nasceu em Fortaleza em 1980. Formado em Direito pela Universidade Federal do Ceará, trabalha nessa área, mas ainda segue estudando para concursos (um dia ele passa). É autor do livro de poemas “Primeiro as Coisas Morrem” (2004), co-editou a revista de poesia Gazua e prepara, ainda para 2006, o lançamento de uma nova revista, também dedicada à poesia. Gosta da Flávia, do Fluminense Football Club, do Fortaleza Esporte Clube, de quadrinhos e rock sujo.


POÉTICA:
No meu caso, escrever surge de um enguiço. Entre um cochilo, um estudo adiado, um telefonema, um poema alheio marcado a lápis. Não sei dizer muito de método, só que, a par do que tem de empenho e pensamento, não subestimo o caos, a circunstância, que seja, de escrever e só então passar a entender. No mais, tentar alguma dignidade. E se divertir.

RENATO REZENDE





mencionado por:
Francisco Bosco
Claudia Roquette-Pinto
Caio Meira

Mariana Ianelli
Sérgio Nazar David
Michel Melamed
Luci Collin
Cláudio Oliveira
Valério Oliveira

menciona a:
Alberto Pucheu
Caio Meira
Sérgio Nazar David
Paulo Henriques Britto
Mariana Ianelli
Ronald Polito



poemas:


A PERNA


Numa esquina perto da minha casa
vive uma mendiga
de perna amputada.
Tenho vontade de beijar
a perna que falta.
Acariciar
aquele pedaço de nada.

A mão dela está queimada
e parece que foi costurada
de volta ao braço.
Com essa mão ela pede esmola.

Hoje passei por lá
e vi que a perna dela
(a outra)
estava bronzeada.

Ela é loira, ela é moça, é a flor
da perna amputada.

Me deu vontade
de entrar em seu corpo
(fragmentado)
a meio metro da calçada.

Entrar em seu corpo e ser ela,
ser a perna que falta.
Ser a falta da perna dela.
Tive vontade de amar
e ser nada.








O ESPELHO

Vindo, no caminho, estão
todas as coisas que percebo, tudo
o que toco,
sinto
e vejo:
frutos do meu próprio pensamento.

Delas, uma a uma, me despeço
como num último, íntimo beijo.

Em mim,
a sombra de todos os vultos, lago
límpido, espelho
do céu e das nuvens
que passam;

do qual limpo
as imagens que turvam o fundo,
e que me unem ao mundo
pelo desejo.

Também eu
desapareço

na superfície, sem deixar vestígios

SURJO



] CORPO [

Partindo do princípio, eu desisto
dos meus pés, e subindo
eu desisto das minhas pernas.

Elas latejam e me fazem sentir vivo,
mas eu não quero mais sentir-me vivo.

Ao cortar o pau, prender nele uma pedra
até que penda para sempre, eu só penso
nos olhos de todas aquelas mulheres.

Eu entrego
ao fogo o mel dos olhos.

As emoções,
eu desisto delas todas, o coração limpo
ou não, eu desisto do coração, do umbigo
que me ligou à minha mãe, eu desisto da minha mãe

e de todas as palavras que usei
quando compreendi que era alguém, desisto de ser alguém

para ser oco, novo, fogo, ouro:

UM CORPO DEVORA O OUTRO








Data 2
Saí para almoçar e, ao passar entre dois carros estacionados no meio-fio, vi uma menina de rua, já para lá de adolescente, cagando. Estava agachada, de cócoras, com a calça abaixada. Quando me viu, abriu o maior sorriso, e disse, “meu banheiro é aqui mesmo, moço”, sem por um instante parar de fazer o que fazia. Dava para ver, por entre o vão formado por suas pernas, a massa de merda no asfalto. Eu, que costumo me indignar com os dejetos de cães nas ruas, não me ofendi, e não me senti diante de um ato estranho ou transgressor. Rolou até uma certa e indiscutível sensualidade, um inconfundível apelo erótico, e por um momento pensei em parar para admirar a cena completa, até o fim. Retribui o sorriso dos seus olhos brincalhões e continuei passando—apenas um pouco surpreso com a total naturalidade de tudo.


bio/biblio
Nascido em 1964, Renato Rezende abandonou seus estudos na USP no início da década de 1980 para viajar, tendo percorrido toda a Europa e parte da América do Norte. No trajeto produziu centenas de desenhos, expostos em Sommerville, Boston e cidade do México. Recebeu o diploma de Bachelor of Arts pela Universidade de Massachusetts, com dissertação sobre a poeta porto-riquenha Julia de Burgos. Estudou na Espanha e na Índia, vivendo por alguns anos num ashram de Siddha Yoga. Como poeta publicou, entre outros, Aura (2AB, 1997), Asa (Velocípede, 1999), Passeio (Record, 2001), com o qual recebeu a Bolsa da Fundação Biblioteca Nacional para obra em formação e Ímpar (Lamparina, 2005), ganhador do Prêmio Alphonsus de Guimaraens da Biblioteca Nacional. Também é autor de Memórias e curiosidades do bairro de Laranjeiras, Avenida Rio Branco – um projeto de futuro e Praça Tiradentes – do império às origens da cultura popular. Tradutor de dezenas de livros e artigos de filosofia, história e arte contemporânea, além de poetas de língua inglesa e espanhola. Vive no Rio de Janeiro. Website: http://www.renato-rezende.com


POESIA

Passagem. São Paulo: João Scortecci, 1990.
Aura. Rio de Janeiro: 2AB, 1997.
Asa. Rio de Janeiro: Velocípede, 1999.
Leaves of Paradise. São Paulo: 100 Leitores, 2000. (poemas em inglês)
Passeio. Rio de Janeiro: Record, 2001. Bolsa Fundação Biblioteca Nacional.
Ímpar. Rio de Janeiro: Lamparina, 2005. Prêmio Alphonsus de Guimaraens.

OUTROS LIVROS

Memórias e Curiosidades do Bairro de Laranjeiras. Rio de Janeiro: Eco Rio, 1999.
Parques do Rio de Janeiro: um olhar poético. Rio de Janeiro: Eco Rio, 2000.
Avenida Rio Branco – um projeto de futuro: 100 anos. Rio de Janeiro: Usina das artes, 2002.
Praça Tiradentes – do império às origens da cultura popular. Rio de Janeiro, Usina das artes, 2003.

PRINCIPAIS TRADUÇÕES

As Duas Culturas e uma segunda leitura (C.P. Snow). São Paulo: Edusp, 1995.

Mediatamente! – Televisão, Cultura e Educação (Jesús Martín-Barbero, Francisco Martinez Sánchez). Brasília: Ministério da Educação, 1999.

TAZ - Zona Autônoma Temporária (Hackin Bey). São Paulo: Conrad, 2001.

Duveen—o marchand das vaidades (S. N. Behrman). São Paulo: BEI, 2002.

Caos – Terrorismo Poético & Outros Crimes (Hackin Bey). São Paulo: Conrad, 2003.

Sobre a História e outros ensaios (Michael Oakeshott). Rio de Janeiro: Topbooks, 2003.

Cartas (Jacob Burckhardt), Rio de Janeiro: Topbooks, 2003.

Mar de Glória—viagem americana de descobrimento (Nathaniel Philbrick), São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

Brasil experimental: arte/vida: proposições e paradoxos. (Guy Brett, org. de Kátia Maciel), Rio de Janeiro: Contracapa, 2005.

Crimes de Guerra—culpa e negação no século XX (Omer Bartov, Atina Grossman, Mary Nolan), Rio de Janeiro: Difel, 2005.

Uma Questão de Vida e Sexo (Oscar Moore), Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.

TRADUÇÕES DE POESIA

Twentieth-Century Latin American Poetry (Ferreira Gullar, Raul Bopp). University of Texas Press, 1996. Ed. por Stephen Tapscott.

Poesia Sempre n. 9 (C. Day Lewis, W. B. Yeats). Fundação Biblioteca Nacional, março, 1998.

Life Beats (Ferreira Gullar). Wilton Manors, FL, USA: Impsat, 1999.

Crença e Imaginação (poemas de Milton, Wordsworth, Blake, Shakespeare, Rilke, Brönte, Coleridge, Keynes, Browning). Rio de Janeiro: Imago, 2003.

Puentes/ Pontes – Poesia Argentina e Brasileira Contemporânea (Amelia Biagioni, Juana Bignozzi, Joaquín Gianuzzi, Roberto Juarroz, Leónidas Lamborghini, Francisco Madariaga). Buenos Aires: Fondo de Cultura Econômica, 2003. Ed. por Heloísa Buarque de Hollanda e Jorge Monteleone; bilíngüe.

Wednesday, August 30, 2006

LEONARDO GANDOLFI




mencionado por
marcelo diniz
virna teixeira
franklin alves dassie

menciona a
andré dick
horácio costa
luis maffei
rodrigo de souza leão
claudio daniel
franklin alves dassie
virna teixeira
sebastião edson macedo
júlio castañon guimarães


poema


a)


Como se o aceno contrastasse com a chuva
gota a gota a demora vai executando
um exercício solo com o que desce
Próximo e prestes alguém vem com as palavras

Preso às unhas
grãos de areia ou espera


*

A emulsão da sede
e de outros líquidos
boiando há muito pelas mesmas coisas
Perto daqui uma criança cai
da bicicleta e se converte na lembrança de quem lê
Pausa

Junto ao lago
a flor é quando e redor da boca


*

O coágulo ao fundo daquilo que fica
conforma-se à matéria do lagarto
e ao seu interior raio de ação
Como contraponto
a criança levanta-se da bicicleta

Em jejum
o lagarto procura na respiração
a sede e o sábado com que abre a flor


*

A água desce cortando em longitude
o miocárdio com os quais se movimentam
tanto o sal como o chão
Desce cortando repetidas vezes
até nela não ter mais duração
a boca

cuja sede encosta aqui




bio/biblio/bis
Leonardo Gandolfi nasceu no Rio de Janeiro em fevereiro de 1981. Livros a sair: “8 poemas” (col.pesa-nervos) e “No entanto d’água” (7letras).

Each man
has a way to betray
the revolution
This was mine (Leonard Cohen)

CARLITO AZEVEDO



mencionado por:
Eucanaã Ferraz
Manoel Ricardo de Lima

Fabiano Calixto
Marília Garcia

Heitor Ferraz
Eduardo Jorge
Walter Gam
Simone Brantes
Caetano Gotardo
Francisco Alvim

Kleber Mantovani
Felipe Nepomuceno
Mavi Massei
Masé Lemos
Flávia Nascimento Falleiros


menciona a:
(Só vou citar quem ainda não foi citado ou foi citado e ainda
não mandou poemas... pra ver se eles se animam...)

Marcos Siscar
Walter Gam
Daniela Storto
Arnaldo Antunes
Simone Brantes
Julianna Krapp
Marília Garcia
Angélica Freitas
Francisco Alvim
Augusto Massi
Aníbal Cristobo
Régis Bonvicino
Heitor Ferraz
Zuca Sardan
Fabiano Calixto
Felipe Nepomuceno





poemas:




POR TRÁS DOS ÓCULOS ABAULADOS
P/ Walter Gam


....E acordei me debatendo no carpete
do hotel miserabilizado
ao som do mantra televisivo, convulsionado.

Um gole de café ajudou a dissipar
a aura ferruginosa do pesadelo.

Era isso o que eu sempre quis dizer
quando falei em fundo do coração.

Toda a noite me obcecaram em sonho
aqueles peixes fluorescentes: fluxo cínico que eu acompanhava
da janelinha do avião; ou que justamente
me seguia? assustadoramente
me seguia?

Contra tal gratuidade e incompletude, qual antídoto?

O sorriso do efebo, talvez, retirando dos jeans surrados
fotografias de afeto e destruição,
todo ele, aliás, afeto e destruição, como
me escreveu depois
num guardanapo de papel
com encantadores desenhinhos?

Uns olhos que faziam tudo valer a pena? Os da
garota-esquimó, fã de Darwin, a quem
eu desejaria dedicar um poema chamado
"Galápagos" por ter dito
que eu agora tinha um lugar
para dormir.

A busca de meu próprio rosto no alfabeto
azul-ozônio que subia, livre, tatuado,
braço acima e céu acima, até a praia de flamingos
de um colo nu, órbita de
miçangas lunares, sublunares.

Não há resposta, camponês, nunca houve
em céu algum, vida alguma, isso de respostas
na veemência de uns espelhos.

E assim, enquanto avançavam as horas no Relógio de Júlio de Abreu
e ficavam para trás todos os sorrisos ("e esquilos brincavam
nesses sorrisos como se sobre ramas", sussurrava
uma voz volátil),
dentro do táxi,
no fundo do coração, disparado,
seguia comigo
o rosto de Marília.


(Do livro inédito: Margens)


***********


MARGENS

1
Nem procurar, nem achar: só perder.
Como o tremulante cachecol florido de Andi
a flutuar no céu por alguns segundos
antes de desaparecer completamente na
noite escura da Marina da Glória, onde,
por causa da névoa, os barcos ancorados,
com nomes como Estrela-Guia e Celacanto,
também pareciam querer fugir de si mesmos.

2
"De modo que a lanterna deste aqui por um instante
deixa de brilhar para como que reaparecer mais adiante,
mais fulgurante, na popa daquele outro
ali. Olhe ao redor, estamos no Rio de Janeiro
ou fomos lançados na paisagem complexa
de um conto tradicional chinês?"

3
(O cachecol, ainda)
Ele rodopiou
no ar e desenhou com uma das extremidades
vários círculos dourados, uma espécie de hélice.
Parecia seguir para o mar, mas uma lufada o
lançou para o outro lado: uma seta acesa e
maleável sobre o canteiro de gerânios, na
direção das pistas de alta velocidade
do Aterro do Flamengo. Batemos uma foto
e prometemos voltar amanhã. Não à Marina,
mas ao Museu de Arte Moderna, e ver a
"Biblioteca sem nome", o Monumento
do Holocausto da Judenplatz,
de Rachel Whiteread.

4
Por isso esse poema não começa com um menino,
com um menino cantor sobre uma barca,
com uma barca cortando a água e o nevoeiro,
com um nevoeiro adensado por árias do folclore polonês
e refrões militares prussianos na voz de uma menino cantor.

5
"Quando chegamos ao nosso acampamento,
comemos alguma coisa, e nossas garotas logo
foram se deitar. Nós ainda nos demoramos um pouco
vendo tevê, fumando, e pela janela não cessávamos
de ver o fantástico fundo de chamas
de todas as cores imagináveis:
vermelho, amarelo, verde, violeta,
e de repente..."

6
Vai ficar mais difícil estacionar carros
aqui na Judenplatz e não é um monumento bonito
e eu teria preferido que tivessem por fim se decidido
a utilizar aquela solução anti-spray pois ninguém também
vai gostar de ver suásticas pintadas sobre ele, eu não
gosto dele, mas já que está aí eu e ninguém vai
querer ver suásticas pintadas sobre ele.

7
"Ele me pergunta se minha garota já foi casada
e eu: 'Não. Mas esteve muito apaixonada antes.
Aquele que ela amava foi ferido, gravemente,
seus órgãos saíam-lhe do corpo. Ela os
recolocou com suas próprias mãos, levou-o
para o hospital. Ele morreu. Puseram-no na
vala comum, ela o exumou, deu-lhe uma
sepultura.' Para ele, este simples
episódio é o cúmulo da virtude."

8
"Ele me perguntou: 'e se ela começa a gritar
muito alto você usa as mãos para cobrir
sua boca ou deixa que ela grite o quanto
tiver para gritar?' Depois ele me perguntou:
'E o que ela faz da vida?', e eu: 'Trabalha numa
editora alpina'. E ele: 'Ah, sim?', e eu: 'Sim, sim.
Ela escreveu e publicou guias de montanha. Ela
editou uma revista alpina."

9
Rachel Whiteread
(ao ver seu monumento
finalmente inaugurado):
- Foram cinco anos de inferno.

10
Estou falando de dias ensolarados,
estou falando de dias escuros, quer dizer,
estou falando de flores, sim, de lombadas
de livros, portanto de douraduras, isso quer
dizer, de crianças brincando e nadando na água
da inundação, de queimar as cartas do escritor famoso,
da fumaça subindo e deixando aquela mancha
no teto, eu não estou falando das colinas de Berkeley
mas dos entregadores de pizza porto-riquenhos de
Berkeley, dos entregadores de pizza húngaros de
Santiago, dir-se-iam livros que não se abrem, de
portas que não se abrem, de sonhos que não,
de um pesadelo recorrente, de uma resina,
um cavalo correndo, não são livros de areia.

11
Con frecuencia, en artículos publicados en la prensa o
en los mismos intercambios de la calle, los vienenses cuestionaban tanto la "oportunidad" como la misma "necesidad" de recordar el Holocausto. Tras el estudio de los distintos proyectos, el jurado seleccionó la propuesta de la joven escultora británica Rachel Whiteread. En el camino quedaban múltiples obstáculos: desde la insistente oposición de la ultraderecha (ahora sumada a la coalición gobernante), hasta las mismas organizaciones de sobrevivientes (insatisfechos con el diseño de Whiteread por su contenido excesivamente "abstracto"). Ellos argumentaban que las víctimas del extermínio "no murieron en abstracto".

12
(epílogo, à maneira do teatro de Gertrude Stein)

Dir-se-iam pétalas.
Aquelas?
Estas.
Antes profusão.
Dir-se-iam montes de merda.
Dir-se-iam céus.
Camuflagens.
O que é a Legião Condor?
Dir-se-ia fixo? fúcsia?
Dir-se-ia farpado?
Figuração.
Troncos.
Cepos.
Minas terrestres
(mas aqui, aos teus pés,
crescem agora essas
florezinhas azuis e roxas).
Dir-se-iam maiúsculas.
Toda a tarde?
Entre lobo e cão.
Dir-se-iam pescadores.
Nada assemelha.
Um chamado à ordem,
e no entanto trovões.
Hematomas no lago,
dir-se-ia entrever.
Dir-se-ia chuva de ouro?
Eram vagões?
Ali, hipoglicêmico.


(Do livro inédito: Margens)
*********


DRUMMOND

Sabe que nada mais agora
poderá mover sua poesia.

Cruza a avenida Rio Branco, o aterro,
a enseada, o túnel do Pasmado

(do mundo caduco, é a parte
que mais lhe agrada).

Nem o vestido de flores da
filha do tipógrafo, nem os

pássaros de fogo que dele
partiam de vez em quando

(tudo perdido num antigo
crepúsculo itabirano).

Nem aquela vez,
quando pensou ouvir

o rumor do mundo percutindo
as paredes do Outeiro

(havia um melro no alto
do muro de cantaria negra).

Cerra as mãos como quem porta
um segredo, e ainda que ninguém

perceba, sente que sua revolução
está ocorrendo neste exato instante.

Se apenas uma dessas indecifráveis
palmeiras pousasse o rosto no peito

do aviador cansado, ouviria
as bombas da ilusão de

auto-suficiência e as bombas
da ilusão de unidade absoluta

com a natureza reduzindo a
pó a ilha mínima do eu.

Mas ele mesmo só pode ouvir os
ônibus lotados que passam rumo à

periferia, soltando no ar
grossos rolos de fumaça negra,

ou as mãos de quem costura
vestidos de flores baratos.

Revoluções e filhos são mais
incontroláveis do que poéticos:

eis a quinta-essência do
aprendizado? Maria Julieta está morta.

Cruza o túnel do Pasmado, e mais outro.
Tudo somado, talvez esteja recitando:

"A Avenida Atlântica situa essas
coisas numa palidez de galáxias".


(Do livro inédito: Margens)


















bio/biblio
CARLITO AZEVEDO nasceu no dia 4 de julho de 1961, no Rio de Janeiro, onde ainda vive. Publicou os livros: Collapsus Linguae (1991), As Banhistas (1993), Sob a Noite Física (1996), Versos de Circunstância (2001) e Sublunar (2001). É editor da revista de poesia Inimigo Rumor desde 1997.



POÉTICA: em transformação, espero.
CARLOS AUGUSTO LIMA


foto: Eduardo Jorge

mencionado por:

Manoel Ricardo de Lima
Heitor Ferraz
Franklin Alves Dassie
Eduardo Jorge
Júlio Lira

menciona a:

Heitor Ferraz Mello
Eduardo Jorge Oliveira
Diego VinhasRicardo Corona
Paula Glenadel
Tarso de Melo


poemas:


são cavalos e nuvens. pois lhe agradam

as criaturas submarinas, uma sala,

doze por qualquer, qualquer coisa, espaço e risco.

discretos, guardando para si a palavra

marisco pedregulho cachalote.

uma canção de favor.

o tempo ali é arejado e dócil.

viver é remover o mundo submarino.

a busca estúpida. cavar e cavar e cavar.

não viveríam debaixo do gelo ou coberta.

nem de dropado céu, nem noite.

mas planejam deixar o mundo. o cinema

que nunca viram. nunca provaram.

esses gases. há um céu para eles?

a sala. nuvem e bolhas. algo

dissolve. o oceano longe. o oceano.



* * *


hoje não é um dia comum.

não como hoje. meia-noite. midday.

nem cabe aqui por um instante.

porta que abre, porta que fecha.

um dia. um fim, como todas as

coisas necessitam. do giro mágico

mastigando ferro, assoalho, tamancos

de outra forma um dia comum.

um fim, como todas as coisas devem ter.

e agora Rodrigo me conta que

vai passar alguns meses em NY.

penso quem é mais feliz. se ele.

se eu. se alguém que habita o alto

daquele prédio numa solidão desenfreada.

penso em Rodrigo. a felicidade em

riste, em guarda. e tudo se alterna

entre os que estacionam no primeiro,

no segundo subsolo. num dia assim

a cápsula de raios gama explode.

corro para salvar os congelados

do almoço de terça. uma palavra

bonita recolhe o poema,

aquela rua.

* * *


não é lugar seguro o mar.

a praia não é segura. ontem mesmo

uma família que fazia um

piquenique foi alvejada, em gaza.

uma praia. areia crivada. o declínio

do mundo. uma estrada onde a

margem verde estampa sabor.

penso nas coisas, mas agora enfrentarei

um trânsito em busca de Eliana.

falta de tudo nesta cidade: estações,

estações, estações.

escute a tácita recusa em subir as compras.

e nós moramos num mundo bonito.

há uma pane nos elevadores. subiremos

pelas escadas e nosso esforço

como o condutor do riquixá

naquele filme bonito. a vida é um

filme bonito. pessoas alvejadas, o

mundo cai, as estações, o andar de cima,

penso nas coisas, mas agora enfrentarei

um trânsito. algum lugar.


bio/biblio





CARLOS AUGUSTO LIMA (Fortaleza, 1973) escreve alguns poemas, tem artigos publicados em revistas e jornais de vários lugares. Publicou uma pequena plaquete chamada OBJETOS (8 poemas), em 2002, tempo em que era um dos coordenadores do núcleo de literatura do Alpendre. Mas o livro não existe mais. Tem duas outras obras inéditas (Eu Me Satisfaço com a Minha Casa e o Deserto e AO REDOR O MUNDO DESCOLORE), e outras coisas por fazer. Fez mestrado em Literatura Brasileira pela UFC ( Universidade Federal do Ceará), onde defendeu dissertação sobre a poesia do CACASO. É pai de Sofia, que cresce numa paisagem onde se misturam livros, bonecas, discos, retalhos de brinquedos e uma indefinível claridade.


poética:
“Penso na poesia como um silêncio. Talvez a minha poesia como silêncio. Talvez uma briga por dentro, dela, uma impossibilidade. Ou algo que não se pode dizer. E está dito. Está sendo escrito. Um respiro. E há a maldade, um rancor, a loucura do mundo. E um respiro. Calado, doce e tenso. É desvendar a dobra do origami mais difícil. E responder com outra dobra, ainda. Então alguma beleza. E depois perder. A poesia, a minha, está em abandonar ela mesma. E silêncio.”

Tuesday, August 29, 2006

RICARDO CORONA




menciona a:

Estrela Ruiz Leminski
Bianca Lafroy
Claudio Daniel
Joca Wolff
Ricardo Pedrosa Alves


mencionado por:
Carlos Augusto Lima

Wilson Ninini



poema:

ESTILO DA BOCAPara Jardelina da Silva



1.
tá viva a letra...
no rastro do enigma
olhe de novo
(minha mãe lia o livro da terra
e tudo que eu faço é por isso)

pegadas juvenis
na floresta úmida


2.

a lua branca intercepta
reflexos
(eu sou o rabo e eles não podem com eu
eu levo o mundo inteiro)

na harpa ouro
do anjo nu


3.

clonado
sobre a lâmina do lago
(jardelina salvou o mundo,
desencantou a lagoa)

sobre
carpas em alvoroço


4.

no alvo do caos
no cu de uma estrela cadente
(ha ha ha ha ha ha
ha ha ha ha ha ha ha)

no primeiro riso
depois do humano


5.

depois do macaco
antes da hiena
(porque o primeiro índio é o pajé
cê sabia disso?)

o primeiro, depois
do nem fim nem começo


6.

na passagem
no avesso da paisagem
(eu entrei dentro dos quinto dos inferno
mas tudo que eu falo é o planeta)

olhe para dentro
olhe para fora


7.

olhe com as costas
do globo ocular
(tudo o que eu falo sai num afirmado
esqueci o estilo da boca)

deixe a velha poesia
para trás


8.
(Minha mãe lia o Livro da Terra:

“Essa cigana, ela usa batom,
ela usa tudo quanto é tintura
e ela nunca larga a moda dela,
e nem acompanha a moda de ninguém,
a moda dela só ela que faz.”

Eu ia saber que era eu?)


O título e os textos em itálico de Estilo da boca são trechos retirados de um depoimento oral de Jardelina da Silva (1929-2004).

de Corpo sutil (Iluminuras, 2005)


bio/biblio


Ricardo Corona (1962) nasceu numa cidadezinha chamada Pato Branco (PR), próxima das fronteiras de Brasil, Argentina e Paraguai. É autor dos livros de poesia Cinemaginário (1999), Corpo sutil (2005) e Tortografia, em parceria com Eliana Borges (2003) – todos pela editora Iluminuras. Em 2001, lançou o CD de poesia Ladrão de fogo (Medusa) e atualmente, está gravando TÁVIVAALETRA, de poesia associada ao som. Organizou a antologia Outras praias – 13 poetas brasileiros emergentes / Other Shores – 13 Emerging Brazilian Poets (edição bilíngüe – ed. Iluminuras, 1998). Traduziu em parceria com Joca Wolff o livro-poema a.A Momento de simetria (Curitiba, Ed. Medusa, 2005), de Arturo Carrera. Integra as antologias Pindorama – 20 poetas de Brasil (org. pelos editores da revista tsé-tsé, Buenos Aires, Argentina, 2000), Na virada do século – Poesia de invenção no Brasil (org. Cláudio Daniel e Frederico Barbosa, SP, ed. Landy, 2002), Passagens – Antologia de poetas contemporâneos do Paraná (org. Ademir Demarchi, Curitiba, ed. IOP, 2002), Cities of Chance: New Poetry from the United States and Brazil (org. por Flávia Rocha e Edwin Torres, revista Rattapallax, New York, EUA, 2003), acompanhada de CD de poesia, no qual participa com o poema “Ventos e uma alucinação”, e Antologia Comentada da Poesia Brasileira no Século 21 (org. Manuel da Costa Pinto, ed. PubliFolha, 2006). Participou também da antologia Os cem menores contos brasileiros do século (org. Marcelino Freire, SP, Ateliê Editorial, 2004) e da mostra “Brasil: Poetry Today”, publicada na revista Slope (EUA, 2004). Tem poemas musicados por Vitor Ramil, Ana Lee, Neuza Pinheiro, entre outros. Em 1998, criou a revista de poesia e arte Medusa, e, em 2004, a revista de poesia e arte Oroboro, a qual edita em parceria com Eliana Borges.

poética:
A palavra contém idéia e a letra, som. Ou: chants en quête de paroles / pour peupler le silence du livre (JEAN-JOSEPH RABEARIVELO)
EUCANAÃ FERRAZ

foto: Bel Pedrosa
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poemas:
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(inéditos)
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VALSA PARA GRAÇA.
Abra-se tudo
em grande-angular:

alas a ela, abra-se tudo
em salas que se abram

em salas abertas, salões,
e o que se fechara

antes desabroche
numa sucessão de estrelas

em pleno dia claro.
Abra-se o teto

do planetário, abra-se
o coração do fogo

e nele toda dor
torne a nada e

nada lhe resista e
por onde passe alastre

sua leveza. Alas a ela,
e que ela me leve.

Porque nela tudo parece
mover-se sobre salto

alto, sobretudo a alma,
a alma que parece calçar

a mesma sandália que
as palavras e os gestos

dela, alas
a ela, que, assim

alta,
como que vai

descalça e dançasse
sobre-além dos alarmes

e do medo, largando
na sua valsa

um rasto só de beleza.
Alas a ela, alas,

e que ela me
leve.



A COSTUREIRA
Para Danielle Jensen

Ouve o tecido, pousa
o ouvido, ouve com os olhos.
À fibra e ao feixe interroga

sobre o que se entrelaçara,
distinguindo a linha, o intervalo,
o vão, o entreato, atenta

para o que na fala geométrica
e repetida dos fios é um outro
vazio: o de antes da trama, ato

anterior ao enredo; óculos
postos para a escuta, a escuta
desfia-se no vento, o olho

flutua, folha, flor, agulha;
fecha os olhos; ouve
com as pontas dos dedos;

indaga do tecido o modo,
os limites, a função, a oficina,
a forma que ele quer ter,

a coisa, a casa que ele quer ser; e
costura como quem à mão e
à máquina descosturasse

o dicionário,
rasgando em moles móbiles
seus hábitos, o vinco de sua farda.



IMPRESSÃO

Da janela, impossível distinguir o vestido
apressado adeus na louça improvável, azul
dos paralelepípedos, menos ainda o passo,

tac-tac à borda esquerda do rio,
também ele tingido pela hora
e a ponte, a torre, as árvores.

Nada contesta a monocromia da tarde
(exceto a tristeza que sinto,
traço negro, nota pouco extensa

e, de resto, inteiramente dispensável,
à margem desta tarde,
tarde demais).



bio/biblio
Eucanaã Ferraz nasceu no Rio de Janeiro, em 1961. Publicou, entre outros, os livros de poemas Livro primeiro (Edição do Autor: 1990), Martelo (Sette Letras, 1997), Desassombro (Portugal, Quasi 2001 e 7 Letras, 2002 - Prêmio Alphonsus de Guimaraens, da Biblioteca Nacional, melhor livro de poesia de 2002) e Rua do mundo (Companhia das Letras, 2004).

Organizou Letra Só, seleção de letras de Caetano Veloso, editado em Portugal (Quasi, 2002) e no Brasil (Companhia das Letras, 2003). Em parceria com Antonio Cicero, elaborou a Nova Antologia Poética de Vinicius de Moraes (Companhia das Letras, 2003). Organizou ainda Poesia completa e prosa de Vinicius de Moraes (Nova Aguilar, 2004) e a antologia Veneno antimonotonia (Objetiva, 2005), onde reuniu poemas e letras de grandes de importantes nomes da poesia e da música brasileiras.

É professor de Literatura Brasileira na Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde obteve o título de mestre com dissertação sobre Carlos Drummond de Andrade, e o de doutor com tese sobre João Cabral de Melo Neto.

Na web: http://www.eucanaaferraz.com.br



poetica*

Não tenho aptidão para a filosofia. Interessa-me a pintura, a arquitetura, a fotografia. Interesso-me por aquilo que posso ver. Tenho bem clara a noção de que esta é uma limitação enorme. E se algumas vezes procurei, sem muito sucesso, diminuir esta insuficiência, a certa altura imaginei que talvez devesse procurar, pelo contrário, extrair desta minha deficiência alguma coisa positiva. E, de fato, acabei por tentar explorar certas possibilidades, o que, no fim das contas, talvez tenha apenas tornado mais estreito o alcance reflexivo do que escrevo. Mas, de qualquer modo, adquiri consciência de que deveria converter em projeto estético a minha particular sensibilidade quando ia escrevendo os poemas de Martelo, livro que é, em larga medida, marcado pela busca de um mundo apreendido como matéria, como corporeidade. Há, por exemplo, uma pequena série de poemas chamados “Figura”, “Figura com mulher”, “Figura II” e “Figura III” que dialogam diretamente com a pintura de Matisse, que é a referência plástica mais forte e decisiva da minha vida. Descobri a arte moderna com o “Grand nu couché/Nu rose”. Eu era uma menino sem livros em casa. Aos poucos, fui lendo os romances que a escola exigia, de Alencar e de outros outros românticos. Tinha como única referência poética o Eu de Augusto dos Anjos. A arte, para mim, era uma coisa do passado. Um dia, no entanto, o menino deu de cara com a reprodução da tela de Matisse. Pronto! Foi um choque e um deslumbramento. Conheci a pintura moderna antes de saber sobre a literatura moderna. Eu desenhava bem e com muita desenvoltura. Depois cheguei a pintar. Gostava de fazer colagens. Podia passar, e passava, horas recortando papéis, figuras, sem nenhuma necessidade de leitura, sem nenhum pensamento que não a avaliação do quanto uma forma e uma cor podiam ser belas. A beleza, que considero a mais alta qualidade que a arte pode alcançar, para mim está diretamente ligada à visibilidade. Para mim, a beleza, que é uma abstração total, é algo que reconhecemos sobretudo naquilo que vemos. Claro que há outras belezas, mas sinto as coisas visíveis como mais belas que as outras. Voltando à série das figuras, no “Figura com mulher” digo que a “odalisca” (referência direta a um dos motivos mais recorrentes da obra matissiana) “não sonha” e “vive a delícia – cor/ e perfume – de estar totalmente/ neste mundo.” A visibilidade é, para mim, uma afirmação da vida, do viver, do mundo, da existência como absoluta presença. Num outro poema de Martelo, ao falar de Deus, imagino que um navio talvez possa ser “um pedaço de um pedaço/ de um pedaço do seu nariz (…)” Só sei pensar as coisas mais abstratas e vagas como matéria, corpo,coisa que se vê. Penso com o olho. O olho é minha sensibilidade. E creio que a poesia que escrevo reflete isso. Tudo o que escrevo aspira ser como aquele grande nu de Matisse, absolutamente aqui, absolutamente agora, aberto à vida e ao olhar.

* Frag. de entrevista concedida a Nonato Gurgel para sua tese de doutorado, “Seis poetas para o próximo milênio”.